Negócio de menino
março, 1964

Tem dez anos, é filho de um amigo, e nos encontramos na praia:

— Papai me disse que o senhor tem muito passarinho...

— Só tenho três.

— Tem coleira?

— Tenho um coleirinha.

— Virado?

— Virado.

— Muito velho?

— Virado há um ano.

— Canta?

— Uma beleza.

— Manso?

— Canta no dedo.

— O senhor vende?

— Vendo.

— Quanto?

— Dez contos.

Pausa. Depois volta:

— Só tem coleira?

— Tenho um melro e um curió.

— É melro mesmo ou é vira?

— É quase do tamanho de uma graúna.

— Deixa coçar a cabeça?

— Claro. Come na mão...

— E o curió?

— É muito bom curió.

— Por quanto o senhor vende?

— Dez contos.

Pausa.

— Deixa mais barato...

— Para você, seis contos.

— Com a gaiola?

— Sem a gaiola.

Pausa.

— E o melro?

— O melro eu não vendo.

— Como se chama?

— Brigitte.

— Uai, é fêmea?

— Não. Foi a empregada que botou nome. Quando ela fala com ele, ele se arrepia todo, fica todo despenteado, então ela diz que é Brigitte.

Pausa.

— O coleira o senhor também deixa por seis contos?

— Deixo por oito contos.

— Com a gaiola?

— Sem a gaiola.

Longa pausa. Hesitação. A irmãzinha o chama de dentro dágua. E, antes de sair correndo, propõe, sem me encarar:

— O senhor não me dá um passarinho de presente, não?

Rubem Braga