Morte é foda
26.agosto.2002

Esta é uma crônica sobre a morte, e como ela se parece com o sexo; ou uma crônica sobre o sexo, e como ele se parece com a morte. Você escolhe.

A associação é tão óbvia que dificilmente me ocorreria uma crônica a respeito, mas uma amiga disse-me assim, A morte é foda!, e eu que nunca perdi ninguém excessivamente próximo como a minha mãe, a minha irmã ou a minha avó, tive que traduzir o que ouvi para: A morte é sexo!

Não vou dizer em que a morte se parece com o sexo, porque nenhum dos meus leitores morreu, logo não tem experiência no assunto e não saberá avaliar se falo ou não a verdade. Mas que o sexo se parece com a morte, ah, isso parece, e qualquer pessoa com o mínimo de tempo de cama pode comprovar isso.

Qualquer pessoa que faça sexo com o mínimo de competência perde a consciência de si mesma durante o ato. Tudo bem, tem sempre aqueles que ficam pensando nas mil posições do Kama Sutra, em se vão engravidar ou não, no que vão dizer para os amigos... Mas sexo bom é aquele em que a gente se esquece. Tem gente que leva isso tão a sério que quase desmaia de tesão. E esse apagamento da consciência é justamente o que faz o sexo ser chamado de a pequena morte pela tradição oriental.

Outra coisa que aproxima o sexo da morte é que ambos são um encontro. No sexo, encontro do ser com o seu amor. Na morte, encontro do ser com o seu criador. Tudo bem, pode-se argumentar que Deus não existe e que a morte seria um encontro com o nada. Mas o mesmo se pode dizer do amor — que não existe —, sendo a outra pessoa uma materialização falsa de um amor pelo qual somos iludidos e que jamais encontraremos de fato; o sexo, então, seria também um encontro com o nada, só que com um nada materialmente ilusório.

Mas o sexo se parece mesmo com a morte é na maneira como é tratado: privadamente em segredo, publicamente com estardalhaço. Todos os dias, nos meios de comunicação de massa, ou nas fofocas em que se fala de gente não muito próxima, sexo e morte são assuntos que não só costumam dominar a conversa como exercem um fascínio sobre quem está conversando. Já se a conversa é familiar, sexo é um assunto quase proibido, assim como a morte, que foi historicamente expulsa do espaço doméstico e agora acontece nas salas dos hospitais.

Creio mesmo que as pessoas que evitam o sexo, como os celibatários, as virgens pré-matrimoniais, os impotentes e as frígidas, estão tentando mesmo é evitar a metáfora do sexo: a morte. E aqueles que têm medo da morte, que não podem nem ouvir falar dela, têm medo na verdade é da comunhão do sexo e da pequena perda de si que acontece durante o ato sexual.

O sexo sadomasoquista ou, mais apropriadamente, o necrofílico é uma tentativa de juntar explicitamente o sexo e a morte. Uma outra tentativa de juntar a morte e o sexo poderia ser a substituição da extrema-unção pelo extremo coito: uma pequena morte preparando a iminente grande morte. Ou, nas mortes imprevisíveis ou por acidente, prestar a quem padece não os primeiros socorros, mas as primeiras carícias, para que o possível morto esqueça de si e, conseqüentemente, da dor que sente.

A morte é foda sim, em qualquer sentido, em todas as posições do Kama Sutra. Nós é que somos virgens e não temos uma idéia muito clara do que estamos perdendo.

Eduardo Loureiro Jr.
Mestre-teia d'O Pátio
e autor dos livros infantis
"A Concha e a Borboleta"
e "Redonda"