END
19.agosto.2003

Um toque. Dois. Cinco. Dez. “Após o sinal, deixe seu recado. Piiii”. Eu nunca deixo recado. Tenho ódio das secretárias eletrônicas — não por elas, que por sinal acho muito úteis — mas pela pessoa “atarefada demais” para me atender. E olha que eu só ligo para telefones celulares em último caso. Tenho pânico de incomodar e, por isso, tento primeiro ligar para a residência da pessoa, onde não existe o perigo de pegá-la no trânsito, na aula, no trabalho ou fazendo alguma coisa de muito importante. Não conseguindo encontrá-la, parto então para o celular. E é aí que o problema começa.

Eu falo para todo mundo: pode me ligar a hora que quiser. Se eu atender, é sinal de que posso conversar. Se não, verei a chamada e retornarei assim que possível. O caso é que quando é o contrário, não enxergo do mesmo jeito... Basta eu ligar para alguém e a pessoa não atender que já penso besteira. “O que está fazendo que não pode se dignar a me dar uns minutinhos da sua atenção?” Se é namorado, então, sai de baixo! Já penso que ele está me “dando o end”...

Dar o end. O Dicionário Aurélio deveria ser atualizado para conter expressões modernas... Dar o end não significa que a pessoa está “dando o fim”, terminando com você... Dar o end é simplesmente o ato de (quando o celular toca) apertar o botão "end" (aquele que fica ao lado do “send”), com o intuito de desligar o mesmo ou cessar o som da musiquinha (sim, celular hoje em dia não têm campainha... tem é musiquinha) ao visualizar uma chamada indesejada. Enquanto isso, a pessoa que originou a chamada, fica do lado de lá, que nem boba, esperando, esperando, esperando, imaginando onde estará o seu amor... e aí cai naquela voz metálica que sempre repete “deixe o seu recado, ou ligue depois...” Fiz uma pesquisa com os meus amigos e todos têm a mesma opinião: o primeiro pensamento que vem à cabeça é mesmo que a pessoa não quer atender.

Acho que os psicólogos devem estar faturando em cima das inseguranças que surgiram devido às novas tecnologias. Imagine essa consulta:

— Ah, doutora, não agüento mais. Meu namorado me deu o end duas vezes em menos de uma semana!

— Menina, você tem que entender que celular, às vezes, atrapalha... ele pode ter desligado e nem ter visto que era você quem estava ligando.

— Não, ele nunca desliga o celular, nem pra dormir.

— Bom, então a bateria podia ter acabado...

— E aquela reserva que ele acabou de adquirir?

— E se ele estivesse trabalhando?

— Duas horas da manhã?

— Você ligou pro seu namorado duas horas da manhã por quê?

— Ah... pra saber se ele estava dormindo...

— ...

Antigamente era mais fácil de se esconder. Ninguém se atrevia a ligar para a casa de outra pessoa muito tarde, por receio de acordar a família inteira dela. Agora, esse problema não existe mais. Se tem celular é porque quer ser encontrado. A pessoa tem que estar de plantão, 24 horas. Do contrário, já pensamos que é com a gente que ela não quer falar.

O fato é que a pessoa pode mesmo estar com o celular desligado, sem bateria, no silencioso... mas não tem jeito de saber, com certeza, se ela está dizendo a verdade, ou não, quando diz que não atendeu por causa de uma dessas razões. E aí vem a insegurança, o ciúmes, a raiva... Aposto que isso já foi motivo de términos de namoro e amizade... E pensar que os celulares surgiram com o intuito de facilitar as nossas vidas.

Na verdade, eu não sei como conseguíamos viver sem ele. Imagine só... como eu viajaria sem meu celular para o caso de acontecer alguma emergência no meio da estrada? Como eu faria para receber um recado urgente, já que passo a maior parte do tempo fora de casa? E que jeito eu daria para ouvir a voz do meu namorado se uma saudade avassaladora dele me assolar no meio da tarde?

A gente conseguia. Acho que algumas pessoas ainda conseguem. Aquelas que nunca tiveram um celular, que são vistas pelas outras como pobres "ETs" que não se renderam ao mundo moderno. Mas basta usar, por uma semana, para viciar e não lembrar mais como era antes dele existir. Eu — confesso — não vivo sem o meu. Sou dependente dele. Ele é minha babá: me acorda na hora programada, me lembra dos compromissos e aniversários, guarda o telefone de todos os meus amigos, alunos, conhecidos... me põe em contato com o mundo... pelo menos com a parte do mundo que também quer ser encontrada. Porque ele só não conseguiu ainda dar um jeito nesse probleminha que ele mesmo criou... descobrir se a pessoa está, ou não, dando o end...

Paula Pimenta
Autora do livro de poemas "Confissão"

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