LÉVY, Pierre. A ideografia dinâmica. São Paulo: Loyola, 1998. 228 p.

Convenções:
p. - número da página
( ) - referência de citações de outros autores
/ - simples separação antes de outra citação, sem ligação de sentido, na mesma página
// - marca de parágrafo
[...] supressão de palavras ou frases para reduzir a citação sem perder o sentido
[ ] outros comentários ou definições do anotador das citações

p. 5
"O único modo de comunicar diretamente uma idéia é por meio de um ícone. " (Ch. S. Peirce)
/
"Poderíamos introduzir caracteres universais bastante populares e melhores que os dos chineses se empregássemos pequenas figuras em lugar de palavras, para representar coisas visíveis que as acompanham. (...) Isso serviria de início para que facilmente nos comunicássemos com nações diferentes; mas, se os introduzíssemos entre nós sem renunciar à escrita ordinária, o uso desse modo de escrever seria de grande utilidade para enriquecer a imaginação e proporcionar pensamentos menos surdos e menos verbais que os possuídos atualmente." (G. W. LEIBNIZ)

p.15
"vivemos em uma civilização da imagem ou do audiovisual. Enquanto o tempo destinado à leitura tende a diminuir entre as novas gerações, verifica-se que o tempo dedicado a assistir à televisão e ouvir música gravada não pára de crescer. O livro cada vez mais deixa de ser o vetor de emoção, de sonho e de diversão que era tempos atrás."

p. 16
"Não se trata de recorrer à imagem para ilustrar ou enfeitar o texto clássico, mas de realmente inaugurar uma nova escrita: um instrumento de conhecimento e de pensamento que seja também e intrinsecamente imagem animada."
/
"Reivindicamos a utopia em detrimento da preguiça e do "realismo" conformista."

p. 17
"Trata-se de algo bem diferente do hipertexto ou da multimídia interativa, que se satisfazem em mobilizar e dispor em rede os antigos modos de representação que são o alfabeto e a imagem gravada."

p. 18
"Na escala da história da humanidade, a distinção entre escrita e desenho (ou artes plásticas em geral) é algo bastante recente."

p.19
"entre essas duas linhas de pesquisa, realizando a interface entre o homem imaginante e o computador imageante."

p. 19 a 20
"a construção e a simulação de modelos mentais constituem o principal processo cognitivo subjacente ao raciocínio, ao aprendizado, à compreensão e à comunicação. Raciocinar sobre uma situação equivaleria, primeiramente, a recordar ou construir certo número de modelos mentais referentes a ela; em segundo lugar, a "fazer funcionar" ou a simular esses modelos, a fim de observar o que se tomam em outras circunstâncias, verificando sua adequação aos dados da experiência; em terceiro lugar, a selecionar o "melhor" modelo. Compreender uma proposição, uma idéia, uma teoria significaria ainda fazer com que modelos mentais lhes correspondessem. A título de exemplo, a melhor maneira de compreender a frase "o gato come o rato" é representando a cena. Comunicar equivaleria então, essencialmente, a pôr em movimento a simulação de um modelo mental no espírito do interlocutor."

p. 20
"Certas escritas estáticas apresentam-se como memórias artificiais. Na interface entre o homem e o computador, a ideografia dinâmica apresenta-se como imaginação artificial. Ao concebê-la, queremos construir um instrumento que possa prolongar, sustentar e amplificar a atividade espontânea de elaboração e simulação de modelos mentais, aos quais incessantemente nos entregamos quando pensamos e comunicamos."

p. 25
"Uma realidade virtual é um mundo sensível ao qual não corresponde nenhuma entidade física, exceto a de arquivos informáticos."

p. 25 a 26
"nossa intenção não é expor o estado da técnica, e sim propor ao leitor algumas experiências de pensamento."

p. 26
"Enquanto o usuário de uma obra impressa se dedica à leitura e o de um hipertexto se entrega à navegação, o de uma realidade virtual empenha-se em uma exploração."

p. 27
"ação de exploradores segundo conexões causais variadas, que poderiam se assemelhar às do sono desperto".

p. 28
"Lanier declara: quando for possível compartilhar facilmente realidades virtuais, a linguagem perderá grande parte de suas funções e de sua importância cultural."

p. 29
"A linguagem foi adotada pela espécie humana como meio de comunicação privilegiado em vista de certas limitações físicas particulares, mas certamente não é o modo de comunicação ideal."
/
"A linguagem é limitada; não se pode fazer uso dela para agir diretamente sobre a realidade. É um riacho estreito na enorme planície da realidade, (... ) É um fluxo de pequenos símbolos descontínuos, quando o mundo é feito de movimento e de continuidades. A linguagem não pode mais que sugerir; não pode reproduzir a realidade nem criá-la. Nenhuma pintura poderá jamais ser completamente descrita por palavras; muito menos o mundo." (Jaron Lanier)
/
"Pela palavra não atingimos mais que uma pequena parte do mundo sensorial daqueles a quem nos dirigimos. Quanto maior for a parte do mundo sensível por nós modificada, maior será a importância da comunicação."
/
"a realidade virtual é um meio de comunicação perfeito, pois permite controlar a totalidade do mundo sensível do receptor da mensagem."

p. 30
"Por que continuar a utilizar a linguagem, fundada na impossibilidade de comandar rapidamente algo além das cordas vocais, se podemos comandar diretamente a totalidade do mundo sensível?
/
"Desde que se disponha de equipamento técnico adequado, é perfeitamente possível comunicar sem símbolos, manipulando diretamente a aparência das coisas e a constituição de mundos. Jaron Lanier levanta a hipótese de que, se tivéssemos tido acesso à realidade virtual no momento da hominização, não teríamos precisado inventar a linguagem."

p.31
"O ato de comunicação modifica uma situação afetando as representações dos participantes".
/
"não mais se medirá o progresso na comunicação pelo alcance maior ou menor das impressões sensoriais passíveis de ser postas em jogo na troca, mas pela eficácia da interação real dos participantes sobre suas representações mútuas."

p. 32
"Quanto mais natural a interface, mais o dispositivo técnico subjacente dependerá de um artifício aperfeiçoado."
/
"Para transmitir intenções, pensamentos, imagens subjetivas, somos sempre obrigados a traduzi-las em signos".

p. 33
"Se pudéssemos compartilhar diretamente com outros humanos nossas experiências, intenções, emoções e idéias (com o mesmo sentido que elas têm para nós), nossas subjetividades se confundiriam, e não somente os signos perderiam sua pertinência, mas a própria noção de comunicação."

p. 34
"O uso de signos mais apropriado ao homem e, queremos crer, o mais elevado, consiste precisamente em divisar possíveis, em imaginar realidades virtuais."

p. 35
"Os animais não são desprovidos apenas de línguas; carecem singularmente também de imaginação."

p. 36
"a comunicação sem símbolos já há muito tempo é reconhecida (comunicação "animal", riso incontido, pânico), e os símbolos servem mais ao pensar que ao comunicar.
/
"Rousseau sonhava com um meio de comunicação imediato, quase telepático, uma língua que dispensasse a mediação simbólica, que exprimisse diretamente pensamentos e sentimentos."

p. 38
"A deformação ou a formação por signos é condição da existência pensante, é original; ou mais: ela barra para sempre o caminho de uma origem irrepresentável como tal."
/
"O sentido nunca é imanente à mensagem, mas a uma situação de comunicação que excede amplamente o domínio da linguagem propriamente dita."

p. 40
"A ideografia dinâmica é uma linguagem icônica que tende assintomaticamente à língua."

p. 45
"parece-nos útil apresentá-las de forma um tanto indireta e sistemática, a fim de esclarecer as idéias e melhor ressaltar a posição oposta."

p. 47
"Por que não conceber tecnologias intelectuais a partir do que nos ensinaram as pesquisas empíricas sobre a língua e a cognição?"

p. 48
"O sentido de um enunciado identifica-se aos processos cognitivos de interpretação desse enunciado, e não a suas condições de verdade."

p. 49
"Não há alfabeto de sentido."

p. 50
"Um instrumento de comunicação e de representação simbólica cuja gramática fizesse sentido, fazendo apelo às experiências sensoriais e sociais de seus usuários, sem se reduzir à combinação de conceitos ou de unidades semânticas elementares (permitindo ao contrário gerar indefinidamente novos conceitos), seria uma linguagem voltada para a riqueza e a flexibilidade das línguas. Esse é precisamente o programa da ideografia dinâmica."

p. 53
"Graças a seu caráter figurativo, a ideografia dinâmica [...] poderia estar na origem de novas interfaces homem/máquina. // Até o presente momento, os computadores têm sido para seus usuários o suporte eficaz de antigas tecnologias intelectuais (escritas alfabéticas, grafismos diversos, signo, matemáticos, imagens animadas etc.), acrescentando-lhes um toque de conforto e interatividade em tempo real."

P. 57
"É impossível decupar o significante sem que o significado seja ele próprio destrinçado."

p. 59
"A possibilidade de definir e redefinir indefinidamente um conceito sem mudar seu significante é um dos traços que fazem da língua, como da ideografia dinâmica, uma tecnologia intelectual de grande flexibilidade."

p. 60
"Christian Mertz ressalta que, em cinema, o paradigma das imagens é frágil, aproximativo, modificável, contornável."
/
"a imagem não remete a categorias ou conceitos, mas sempre a indivíduos, momentos e lugares singulares."

p. 61
"a atividade intelectual é tecida por um permanente vaivém entre a generalização e a narrativa, entre o conceito e o encadeamento singular de fatos, entre a diacronia e a classificação, entre a dialética e o diagrama".

p. 63
"O filme é a imagem gravada de um movimento passado. Oferece então ao espectador uma espécie de alucinação irreprimível (e é o que lhe confere toda magia), e não a visão de uma ação sendo realizada, aberta ainda a todas as suas virtualidades."
/
"Os cenários interativos pouco alteram a impotência do espectador."

p. 63 a 64
"Uma rede finita de seqüências forma a matriz de uma quantidade indeterminada de espetáculos possíveis. É como se pudéssemos construir um texto a partir de uma série de frases ou parágrafos já redigidos, sob a condição de só poder descobrir o conteúdo do parágrafo selecionado depois de tê-lo escolhido."

p. 64
"Na rede do cenário interativo, o deslocamento dá-se um pouco como num labirinto. Com a ideografia dinâmica, em compensação, saímos do labirinto: desenhamos o plano. [...] Tomando a metáfora da escrita alfabética, os filmes interativos satisfaziam-se em oferecer um repertório de parágrafos, ao passo que a ideografia dinâmica oferece um tratamento de texto completo, contando, além disso, com um dicionário que aceita as expressões idioletais do autor. já não se trata do universo limitado da combinatória, mas do mundo aberto da criação."

p. 64 a 65
"O cinema é meio de expressão e não instrumento de diálogo. Permite fazer obras, não debater passo a passo a validade de um modelo ou a pertinência de uma representação."

p. 65
"A actologia [seqüência apresentando interação de ideogramas-atores], em compensação, é sempre mutável, perpetuamente disposta a reencenar. A ação por ela apresentada está em vias de se fazer, e não definitivamente gravada; precisamente porque ela poderia se desenrolar de outro modo, imediatamente. Na ideografia dinâmica, todo movimento é acompanhado de uma infinidade de fantasmas virtuais cuja demanda única é atualizar-se."
/
"não é a imagem corno um todo que se "desenrola": cada ideograma-ator reage aos outros ideogramas e às solicitações do explorador de maneira autônoma."
/
"o cinema apenas filma, monta e restitui um fluxo óptico, enquanto a ideografia dinâmica é uma escrita cujos símbolos próprios são atores animados."

p. 66
"Ao contrário da maioria dos hiperdocumentos e filmes interativos que hoje podemos consultar, a ideografia não se limita a oferecer ao explorador um percurso mais ou menos complexo numa rede organizada por outros, mas fornece também meios de responder usando o mesmo meio, exatamente como respondemos verbalmente a quem nos dirige a palavra."
/
"O movimento gerador do software opera, comanda, dispõe, apaga, inscreve de maneira interativa, porém não representa corno tal. O movimento próprio das linguagens de computador não fabrica o signo para usuários humanos, mas somente para autômatos. // A animação das imagens do cinema é perfeitamente figurativa; no entanto, sendo apenas uma animação gravada, é desprovida de dinamismo, termo usado aqui no sentido etimológico de reserva de virtualidades. // A ideografia que propomos é a única escrita pura cujo movimento é ao mesmo tempo figurativo e dinâmico."

p. 68
"Guardando-nos de convenções prontamente transparentes, um filme é uma espécie de mensagem sem código."

p. 69
"Compreender uma frase é representar-se a cena ou o conjunto das cenas que ela evoca."

p. 71
"sua função iconizante: graças à gramática uma seqüência de palavras faz uma imagem."
/
"um conteúdo conceitual, isto é, um modelo mental, uma cena."

p. 73
"Pode-se conceber uma gramática que não se desdobrasse unicamente no tempo ou na linearidade da escrita alfabética, mas num espaço em três, quatro ou n dimensões?"
/
"Estamos de tal modo habituados às gramáticas das línguas fonéticas que é difícil imaginar o que seria uma gramática espacial e cinemática."
/
"tudo o que se desenvolve linear, seqüencial e temporalmente na linguagem falada se toma, nos Signos [linguagem de surdos-mudos], simultâneo, concorrente e multiestratificado". (Klima e Bellugi)

p. 73 a 74
"Na língua dos Signos (...), a narrativa não é mais linear e prosaica. O discurso encontra-se aí muito decupado, passa incessantemente da visão normal ao grande plano, depois ao plano de conjunto e de novo ao grande plano, incluindo mesmo cenas de zoom in e zoom out, exatamente como trabalha um montador de filmes. (...) Não somente a disposição dos Signos evoca muito mais um filme montado que uma narração escrita, mas cada significador é posicionado como uma câmara: o campo de visão e o ângulo de vista são dirigidos, variáveis e significantes. Não apenas o significador ao significar mas também o significador ao observar estão permanentemente conscientes da orientação dos olhos do significador voltados para os signos emitidos. (Stokoe)

p. 74
"Diante de um campo de conhecimento, existem muitos modelos fundamentais deste campo, incompatíveis entre si, cujas simulações fornecerão resultados diferentes."

p. 75
"As categorias gramaticais da ideografia dinâmica (ideogramas, campos de ação, movimentos e transformações diversas)".

p. 75 a 76
"Uma construção gramatical decide quanto ao destaque relativo e à ordem de aparição das subestruturas da situação evocada pelo enunciado. Os julgamentos de frases bem ou mal formuladas repousam de fato sobre a interação mais ou menos harmoniosa e a compatibilidade de traços figurativos e imagens."

p. 76
"Uma verdadeira linguagem de imagens deve ser natural, próxima do processo cognitivo real."
/
"Uma expressão será gramaticalmente correta conforme seu enunciador tenha comprovado maior ou menor sensibilidade, discernimento e coerência."
/
"É impossível separar determinado conceito de seu contexto ou de seu domínio cognitivo."

p. 77
"O número de campos cognitivos suscitados pela interpretação de uma palavra é potencialmente infinito. // Numa ocorrência particular de uma palavra, somente um ou alguns campos são verdadeiramente centrais para a interpretação de um enunciado. A centralidade de um campo é definível como a probabilidade de sua ativação para a interpretação de uma expressão."

p. 78
"Os campos envolvidos na interpretação de uma expressão estão ligados uns aos outros, são interdependentes. Podemos então falar de uma estrutura hipertextual ou hiperespacial do sentido."

p. 79
"as articulações da ideografia dinâmica são muito mais as do discurso e da narrativa do que as da sintaxe da língua propriamente dita."
/
"Devemos, por ora, nos contentar com indicações sugestivas, em vez de um paralelo sistemático."

p. 81
"Uma frase correta suscita sempre em seu intérprete a representação de um processo, uma imagem dinâmica, um "filme". Se não pode haver frases sem verbo, isso talvez se deva ao fato de só termos o sentimento de completude intelectual quando representamos um movimento, uma ação, ou pelo menos uma duração."

p. 82
"A determinação de ideogramas e campos de ação que se movem por oposição aos que permanecem imóveis corresponde à escolha do termo sujeito e do termo objeto numa frase."
/
"René Thom, segundo o qual todo domínio do conhecimento (ou antologia inteligível) pode ser representado na forma de saliências (ocupando uma região do espaço) e pregnâncias (fluxo ou mensagens emitidas e captadas pelas saliências)."

p. 84
"Um enunciado na ideografia dinâmica não transcreve uma frase de uma língua fonética, mas traduz um modelo mental com a mediação da imagem e do movimento. Se chegarmos ao termo de nosso projeto, a ideografia dinâmica será a primeira escrita a ser ao mesmo tempo, e no pleno sentido do termo, uma língua."

p. 85
"é de duvidar que a escrita venha algum dia a entrar em contato direto com o cerne da espontaneidade sensório-motora que torna a expressão e a compreensão lingüísticas tão consubstanciais ao homem."
/
"A ideografia dinâmica se aproximará da língua à medida que adquirir um caráter de imediatidade sensório-motora. O explorador deverá ter a possibilidade de se projetar corporalmente nos movimentos dos ideogramas."

p. 87 a 88
"nosso sistema cognitivo gera pelo menos dois espaços: um espaço perceptivo, sensório-motor, comum a todo mundo, e outro, semiótico, formal ou lingüística. Esse segundo espaço permanece adormecido na maior parte de nós, mas é ativado e desenvolvido plenamente pelos significadores. Certas experiências tendem a mostrar que as crianças introduzidas desde muito cedo no aprendizado do uso dos Signos possuem capacidades de análise visual (reconhecimento e nomeação de objetos, rotações mentais, percepções de formas, construções espaciais, análise de movimentos etc.) muito melhores que as outras. As excepcionais performances de crianças significadoras podem ser atribuídas ao manejo cotidiano uma sintaxe visoespacial. As habilidades adquiridas num espaço podem ser transferidas para outro."

p. 88
"Uma língua pode ser visual e espacial em vez de seqüencial e sonora."

p. 91 a 92
"se não dispusermos do recurso de uma língua para pensar, não poderemos, parece, ter nenhuma noção do que é urna pergunta, a percepção do tempo é extremamente indefinida e em geral não se tem, ou se tem pouco acesso a universos puramente simbólicos do passado ou do futuro, de lugares distantes, relações ideais, categorias genéricas, eventos hipotéticos, entidades imaginárias, ficções etc."

p. 92 a 93
"Só mesmo a espécie humana internaliza sistemas de comunicação para torná-los instrumentos de pensamento."

p. 94
"Nossa espécie, no curso de milhares de operações práticas, esforça-se em materializar o pensamento (expressão, semiotização) e em pensar por meio de arranjos materiais (introjeção ou internalização de sistemas de signos)."
/
"Paradoxo: não é por chafurdar na matéria que o animal é uma besta, mas por não ter estabelecido relações suficientemente íntimas com os objetos."

p. 95
"Não é o emprego da língua, mas a variedade e intensidade do uso de signos que distinguem o pensamento do não-pensamento, a língua não sendo mais que um sistema de signos entre outros."
/
"Longe de permitir exprimir "coisas a dizer" prévias e mudas, uma linguagem inédita introduz novas "coisas" a dizer, abrindo um espaço cognitivo desconhecido até então."

p. 97
"A tradução e a materialização de certo aspecto da memória nos textos prepararam uma reificação, uma individuação da imagem da memória humana, doravante separada dos outros componentes do psiquismo. Mnemósine perdeu seu caráter potencial, fluido, coletivo, ritmado e corporal, assim como a indistinção da imaginação e da inteligência que possuía nas sociedades orais."

p. 98
"redefinição de funções cognitivas sob a influência de tecnologias intelectuais de suporte informático".

p. 99
"por sua capacidade de memória, sua potência de cálculo e poder de figuração visual, o computador permite-nos manipular e simular modelos com facilidade muito maior do que se estivéssemos limitados às fracas capacidades de nossa memória a curto prazo. Por isso, a simulação é um auxílio à imaginação."

p. 100
"Por um lado, a ideografia dinâmica traduzirá, semiotizará e reificará os quase-objetos indeterminados da imaginação; por outro, fabricará signos destinados a ser introjetados e retomados pela atividade imaginante de sujeitos e de coletivos."
/
"O leitor manterá no espírito que essa "redução" da imaginação inspira-se em considerações de método e de modo algum constitui uma tomada de posição ontológica."

p. 105
"a imagem não é nem ilustração, nem suporte do pensamento, mas é ela própria pensamento, e por isso compreende um saber, intenções". (Jean-Paul Sartre)

p. 106
"a informática funciona digitalmente, de modo descontínuo, mas permitindo, todavia, representar a informação de modo contínuo para o usuário final, sobretudo no nível de suas interfaces gráficas e sonoras. É necessário distinguir a leitura por autômato (sempre digital) da leitura humana (que pode ser analógica)."

p. 108
"Não podemos formar uma imagem de um triângulo em geral, mas somente de um em particular."
/
"Uma mesma palavra pode evocar uma infinidade de imagens da realidade designada."
/
"Cada indivíduo faz do lugar uma representação esquemática ou imagem diferente. Se os "modelos de lugar" do informante e do viajante perdido divergirem demais, é possível que o viajante não reconheça o lugar."
/
"como meio de formação, é interessante notar que o apelo mnemônico de um modelo ou imagem é em geral mais desimpedido que o de uma proposição."

p. 109 a 110
"Um mapa não é uma imagem realista, mas um modelo analógico de um território, freqüentemente combinado com signos de tipo digital. Reúne certos traços pertinentes para fins particulares, da indicação de um trajeto automobilístico para mapas rodoviários ao estudo do subsolo para os geológicos. O mapa toma-se verdadeira tecnologia intelectual no momento em que, independentemente de sua presença concreta, sua imagem mental é utilizada por um indivíduo para avaliar a distância entre dois pontos de um território ou para estabelecer uma estratégia qualquer. Mesmo quando fisicamente ausente, o mapa tornou-se elemento essencial dos instrumentos mentais de um sujeito cognitivo."

p. 111
"os princípios formais gerais, como a lógica dedutiva, independentemente de contextos particulares, tem muito menor importância para o pensamento compreensivo que, de um lado, a pragmática da comunicação em situação e, de outro, as estruturas de conhecimento específicas, isto é, a representação em forma de modelo mental que alguém faz para si de uma situação ou objeto em função de sua experiência passada."

p. 112
"como a ativação de modelos mentais nos permite raciocinar: a) A partir de premissas (isto é, de dados disponíveis formulados de modo proposicional) e de nossos conhecimentos gerais do campo em questão, construímos um modelo mental, ou seja, uma interpretação de premissas; b) A exploração desse modelo mental permite-nos chegar a uma conclusão provisória; c) Buscamos em seguida, sistematicamente, interpretações de premissas (isto é, de modelos mentais alternativos) que contradiriam essa conclusão. Se a busca for completa, bem-conduzida e sem qualquer registro de contra-exemplo, a conclusão é válida; d) Se encontramos um exemplo que invalide a primeira conclusão, o ciclo recomeça com outra conclusão provisória até encontrarmos uma que não seja desmentida por nenhuma interpretação das premissas, isto é, que seja compatível com simulações de todos os modelos mentais passíveis de ser inferidos a partir de premissas e de nossos conhecimentos.
/
"Dentre todas as razões que impedem os humanos de fazer raciocínios válidos, é preciso destacar particularmente a pequena capacidade de sua memória operacional (ou memória a curto prazo), que os impede de explorar, em grau suficiente e por muito tempo, modelos mentais demasiado complexos e de examinar simultaneamente vários modelos mentais."

p. 113
"Ao utilizar a lógica, não é mais necessário procurar modelos de premissas que forneceriam exemplos que contradigam as primeiras conclusões. Se as premissas são verdadeiras, todas as conclusões que podemos deduzir seguindo as regras da lógica são verdadeiras. Quem raciocina de maneira puramente lógica não tem mais de interpretar premissas. Toda atividade de construção e exploração de modelos mentais que normalmente ocorre durante a atividade espontânea do raciocínio é em princípio substituída pela execução de regras formais sobre proposições: no limite, somos dispensados de "compreender"."
/
"o raciocínio como texto ou mesmo como narrativa."
/
"a lógica é mais freqüentemente utilizada para apresentar uma solução encontrada por outros meios (inspeção e simulação de modelos mentais) do que para resolver efetivamente um problema."

p. 114
"a imagem é uma forma de representação mental econômica, por estarem seus elementos organizados em estruturas fortemente integradas."

p. 114 a 115
"por que utilizar a lógica formal? Muito simplesmente porque a lógica, enquanto tecnologia intelectual, é indissociável da escrita, isto é, de uma extensão material externa à memória operacional. Todo raciocínio lógico formal um pouco longo ou complexo supõe o emprego de signos escritos. Por outro lado, por meio da memória externa fornecida pela escrita, a lógica oferece um modo de raciocínio certo, nem sempre fornecido pelo raciocínio espontâneo que parte da exploração de modelos alternativos de premissas."

p. 116
"a diferença entre um raciocínio formal (cujo universo se reduz ao conjunto de premissas explícitas e ao que delas pode ser deduzido) e um raciocínio espontâneo ou natural que faz com que todos os nossos conhecimentos a respeito da situação evocada pelas premissas explícitas intervenham conduzindo-nos a um domínio de conhecimento muito mais amplo."
/
"A informática permite pensar instrumentos de auxilio ao raciocínio mais próximos do funcionamento cognitivo espontâneo."

p. 118
"Ainda que, após o desenvolvimento de mapas e gráficos no século XVIII, muito tenha sido explorado acerca do papel que a imagem fixa como auxílio ao raciocínio poderia desempenhar, contam-se poucas realizações no domínio da imagem animada, interativa e simbólica. É esse vazio que a ideografia dinâmica vem preencher."

p. 121
"Podemos conhecer a possibilidade de pensar o movimento sem imaginar algo de movente?" (C. S. Peirce)

p. 122
"Desejaria isso na mesma intensidade se dispusesse de meios para consegui-lo?" (C. S. Peirce)
/
"Para responder a uma questão sobre um estado de coisas do mundo real, basta observar. Mas para saber o que se passaria num mundo virtual, somos obrigados a construir um ícone (um quadro ocupado por diagramas-esqueletos) ou um modelo mental do mundo virtual, deixar interagir os elementos do modelo, observando o resultado da simulação."
/
"O raciocínio abdutivo consiste em fazer funcionar um modelo mental do conjunto de urna situação compatível com as partes da situação que podemos observar realmente. Trata-se de reconstruir o conjunto de uma história a partir de fragmentos conhecidos. Baseando-se em pistas, Sherlock Holmes dedica a maior parte de seu tempo a raciocínios abdutivos. A abdução não se dá sem permanente vaivém entre construção e simulação de modelos mentais, de um lado, e observação em verdadeira dimensão, de outro."

p. 122 a 123
"Nossa hipótese é que dedução e indução não são mais que casos particulares ou elementos parciais de uma atividade de raciocínio "completo", definida como construção, simulação e comparação de modelos mentais."

p. 125
"compreender uma proposição é imaginar a que o mundo se assemelharia se ela fosse verdadeira."

p. 126
"Para os antigos gregos, o símbolo era como um fragmento de cerâmica que se encaixaria exatamente num outro fragmento e permitiria identificar partes de um contrato, portadores de mensagens secretas etc. A significação poderia ser pensada a partir dessa metáfora de fragmentos que se juntam (que "simbolizam"), diferentemente da concepção clássica da tradução ou da expressão."

p. 126 a 127
"a escrita só "funciona" mesmo se ativar em nós a leitura, isto é, um conjunto de processos não apenas de decodificação, mas também de associação com uma série indefinida de mensagens, lembranças, hábitos, afetos, multiplicidades intensivas ou qualidades existenciais que formarão "o outro fragmento"."

p. 127
"um texto poético não tem significado no sentido estrito, ou de maneira inteiramente secundária; deve antes de tudo "funcionar", quer dizer, exaltar-nos, acelerar os batimentos de nosso coração ou despertar no mais profundo de nosso ser os ecos carnais da saudade. E aqui não se trata apenas da dimensão artística. Para funcionar, um texto administrativo deve ligar-se a aparatos sociais, cognitivos e outros. É o que o faz adquirir sentido, muito mais que a lista ordenada do que ele denota."

p. 128
"A medida que interpretamos um discurso descritivo, cada palavra, cada frase reduz sucessivamente o número de modelos mentais alternativos compatíveis com o que entendemos ou lemos."

p. 128 a 129
"Quando não compreendemos bem, podemos ainda decorar frases. Mas repetir palavras sem construir um modelo mental do que designam é nada compreender do que escutamos (ou dizemos)."

p. 129
"pensar seria essencialmente "pensar de outro modo", considerar a realidade de outro ângulo, lidar com modelos mentais e eventualmente modificá-los."
/
"Todos esses resultados evidentemente variam segundo os estilos cognitivos dos indivíduos e só refletem tendências estatísticas."

p. 130
"as metáforas, "que representam o caráter representativo de um representamen [de um signo] que representa seu caráter representativo em qualquer outra coisa"." (C. S. Peirce)
/
"A maioria das pessoas necessita de exemplos e metáforas para compreender uma proposição ou conceito abstrato. As definições raramente são suficientes. Pode-se perguntar se algum dia foram tiradas, no plano cognitivo, todas as conseqüências desse fato tão insistentemente observado. Com Lakoff e Johnson, defendemos aqui a hipótese segundo a qual seres humanos só podem verdadeiramente compreender conceitos e proposições abstratas assimilando-os metaforicamente, ou por associação, a experiências concretas, sejam emocionais, físicas, sensório-motoras, espaciais, sociais etc."

p. 131
"Aconselhamos aos que duvidam da possibilidade de representar figurativamente qualquer noção abstrata que se iniciem no jogo do Pictionary. No calor da ação, incitados pela urgência e pela vontade de ganhar, a maioria dos jogadores põe-se a representar em imagens conceitos que normalmente teriam designado como irrepresentáveis."

p. 132
"A linguagem como técnica de projeção de hiperfilmes".
/
"No registro de certa comunicação funcional, a língua será considerada um intermediário entre os modelos mentais do locutor e os do emissor. O tomar a palavra pode ser então definido como tentativa de suscitar a ativação ou modificação de modelos mentais no espírito do outro."

p. 134
"A comunicação perfeita seria telepática, e ainda assim... Poderíamos transmitir pela telepatia, suspenso em uma representação mental, o imenso rizoma que depende da carne e da própria história do sujeito e de seu mundo, o hipertexto indefinido que nutre, propaga e difrata o sentido da mínima representação? Seria preciso que o outro se tornasse si..."

p. 135
"É essencialmente a escrita clássica que nos parece poder ser substituída de maneira parcial, em certas circunstâncias, por uma linguagem à base de imagens interativas. A ideografia dinâmica permitirá exprimir um pensamento complexo o mais próximo possível de um esquematismo espácio-temporal fundamental, sem passar pela mediação da linguagem fonética, sobretudo quando há risco de indução em erro ou falta de precisão."

p. 136
"a ideografia dinâmica será utilizada num contexto de pesquisa, formação, tomada de decisão coletiva, condução de projetos, planificação e "gestão de complexidade" em geral."
/
"toda nova proposição em certo campo de conhecimento equivale a uma mudança de paradigma (de modelo, de repertório de ideogramas) e não à recombinação de elementos do mesmo paradigma."

p. 142
"o idealizador do software é, em relação às atividades de comunicação e conhecimento, o que o arquiteto ou urbanista é para a habitação do espaço físico."

p. 144
"o comportamento do todo não obedece a uma lei global válida em todo o tempo e lugar, mas compõe-se progressivamente a partir do comportamento autônomo das partes e da história sempre singular de suas interações."
/
"É uma abordagem mais prescritiva (menos descritiva e exploratória)".

p. 145
"têm vocação universal, porque representam não apenas um ponto de vista particular, mas um ponto de vista particular sobre o todo."

p. 147 a 148
"Os objetos permitem programação modular, estruturada e reutilizável de uma aplicação a outra. Essa característica se harmoniza perfeitamente com o que hoje se pesquisa nos centros de processamento de dados. Ao desenvolver a ideografia dinâmica, os programadores poderão reempregar à vontade objetos já utilizados num aplicativo particular. Haverá dicionários ou repertórios de objetos independentes de programas ou sistemas particulares, De sua parte, o usuário poderá importar ou encontrar em novas situações objetos que já conhecia, tal como se passa com as palavras ou objetos "reais"; isso representará uma economia cognitiva considerável."

p. 149
"quando queremos transformar uma situação, é raro intervirmos diretamente num parâmetro ou variável da equação que a rege. Em geral, modificamos os estados de um pequeno subconjunto de elementos, na esperança de que essas modificações cheguem aos estados desejados de outro conjunto de elementos. É exatamente o que se passa nas simulações".
/
"Já há muito conhecemos o papel do envolvimento pessoal do estudante no aprendizado. Quanto mais uma pessoa participa ativamente na aquisição de um saber, mais ela integra e internaliza o que aprendeu. Ora, a representação por objetos, porque se presta à simulação, à interação e à simulação da interação, poderia favorecer uma atitude exploratória, verdadeiramente lúdica, diante do material a assimilar. Seria, pois, um instrumento bem adaptado a uma pedagogia ativa."

p. 151
"um canário é um elemento da classe dos pássaros, que pertence à classe dos vertebrados etc. mas um canário pertence também à classe dos emissores de canções ou, em outra ordem de idéias, à classe dos objetos que me fazem pensar em minha avó, que amava pássaros etc. todo objeto se encontra quase sempre no entrecruzamento de muitas taxionomias."

p. 152 a 153
"uma das principais virtudes de tecnologias intelectuais consiste em oferecer ao sistema cognitivo humano memória externa e sistemas de representação próprios para aliviar a tarefa de sua memória a curto prazo e facilitar a concentração de sua atenção nos elementos mais pertinentes de um problema em dado instante."

p. 154
"jamais perderemos de vista seu caráter hipotético."
/
"Um conceito não é o produto de uma máquina indutiva, mas um instrumento construído para resolver um problema."

p. 155
"Num pensamento em movimento, um pensamento que se faz ator e diretor e não mero executante, um pensamento cuja "trupe mental" é capaz de improvisação, o papel do signo ou o conteúdo do conceito, deve poder metamorfosear-se permanentemente."
/
"a ideografia dinâmica só será linguagem viva se os ideogramas não assumirem conceitos no sentido estritamente lógico da palavra, isto é, os conjuntos definidos justamente por propriedades discriminantes. O pensamento por participação, por familiaridade ou por metáfora deve poder apreender ideogramas. Desse ponto de vista, uma de nossas pedras de toque é a possibilidade de jogo".

p. 156
"o savoir-faire efetivo dos especialistas pouco se assemelha às abordagens teóricas ou livrescas de seus âmbitos de competência."

p. 157
"Não organizaremos o campo do conhecimento decupando objetos "substanciais" ou plenos. Cada objeto, pelo contrário, deve sempre poder ser analisado como um sistema de relações entre objetos".

p. 158
"Não somente a existência precede a essência, mas a existência é ela própria precedida pela função no modelo."

p. 162 a 163
"Por que empregar a imagem animada e não a escrita alfabética? // - A imagem é percebida mais rapidamente que o texto. - A memorização da imagem é em geral melhor que a das representações verbais. - A maior parte dos raciocínios espontâneos utilizam a simulação de modelos mentais, freqüentemente imagéticos, muito mais do que cálculos (lógicos) sobre cadeias de caracteres. // Enfim, as representações icônicas são independentes das línguas (sem problemas de tradução)."

p. 164
"Essa dimensão classificatória é fundamental numa perspectiva de aprendizado. Sabemos que os itens a decorar serão mais facilmente memorizáveis se estiverem organizados em redes significantes."

p. 165
"para uma boa apreensão e memorização do conteúdo de complexas configurações informacionais, como textos longos, é indispensável que os sujeitos distingam sua macroestrutura conceitual."

p. 166
"A passagem da imagem ao signo permite concentrar a atenção no essencial e alivia a carga da memória a curto prazo, que é a fonte mais limitada do sistema cognitivo humano."

p. 168
"não apenas representa ou capta o objeto, mas está igualmente a serviço de uma estratégia de encenação."

p. 169
"O que é "conteúdo" em certa escala torna-se "expressão" em outra."
/
"Buscando o conteúdo, encontramos apenas a expressão."

p. 170
"o "significado" ou "conteúdo" não é entidade nem conceito estático, mas processo que se desenvolve de maneira parcialmente indeterminada, num espaço mental hipertextual extremamente complexo."

p. 173
"Certo número de ações parecem difíceis de representar (metafórica ou realisticamente) a não ser com gestos do braço, da mão ou do rosto humanos."

p. 179
"desde o século XVII a ciência é justamente animada pelo ideal de modelar toda a relação entre objetos por interações locais."

p. 181
"Um dos principais interesses da representação sobre suporte informático reside na plasticidade dos modelos, em sua reprodutibilidade mediante pequenas ou grandes variações e na possibilidade de explorar rapidamente vários modelos alternativos do mesmo sistema."

p. 181 a 182
"a ideografia dinâmica não é um sistema enciclopédico universal centralizado, ativado por um pequeno número de criadores. É um conjunto de microdicionários locais, cada qual sendo produzido, constantemente atualizado e reelaborado pelos enunciadores nativos."

p. 182 a 183
"haverá muitos níveis de utilização da ideografia dinâmica. // a) Um modo "exploração", sem modificação de objetos. A esse modo deve corresponder certo tipo de ideogramas-instrumentos que permitam visitar a estrutura interna dos objetos, sua organização taxionômica e sobretudo simular interações entre ideogramas por intermédio de actologias. Nesse nível intervém o "diretor", cujos princípios exporemos no capítulo seguinte. // b) Um modo "transformação", que permite fazer uma nova proposição e modificar o modelo. Nesse nível utilizamos o gerador de ideogramas propriamente dito. // c) Um modo "concepção", que propõe auxilio à criação de redes semânticas, repertórios de ideogramas e cenários".

p. 186
"Durante a fase de experimentação, conviria empregar os dois seguintes dispositivos de observação: // - gravação em vídeo da situação de utilização com duas pessoas, de modo que se possam recolher os comentários por ela trocados no calor da ação; // - gravações do pensamento em voz alta de um usuário.

p. 188
"Poderemos usar a ideografia dinâmica sobretudo para descrever o que ainda não existe, o que poderia ou deveria ser, ou para inventar ou imaginar."

p. 189
"Imaginemos ainda um uso não-representativo da ideografia dinâmica. Certos modelos poderão bastar-se a si próprios porque serão fascinantes ou desconcertantes como sistemas metafísicos, ou emocionantes como poemas."

p. 191
"É claro que não podemos representar numa tela a interação simultânea de todos os objetos de um modelo, a menos que renunciemos à legibilidade. Um mesmo repertório de ideogramas pode dar lugar a muitos "filmes", a muitas actologias, conforme se ressalte o papel deste ou daquele objeto, o de um encadeamento causal mas que o de outro etc."

p. 193
"A imagem operativa é lacônica, deformada; fornece apenas as relações necessárias à ação; acentua os traços pertinentes para o processo em curso e elimina (provisoriamente) da consciência os outros traços."
/
"os operadores constroem para si, minuto a minuto, visões parciais e deformadas do sistema que ocorre em sua ação".

p. 195
"O menor discurso, como o menor fantasma, conta uma micro-história. Seja de modo abstrato, seja figurado, é sempre em última análise uma narrativa com seus atores, seu enredo e seu desenlace, que encena o que, para os humanos, é dotado de sentido'."
/
"a que se assemelharia a vida mental consciente e a subjetividade humana se não pudéssemos "contar histórias". Imagens ou palavras se sucederiam em nosso espírito em forma de listas heterogêneas sem princípio nem fim, no fio de propagações de ativações nas redes associativas de nossa memória a longo prazo, de modo ainda mais desestruturado que o dos sonhos, sem que nenhuma significação pudesse ser retomada ou estabilizada."
/
"todas as formas de ordem dentre as representações referem-se em última instância a narrativas organizadoras."

p. 196
"As narrativas realizam em seu seio uma espécie de arremate recursivo entre os eventos do início e da conclusão, cada qual remetendo ao outro ao longo de um circuito significante virtualmente sem fim (ver as tragédias, em que o desenlace age desde o princípio, os romances policiais em que é preciso ter lido o fim para compreender retrospectivamente o começo, relatos de vida que perpetuamente reinterpretam a origem em função da situação presente etc.)."
/
"O fim do relato ou da "narrativa tradicional", proclamado por muitas correntes estéticas contemporâneas, não remete à transferência do encargo da narrativa ao leitor ou ao espectador?"
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"Mesmo nos filmes ou romances mais vanguardistas e "quentes", buscamos ler uma história ou encadeamento, reconstituir um enredo".
/
"Experiências sobre a memória de filmes mostraram que "ao final só retemos de um filme seu enredo e algumas imagens". O filme é o objeto de uma "leitura longitudinal, precipitada, defasada para a frente e ansiosa pelo que se segue. A seqüência não adiciona planos, ela os suprime.[...] Tudo se passa como se, independentemente do que fazemos, uma espécie de corrente de indução religasse as imagens entre si". (Mertz)

p. 196 a 197
"No momento em que imagens se sucedem, o espírito humano (do espectador ou do diretor) não pode recusar um fio. Talvez ainda mais do que a imagem, a narrativa é um atrator cognitivo, uma das grandes formas dinâmicas constituintes de nossa vida psíquica.

p. 197
"Por que não se apoiar nessas linguagens de atores para considerar novas formas de modelagem e simulação de suporte informático, em que seriam processadas e automatizadas estruturas narrativas e princípios de encenação, de modo que elementos ou situações representadas pudessem facilmente "adquirir sentido" aos olhos do usuário? O emprego dessas estruturas narrativas interativas poderia ser para a informática o que a invenção da perspectiva foi para a pintura ocidental".

p. 198 a 199
"Um campo de conhecimento pode ser representado por uma quantidade indefinida de modelos."

p. 199
"Do mesmo modelo pode ser tirada uma quantidade indefinida de simulações ou de actologias, como pequenos desenhos animados representando a interação de certos objetos do modelo."

p. 201
"os estudos sobre literatura, cinema e teatro são talvez tão importantes para o futuro da informática quanto a psicologia cognitiva ou a lógica matemática."

p. 204
"Um universo é um modelo visto do ângulo de sua ligação com um objeto-ator particular."

p. 205
"Podemos evidentemente imaginar tantos encaixes de universo uns nos outros quanto quisermos (aqui podemos pensar em As mil e uma noites ou no Manuscrit trouvé à Saragosse, de Jan Potocki) e, por exemplo, atribuir um universo à ostra ou à diatomácea."
/
"Cada universo poderia assim se desdobrar em três mundos: um mundo factual, um mundo do possível e um mundo contra contrafactual."

p. 207
"dedicaremos as últimas páginas desta obra a destacar o que diferencia a ideografia dinâmica de outras linhas de pesquisa contemporâneas em informática. Passaremos em revista quatro dentre elas: o hipertexto, a programação por imagens, a inteligência artificial e a síntese de imagens".

p. 207 a 208
"Os conceitos fundamentais do hipertexto (rede associativa de nós de imagens ou textos) estão já presentes na impressão: um dicionário, uma enciclopédia, um cartão com legenda, notas de rodapé são formas de hipertexto. A contribuição da informática é essencialmente a imediatidade da passagem de um nó a outro ("clicar" um "botão"), e a possibilidade, para os usuários, de uma fácil personalização da conectividade do hipertexto em que navegarão. A multimídia interativa estende os princípios de organização do hipertexto à imagem animada e ao som."

p. 208
"A ideografia dinâmica integra os avanços do hiperdocumento (organização em redes, símbolos icônicos desencadeando ações, encaixes de espaços virtuais etc.), mas compreende também as dimensões do modelo mental e da narrativa, cuja ausência tão cruelmente afeta o hipertexto."

p. 211
"As linguagens de programação à base de imagens visam produzir softwares (de gestão, de cálculo científico etc.), em última instância, mensagens destinadas a ser lidas por autômatos. Então, as animações na tela são apenas interfaces de programação, representações transitórias manipuladas pelo programador, que tem em vista outra coisa. Em compensação, a finalidade última da ideografia dinâmica é produzir imagens e animações destinadas a ser lidas e interpretadas por humanos. De um lado, temos novos códigos de programação gráficos; de outro, uma nova linguagem."
/
"A ideografia dinâmica partilha com a inteligência artificial grande número de problemas e objetivos. De início, convém ressaltar que ambos os programas de pesquisa aspiram a simular processos cognitivos. Mas é preciso que de pronto se distinga entre simulação forte e simulação fraca. A ideografia dinâmica adota resolutamente a perspectiva de uma simulação fraca, isto é, a de uma tradução e disposição sígnica negociadas de modelos mentais, sem a pretensão de reproduzir exatamente as operações da inteligência natural."

p. 212
"na ideografia dinâmica, a representação de conhecimentos e a simulação de modelos mentais não acontecem nos circuitos do computador, mas na tela."

p. 212 a 213
"em comum com o conexionismo: o recurso às interações auto-organizadas de entidades autônomas e a insistência na fluidez dos conceitos."

p. 214
"o pensamento comum tem mais afinidades com a percepção e a imaginação do que com a lógica, que só corresponde, como vimos, a certos casos limítrofes de simulação de modelos mentais."
/
"Segundo a corrente de pesquisa dominante em inteligência artificial, os processos cognitivos limitam-se essencialmente a manipulações reguladas de símbolos abstratos. Pensamos, ao contrário, que a categorização, a elaboração de modelos mentais e os raciocínios humanos fazem-se na maior parte do tempo de modos fluídos, analógicos, metafóricos ou metonímicos e utilizam sempre em última instância intuições concretas extraídas da experiência sensório-motora, cinestésica, social e cultural. E, ainda, as características dos modelos mentais não refletem rigidamente, de maneira bijetora, propriedades de objetos do mundo, mas decorrem de decupagens ligadas à experiência, aos projetos, aos pontos de vista de indivíduos vivos empenhados em práticas."

p. 218 a 219
"A ideografia dinâmica seria para a produção de imagens animadas o que a informática musical tem sido para a criação musical. // Apesar das facilidades oferecidas pelo vídeo, a realização de filmes requer ainda grandes investimentos financeiros e materiais (cenários, externas...), assim como a colaboração de equipes numerosas (atores, iluminadores...). A constituição de bancos de objetos-atores de alta qualidade visual e sua edição poderiam transformar radicalmente os dados do problema da criação de imagens animadas. Graças à possibilidade de consultar megadicionáríos de ideogramas (editados em discos ópticos ou disponibilizados pela futura rede digital para integração de serviços em banda larga), poderíamos selecionar atores do mesmo modo como escolhemos palavras, modular suas características com o auxílio do gerador de ideogramas e fazê-los atuar em "filmes" interativos".

p. 219
"A enciclopédia do século XXI talvez se apresente sob a forma de groupware, de um correio "inteligente" e estruturado, disponível em rede digital, apresentando a concorrência argumentada (pontos de vista dos atores sociais, disciplinas, organizações profissionais) de modelos ideográficos em perpétua transformação, acompanhados de textos e imagens gravadas. // A ideografia dinâmica poderá tornar-se então uma imensa reserva de imagens interativas, de atores e modelos, reutilizáveis e adaptáveis por cada um em função de seus projetos e podendo entrar na composição de uma infinidade de mensagens em forma de seqüências animadas."

 

Por Eduardo Loureiro Jr.

Outubro de 2000

http://www.patio.com.br/labirinto