LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999. 264 p. (Coleção TRANS)

Convenções:
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[...] supressão de palavras ou frases para reduzir a citação sem perder o sentido
[ ] outros comentários ou definições do anotador das citações

[digitalizar = diferenciar = bifurcar = salvar como = simular]
[dia e noite, sol e lua, vida e morte...]
[minha própria leitura de Lévy é bifurcativa, procurando o dissenso]

p. 13
"Os contatos transversais entre os indivíduos proliferam de forma anárquica."

p. 15
"a cibercultura expressa o surgimento de um novo universal, diferente das formas culturais que vieram antes dele no sentido de que ele se constrói sobre a indeterminação de um sentido global qualquer."
/
"A nova universalidade não depende mais da auto-suficiência dos textos, de uma fixação e de uma independência das significações. Ela se constrói e se estende por meio da interconexão das mensagens entre si, por meio de sua vinculação permanente com as comunidades virtuais em criação, que lhe dão sentidos variados em uma renovação permanente."

p. 17-18
"Esforcei-me para dar definições bastante claras, pois ainda que este domínio seja cada vez mais conhecido pelo grande público, muitas vezes isso ocorre de modo fragmentado, sem a precisão e a clareza que são indispensáveis à compreensão das grandes questões." [Não!]

p. 24
"Esses projetos heterogêneos diversas vezes entram em conflito uns com os outros, mas com maior freqüência alimentam-se e reforçam-se mutuamente."

p. 25
"Não há uma "causa" identificável para um estado de fato social ou cultural, mas sim um conjunto infinitamente complexo e parcialmente indeterminado de processos em interação que se auto-sustentam ou se inibem."
/
"muitas possibilidades são abertas, e nem todas serão aproveitadas."

p. 26
"Não se trata de avaliar seus "impactos", mas de situar as irreversibilidades às quais um de seus usos nos levaria, de formular os projetos que explorariam as virtualidades que ela transporta e de decidir o que fazer dela." [A digitalização não permitiria uma reversibilidade infinita?]
/
"Muitas vezes, enquanto discutimos sobre os possíveis usos de uma dada tecnologia, algumas formas de usar já se impuseram. Antes de nossa conscientização, a dinâmica coletiva escavou seus atratores. Quando finalmente prestamos atenção, é demasiado tarde..."

p. 30
"a inteligência coletiva que favorece a cibercultura é ao mesmo tempo um veneno para aqueles que dela não participam (e ninguém pode participar completamente dela, de tão vasta e multiforme que é) e um remédio para aqueles que mergulham em seus turbilhões e conseguem controlar a própria deriva no meio de suas correntes." [Quem não se perde está perdido.]

p. 34
"Os suportes de gravação e leitura automáticas de informações são geralmente chamados de "memória"." [Memória de tudo = Reversibilidade garantida]

p. 39
""Para subir, inspire. Para descer, expire." O deslocamento através da respiração foi descoberto por Char Davies através do mergulho submarino."

p. 47
"É virtual toda entidade "desterritorializada", capaz de gerar diversas manifestações concretas em diferentes momentos e locais determinados, sem contudo estar ela mesma presa a um lugar ou tempo em particular."

p. 48
"O virtual é uma fonte indefinida de atualizações."

p. 50
"Digitalizar uma informação consiste em traduzi-la em números."
/
"não importa qual é o tipo de informação ou de mensagem: se pode ser explicitada ou medida, pode ser traduzida digitalmente."

p. 51
"Ora, todos os números podem ser expressos em linguagem binária, sob forma de 0 e 1. Portanto, no limite, todas as informações podem ser representadas por esse sistema."
/
"A informação analógica é, portanto, representada por uma seqüência contínua de valores. Por outro lado, a informação digital usa apenas dois valores, nitidamente diferenciados, o que torna a reconstituição da informação danificada mais simples." [Comparar o digital à encruzilhada.]
/
"representantes físicos dos 0 e 1: apagamento, substituição, separação, ordenação, desvio para determinado endereço de gravação ou canal de transmissão."

p. 52
"A informação digitalizada pode ser processada automaticamente, com um grau de precisão quase absoluto, muito rapidamente e em grande escala quantitativa. Nenhum outro processo a não ser o processamento digital reúne, ao mesmo tempo, essas quatro qualidades."

p. 54
"Mais fluida, mais volátil, a gravação digital ocupa uma posição muito particular na sucessão das imagens, anterior a sua manifestação visível, não irreal nem imaterial, mas virtual."
/
"Não apenas a imagem digitalizada pode ser modificada com mais facilidade, mas sobretudo pode tornar-se visível de acordo com outras modalidades que não a reprodução em massa."

p. 56
"Em relação às técnicas anteriores de ajuda à leitura, a digitalização introduz uma pequena revolução copernicana: não é mais o navegador que segue os instrumentos de leitura e se desloca fisicamente no hipertexto, virando as páginas, deslocando volumes pesados, percorrendo a biblioteca. Agora é um texto móvel, caleidoscópico, que apresenta suas facetas, gira, dobra-se e desdobra-se à vontade frente ao leitor." [Ser percorrido pelo labirinto ao invés de percorrê-lo]

p. 57
"Se definirmos um hipertexto como um espaço de percurso para leituras possíveis, um texto aparece como uma leitura particular de um hipertexto. O navegador participa, portanto, da redação do texto que lê. Tudo se dá como se o autor de um hipertexto constituísse uma matriz de textos potenciais, o papel dos navegantes sendo o de realizar alguns desses textos colocando em jogo, cada qual à sua maneira, a combinatória entre os nós."

p. 59
"Floria Roetzer, que explica como os videogames estão em sintonia com as novas competências cognitivas necessárias para as novas formas de trabalho: velocidade, capacidade de manipulação de modelos complexos, descoberta de regras não-explícitas por meio de exploração etc."

p. 60
"Para que os exploradores não andem em círculos, os links já seguidos não são exibidos novamente na mesma sessão de consulta." [Por que não andar em círculos?]
/
"O digital é o meio das metamorfoses."

p. 62
"A informação em fluxo designa dados em estado contínuo de modificação, dispersos entre memórias e canais interconectados que podem ser percorridos, filtrados e apresentados ao cibernauta de acordo com suas instruções, graças a programas de auxílio à navegação."

p. 67
"Tais simulações podem servir para testar fenômenos ou situações em todas suas variações imagináveis, para pensar no conjunto de conseqüências e de implicações de uma hipótese, para conhecer melhor objetos ou sistemas complexos ou ainda para explorar universos fictícios de forma lúdica." [simulação = bifurcação da ação]

p. 68
"Você se encontra imerso em um universo virtual fechado sobre si mesmo, que o envolve à medida que você o cria. Atrás de você não há nada. Mas basta virar-se para fazer com que uma imagem seja exibida e reconstituir um mundo contínuo."

p. 70
"Talmude: "Deus é a sombra do homem"."

p. 72
"O explorador de um mundo virtual (não necessariamente "realista") deve poder controlar seu acesso a um imenso banco de dados de acordo com princípios e reflexos mentais análogos aos que o fazem controlar o acesso a seu ambiente físico imediato." [Ou esse controle é ilusório e essa é a chance de livrar-se dele?]

p. 75
"Se fosse preciso imprimir (atualizar previamente) todas as situações, todos os raciocínios e todas as respostas, teríamos um documento de milhões ou bilhões de páginas, impossível de usar. É o caráter virtual do sistema especializado que o torna um instrumento mais avançado do que o simples manual em papel. Suas respostas, em quantidades praticamente infinitas, preexistem apenas virtualmente. Elas são calculadas e atualizadas no contexto." [labirinto como atitude, não como arquitetura]

p. 78
"o anel de Moebius, passagem contínua e insensível de uma ordem de realidade a outra: do signo à coisa, depois da coisa ao signo, da imagem ao caractere, depois do caractere à imagem, da leitura à escrita, depois da escrita à leitura." [bifurcação não como polarização]

p. 80
"a possibilidade de interromper uma seqüência de informações e de reorientar com precisão o fluxo informacional em tempo real".
/
"uma matriz de informações, um modelo capaz de gerar uma quantidade quase infinita de "partidas" ou de percursos diferentes (mas todos coerentes)." [Por que previamente coerentes?"

p. 85
"O melhor guia para a Web é a própria Web. Ainda que seja preciso ter paciência de explorá-la. Ainda que seja preciso arriscar-se a ficar perdido, aceitar a "perda de tempo" para familiarizar-se com esta terra estranha. Talvez seja preciso ceder por um instante a seu aspecto lúdico para descobrir, no desvio de um link ou de um motor de pesquisa, os sites que mais se aproximam de nossos interesses profissionais ou de nossas paixões e que poderão, portanto, alimentar da melhor maneira possível nossa jornada pessoal." [o labirinto ensina o labirinto]
/
"duas grandes atitudes de navegação opostas, cada navegação real ilustrando geralmente uma mistura das duas. A primeira é a "caçada". Procuramos uma informação precisa, que desejamos obter o mais rapidamente possível. A segunda é a "pilhagem". Vagamente interessados por um assunto, mas prontos a nos desviar a qualquer instante de acordo com o clima do memória, não sabendo exatamente o que procuramos, mas acabando sempre por encontrar alguma coisa". [formas de percurso: com e sem o minotauro]

p. 91
"Nagarjuna (o grande filósofo budista do "caminho do meio")." [Qual a posição do caminho do meio em relação à encruzilhada?]

p. 111
"Um universo indeterminado e que tende a manter sua indeterminação, pois cada novo nó da rede de redes em expansão constante pode tornar-se produtor ou emissor de novas informações, imprevisíveis, e reorganizar uma parte da conectividade global por sua própria conta." [labirinto vivo, que se reproduz]
/
"O ciberespaço se constrói em sistema de sistemas, mas, por esse mesmo fato, é também o sistema do caos. Encarnação máxima da transparência técnica, acolhe, por seu crescimento incontido, todas as opacidades de sentido. Desenha e redesenha várias vezes a figura de um labirinto móvel, em expansão, sem plano possível, universal, um labirinto com o qual o próprio Dédalo não teria sonhado. Essa universalidade desprovida de significado central, esse sistema de desordem, essa transparência labiríntica, chamo-a de "universal sem totalidade". Constitui a essência paradoxal da cibercultura."

p. 117
"a totalização, ou seja, o fechamento semântico, a unidade da razão, a redução ao denominador comum etc." [anti-bifurcação]

p. 120
"Cada conexão suplementar acrescenta ainda mais heterogeneidade, novas fontes de informação, novas linhas de fuga, a tal ponto que o sentido global encontra-se cada vez menos perceptível, cada vez mais difícil de circunscrever, de fechar, de dominar. Esse universal dá acesso a um gozo do mundial, à inteligência coletiva enquanto ato da espécie. Faz com que participemos mais intensamente da humanidade viva, mas sem que isso seja contraditório, ao contrário, com a multiplicação das singularidades e a ascensão da desordem."

p. 123
"O desejo é motor. As formas econômicas e institucionais dão forma ao desejo, o canalizam, o refinam e, inevitavelmente, o desviam ou transformam." [Ou seja, impedem a bifurcação contínua, ou o contínuo que só conseguimos ver afinando-o, criando linhas, bifurcações.]

p. 127
"verdadeiros produtores inventam — muitas vezes de forma deliberada — uma civilização frágil, ameaçada".
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"a tendência à interconexão provoca uma mutação na física da comunicação: passamos das noções de canal e de rede a uma sensação de espaço envolvente. Os veículos de informação não estariam mais no espaço, mas, por meio de uma espécie de reviravolta topológica, todo o espaço se tornaria um canal interativo. A cibercultura aponta para uma civilização da telepresença generalizada." [o deserto-labirinto de Borges]

p. 132
"não converge sobre um conteúdo particular, mas sobre uma forma de comunicação não midiática, interativa, comunitária, transversal, rizomática."
/
"dois "valores" essenciais: a autonomia e a abertura para a alteridade."

p. 136
"registro de vestígios de interação ou de percurso que terminam constituindo a obra". [rastros ao invés de paredes]
/
"alguns dispositivos não se contentam em declinar uma combinatória, mas suscitam, ao longo das interações, a emergência de formas absolutamente imprevisíveis."

p. 140
"a escrita condiciona uma evolução histórica, na qual cada inovação se destaca nitidamente das formas precedentes." [bifurcação também?]

p. 147
"uma topologia paradoxal, entrelaçando o interior e o exterior."
/
"São "obras abertas", não apenas porque admitem uma multiplicidade de interpretações, mas sobretudo porque são fisicamente acolhedoras para a imersão ativa de um explorador e materialmente interpenetradas nas outras obras da rede."

p. 150
"a simulação sucede a semelhança."

p. 155
"A essência das grandes rupturas ou dos verdadeiros "progressos" não é [...] retornar paradoxalmente ao começo?" [defesa do círculo]

p. 158
"O que é preciso aprender não pode mais ser planejado nem precisamente definido com antecedência. Os percursos e perfis de competências são todos singulares e podem cada vez menos ser canalizados em programas ou cursos válidos para todos. Devemos construir novos modelos do espaço dos conhecimentos. No lugar de uma representação em escalas lineares e paralelas, em pirâmides estruturadas em "níveis", organizadas pela noção de pré-requisitos e convergindo para saberes "superiores", a partir de agora devemos preferir a imagem de espaços de conhecimentos emergentes, abertos, contínuos, em fluxo, não lineares, se reorganizando de acordo com os objetivos ou os contextos, nos quais cada um ocupa uma posição singular e evolutiva."

p. 160
"A página da Web é um elemento, uma parte do corpus intangível composto pelo conjunto dos documentos da World Wide Web. Mas pelos links que lança em direção ao restante da rede, pelos cruzamentos ou bifurcações que propõe, constitui também uma seleção organizador, uma gente estruturador, uma filtragem desse corpus. Cada elemento dessa pelota que não pode ser circunscrita é ao mesmo tempo um pacote de informações e um instrumento de navegação, uma parte do estoque e um ponto de vista original sobre esse mesmo estoque." [a bifurcação como uma briga de sentido?]

p. 161
"A emergência do ciberespaço não significa de forma alguma que "tudo" pode enfim ser acessado, mas antes que o Todo está definitivamente fora de alcance." [O labirinto não tem fim. O minotauro pode ser inacessível.]
/
"As metáforas centrais da relação com o saber são hoje, portanto, a navegação e o surfe, que implicam uma capacidade de enfrentar as ondas, os redemoinhos, as correntes e os ventos contrários em uma extensão plana, sem fronteiras e em constante mudança. Em contrapartida, as velhas metáforas da pirâmide (escalar a pirâmide do saber), da escala ou do cursus (já totalmente traçado) trazem o cheiro das hierarquias imóveis de antigamente."

p. 166
"A eficiência, a fecundidade heurística, a potência de mutação e de bifurcação, a pertinência temporal e contextual dos modelos suplantam os antigos critérios de objetividade e de universalidade abstrata. Mas reencontramos uma forma de universalidade mais concreta com as capacidades de conexão, o respeito a padrões ou formatos, a compatibilidade ou interoperabilidade planetária."

p. 169
"Os indivíduos toleram cada vez menos seguir cursos uniformes ou rígidos que não correspondem a suas necessidades reais e à especificidade de seu trajeto de vida. Uma resposta ao crescimento da demanda com uma simples massificação da oferta seria uma resposta "industrialista" ao modo antigo, inadaptada à flexibilidade e à diversidade necessárias de agora em diante."

p. 209
"esse novo espaço de comunicação é suficientemente vasto e tolerante para que projetos que apreçam ser mutuamente exclusivos sejam executados simultaneamente ou mostrem-se também complementares."

p. 218
"Cada bifurcação nas técnicas da imagem permite o desenvolvimento de potencialidades já presentes nas antigas artes virtuais." [bifurcação como refinamento, zoom]
/
"Trata-se, portanto, de uma continuidade de crescimento ou de aprofundamento, ao mesmo tempo que um processo de emergência e abertura radical." [bifurcação]
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"Contribui também para a criação de novos planos de existência. Complexifica a estratificação dos espaços estéticos, práticos e sociais. O que não significa, contudo, que não provoque desaparecimentos."
/
"Como limitar o sofrimento? Acompanhando lucidamente a transformação ou, melhor, participando do movimento, envolvendo-se em um processo de aprendizagem, aproveitando as oportunidades de crescimento e desenvolvimento humanos."

p. 226
"Sabemos também que a estrutura descentralizada da rede foi pensada para resistir da melhor forma possível aos ataques nucleares do inimigo. Mas essa mesma estrutura descentralizada serve hoje para um funcionamento cooperativo e descentralizado. Portanto, paradoxalmente, talvez a Internet não seja "anarquista" apesar de sua origem militar, mas devido a essa origem."

p. 227
"O crescimento da cibercultura é alimentado por uma dialética da utopia e dos negócios, na qual cada um joga com o outro sem que haja, até o momento, um perdedor." [Teseu e o Minotauro?]

p. 235
"se os processos sócio-históricos são fundamentalmente abertos, indeterminados, se não param de se repensar e reinventar constantemente, nenhuma solução verbal, nenhuma resposta teórica jamais poderá resolvê-los."

p. 237
"Cada novo sistema de comunicação fabrica seus excluídos. Não havia iletrados antes da invenção da escrita." [a bifurcação dá novo sentido ao antigo caminho único]

p. 241
"O ciberespaço contém, de fato, aquilo que as pessoas nele colocam. A manutenção da diversidade cultural depende principalmente da capacidade de iniciativa de cada um de nós". [não há bifurcação sem bifurcadores]

p. 249
"Única em seu gênero no reino animal, a humanidade reúne toda sua espécie em uma única sociedade. Mas, ao mesmo tempo, e paradoxalmente, a unidade do sentido se quebra, talvez porque ela comece a se realizar na prática, pelo contato e interação efetivos. Conectadas ao universo, as comunidades virtuais constroem e dissolvem constantemente suas micrototalidades dinâmicas, emergentes, imersas".

Elaborado por Eduardo Loureiro Jr. em janeiro de 2001

http://www.patio.com.br/labirinto