UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA

DISCIPLINA: Computadores, Aprendizagem Escolar e Desenvolvimento Cognitivo.

PROFESSORES: Ana Karina Morais de Lira e José Aires de Castro Filho

DOUTORANDO: Eduardo Loureiro Jr.

 

Dédalos, Computadores e Aprendizagens

 

Este texto tem uma história que deve ser contada, mas que não merece ser lida. São instruções de leitura que podem ser saltadas se o leitor preferir a aventura a um trajeto seguro. Deixo ao leitor a escolha sobre se centralizar ou não.

 

O texto que ainda não começou tem três camadas.

 

A primeira camada, numerada (1, 2, 3, 4 e 5), traz o planejamento para o texto inteiro[1]. Traz o que seria o texto se fosse como eu o havia imaginado antes de começar. Foi entregue aos professores em 18/04/2001.

 

A segunda camada, justificada à direita e à esquerda, traz o primeiro desenvolvimento do texto, o primeiro parto, o filho que mesmo não sendo o que havíamos imaginado ainda é o único filho que temos[2]. Contém inúmeros trechos de e-mails trocados na lista de discussão da disciplina, devidamente indentados à esquerda. Foi entregue aos professores em 16/05/2001.

 

A terceira camada, em notas de rodapé, traz uma dança, uma coreografia, entre eu e Ana Karina Morais de Lira, que comentou detalhadamente a segunda camada com uma caneta vermelha da cor que eu gosto. Coloquei em itálico as observações de Karina, observando-as eu mesmo em seguida, logo após uma barra (/). Está sendo entregue em 27/06/2001.

 

As três camadas simultâneas dificultam a leitura linear do texto e convidam o leitor a criar seu próprio mecanismo de leitura.

 

O resto da história não merece nem mesmo ser contado.

 

  1. Introdução. Será abordada a relevância da relação computadores/aprendizagem, seja pela progressiva presença nas escolas de tais equipamentos, seja pelo contato extra-escolar dos alunos com computadores e objetos assemelhados. A partir de uma citação de Lepper e Gurtner ("O mundo das crianças e dos computadores é um mundo de controvérsias e paradoxos"), introduziremos o labirinto como uma imagem que nos permita pensar esta relação em termos controversos e paradoxais.

 

Hoje todo mundo tem um PC, que quer dizer Personal Computer. Dizer isso é uma brincadeira de mau gosto[3]:

 

Se fosse possível resumir a população do mundo a uma vila de 100 pessoas, mantendo a proporção do povo existente agora na Terra, essa vila teria 57 Asiáticos, 21 Europeus, 14 Americanos (Norte, Centro e Sul) e oito Africanos. Seriam 52 mulheres, 48 homens, 70 não-brancos, 30 brancos, 70 não-cristãos e 30 cristãos. A vila seria habitada por 89 heterossexuais e 11 homossexuais. Infelizmente, só seis pessoas deteriam 59% da riqueza de todo o mundo e as seis seriam dos EUA. Oitenta viveriam em casas inabitáveis, 70 seriam analfabetas, 50 sofreriam de desnutrição, uma estaria para morrer, uma estaria para nascer. Só uma teria computador - uma (sim, apenas uma!) teria formação universitária. (Castro, 2001)

 

Pois minha primeira máquina era um CP[4], Computador Pessoal, ainda nos tempos da reserva de mercado da Informática no Brasil, ali por volta de 1980.

 

Meu CP-200, fabricado pela Prológica, não era mais do que um teclado. O monitor era uma televisão comum, e os programas estavam gravados em cassetes que tocavam num gravadorzinho de mão.

 

Com 10 ou 12 anos de idade, eu tentava aprender a linguagem de programação BASIC e, claro, jogava um bocado. O primeiro jogo de que me lembro se chamava Rex. Era um jogo em 3D que simulava um labirinto. Dentro do labirinto, devíamos evitar ser mortos por um dinossauro, o Rex.

 

É interessante e surpreendente notar que numa área, a Informática, em que tudo muda tão rapidamente, grande parte dos jogos, e os preferidos pelos jovens, continuem sendo de aventuras em labirintos[5] 3D, como a 20 anos atrás.

 

Borges (1998) diria: “Um labirinto é uma casa edificada para confundir os homens; sua arquitetura, pródiga em simetrias, está subordinada a esse fim” (p. 598).

 

Quando Lepper e Gurtner (apud De Corte, 1992) dizem que “O mundo das crianças e dos computadores é um mundo de controvérsias e paradoxos” (p. 89), é inevitável acrescentar: o mundo das crianças e dos computadores é um labirinto[6].

 

  1. Dédalos. Na primeira parte do trabalho, apresentaremos as variantes de labirintos (dédalos) possíveis, bem como caracterizaremos o personagem Dédalo como artista, artífice e professor. As variantes de labirintos servirão como possibilidades de ambientes de aprendizado e as características de Dédalo como alternativas de mediação do processo de aprendizagem.

 

Quando se fala em Dédalo, vem logo à mente o inventor. Mas dédalo é também um sinônimo para labirinto. E se a obra arquitetônica labiríntica foi feita para confundir, o mesmo se pode dizer do conceito, da palavra labirinto, que está associada a múltiplas formas, percursos e significados:

 

Existem várias formas de labirinto: os intencionalmente construídos como tal, podendo ser com ou sem centro, com encruzilhadas e corredores ou unicursal, plano ou em andares; ou os espaços associados posteriormente a ele, como cidades, cavernas, castelos, desertos, pensamentos, o mundo...

 

Há diferentes maneiras de percorrer um labirinto: buscando o centro, um objetivo pré-determinado, ou explorando o espaço em busca de novas descobertas; como experiência infinita ou com retorno; procurando conhecer cada ponto ou se perdendo e se entregando ao imprevisível.

 

Significados diversos são atribuídos à experiência do labirinto: a diferença entre o olhar de fora, do arquiteto, com seu trabalho de construção, e aquele do viajante sem mapa. E, entre os viajantes, aquele que se sente perdido, o curioso que explora, o que tem o labirinto como casa, como prisão, como castigo, como algo a ser superado ou como tudo que está escondido... (Loureiro, Havt, Santos e Barguil, 2001)

 

Se as crianças e jovens gostam de percorrer labirintos[7], os espaços de aprendizagem[8] que lhes são oferecidos deveriam ser de formas variadas, admitindo inúmeros percursos e possibilitando múltiplos significados.

 

Já o personagem Dédalo, da mitologia grega, também se bifurcava: era inventor, artista, artífice e professor.

 

A Dédalo é atribuída a invenção do alicate e da serra. Era também conhecido por sua habilidade na pintura de afrescos e, principalmente, na modelagem de esculturas. Possuía também uma oficina, onde fazia trabalhos artesanais por solicitação. E ensinava, pois na antiga tradição as pessoas aprendiam seu ofício diretamente no processo de trabalho, ajudando um mestre.

 

Dédalo, a pedido de Minos, arquitetou o labirinto para aprisionar o Minotauro, fruto da traição de Pasífae, mulher de Minos, com um touro. Depois, quando Minos descobriu que ele, Dédalo, é que havia propiciado o acasalamento de Pasífae com o touro, e que havia indicado o fio salvador de Teseu a Ariadne, o arquiteto foi aprisionado junto com seu filho, Ícaro, dentro de sua própria criação.

 

Dédalo tinha em mente todo o mapa do labirinto, todas as linhas em sua cabeça, e, no entanto, não podia sair usando um fio ou um plano de ação horizontal: sair do labirinto não era o bastante, sua vida corria perigo na inteira ilha de Creta, seu labirinto ampliado.

 

Mesmo seu gênio tendo criado uma saída através da confecção de asas para sair do labirinto, o destino mais uma vez enganaria Dédalo, com o sol derretendo a cera das asas de Ícaro e matando seu filho afogado, em alto-mar.

 

Bem antes do labirinto, a obra de Dédalo já funcionava como um espelho, só que ao invés do lago em que Narciso se mirava, a reflexão de Dédalo não provocava amor e encantamento, mas raiva e violência. Dédalo parecia causar incômodo, mesmo não intencionalmente. Ménard (1991) conta que Dédalo

 

estava intimamente ligado a Hércules, e para ser-lhe agradável, lhe modelou a imagem, e colocou-a sobre o caminho que Hércules seguia habitualmente, quando ia combater os monstros. Exprimira tão bem a força do herói, e a estátua parecia de tal modo viva que Hércules, julgando estar lidando com um inimigo digno dele, pegou enorme bloco de pedra, e atirou-o contra a estátua que ficou pulverizada. (p. 165)

 

Dédalo não era sempre apenas não intencionalmente ofensivo. Sua mudança para Creta se deve ao suposto assassinato do próprio sobrinho, "filho de sua irmã Pérdix, ao qual ensinou os seus segredos, e que, por sua vez, inventou a serra e a roda do oleiro. Dédalo matou-o por ciúme e foi obrigado a deixar Atenas”. (Ménard, 1991: 161)

 

Dédalo aparece no papel de professor, e o resultado é um fracasso: Dédalo se mostra incapaz de reconhecer o mérito de seu aluno. E se o assassinato tiver sido justo? Se Dédalo estivesse revidando uma tentativa de "roubo de patente", ou coisa do tipo? Dédalo ainda assim teria fracassado, pois não teria ensinado a habilidade de inventar, mas cultivado a inveja da invenção. De qualquer forma, não há maiores evidências da sua relação com o sobrinho.

 

Outra circunstância em que Dédalo ensina alguma coisa é quando orienta Ícaro sobre o uso das asas: "Cuida, meu filho, de voar sempre no meio dos ares; se desceres muito, a umidade da água tornará muito mais pesadas as tuas asas; se te ergueres demais, o calor do sol as queimará; mantém-te, por conseguinte, no justo meio entre os dois extremos" (Ménard, 1991: 162)

 

A tomar como certa esta versão do mito, teríamos uma indicação da pedagogia de Dédalo. Sua orientação a Ícaro talvez seja uma projeção de seu próprio relacionamento com o "meio ambiente". Teria Dédalo seguido o caminho do meio, o justo meio entre os dois extremos, no trato com Minos, Pasífae e Ariadne? Seria Dédalo não um revolucionário eloqüente, mas um diplomata habilidoso? Ou seria justamente o contrário: por ter sempre seguido o acaso, Dédalo desejava equilíbrio para seu filho que, seguindo o padrão paterno, acabou indo alto demais e morrendo?

 

De um jeito ou de outro, existe um paradoxo, uma ironia, um erro entre os papéis de inventor e de professor. O inventor não mede limites, vai até onde sua imaginação alcança. O professor adota a punição com o sobrinho ou o bom senso / senso comum com o filho. É como se o erro precedesse a invenção: a tentativa de Minos enganar Netuno leva Dédalo a construir o touro de madeira; o nascimento do Minotauro ao invés de um homem leva Dédalo a construir o labirinto; a prisão leva à criação das asas. É como se o erro sucedesse à pedagogia: Dédalo mata seu discípulo artesão; Dédalo é preso quando se descobre que ele ensinou Pasífae a amar o touro e Ariadne a usar o fio; Ícaro morre depois que a instrução de Dédalo aguça sua curiosidade (afirmando que a altura não era desejável, Dédalo deixou claro que ela era possível).

 

Mas quanto à relação de Dédalo com a Educação, há controvérsias[9].

 

Será a escola o "labirinto" e nós seremos Dédalo, que o projetamos e construímos? E as crianças o tributo (cuja carne humana alimentava o monstro)? E o pior, sem que apareça uma Ariadne (a salvação da escola) com espada e novelo de linha (com seu amor), ou um Teseu (com sua coragem) que permita matar o Minotauro (metade homem, metade fera)  da ignorância? Ou da pouca aprendizagem? (Suzana Maria Capelo Borges in Capedec: mensagem 3)

 

Personificando o personagem, Dédalo é realmente o construtor, mas em vários sentidos: o técnico (aquele que põe a mão na massa, o definidor de currículos), o arquiteto ou engenheiro (aquele que concebe a estrutura, o legislador), o filósofo (aquele que define os princípios éticos e os objetivos sociais). Dédalo não tem presença na escola, normalmente está em outro ambiente. (Eduardo Loureiro Jr. in Capedec: mensagem 8)

 

Dédalo é o professor, aquele que é capaz de inventar mil e uma coisas, conforme determinações superiores. O labirinto (a escola) não lhe causa medo, pois conhece o segredo de cada uma daquelas paredes. Não tem pena, tampouco, dos jovens que nele entram e não saem, afinal ele está apenas cumprindo ordens. O que poderia ele mesmo fazer? O melhor é não se envolver com nada disso. Acredita que a sua produção é, induvidosamente, neutra. Não lhe compete definir que rumos vão ser dados às suas criações... (Paulo Meireles Barguil in Capedec: mensagem 17)

 

Funcionalizando o personagem, que pode ser assumido por múltiplas pessoas em diferentes momentos do cotidiano,

 

Dédalo seria a capacidade de estar além do labirinto, de conhecer seu mapa mental, de saber uma saída (o fio) e de inventar outras saídas (o vôo com Ícaro). Seríamos dédalos sempre que pensássemos não na realidade estrita das escolas, mas na estrutura da sociedade de uma maneira mais ampla, pensando antes em Educação do que em Escolarização. (Eduardo Loureiro Jr. in Capedec: mensagem 8)

 

Dédalo seria o gênio criador que inspira a todos embora possa, com isso, criar uma distância entre aquele que sabe e aquele que usufrui do conhecimento dele, porque saber tanto quanto nem pensar. Mas isso é a imagem que ele passa, porque ele mesmo está descolado de todos esses juízos. Dédalo é o autodidata. Bem centrado, segue criando e nem se dá conta dessa distância que as pessoas podem criar com o gênio. Somos Dédalo quando seguimos nosso impulso criador. (Andréa Havt in Labirinto: mensagem 283)

 

Atribuindo ao personagem um tipo de busca de aprendizado,

 

Dédalo representaria o aprendizado do todo. Alunos, educandos, pessoas com módulos dédalo ativados em determinado momento teriam mais facilidade em lidar com grandes questões ao invés de detalhes, pensariam mais no espírito das leis do que na rigidez das normas, se preocupariam com o futuro e o passado distantes ao invés de com o presente imediato... (Eduardo Loureiro Jr. in Capedec: mensagem 8)

 

A Educação que desejamos talvez esteja num processo constante de criação compartilhada com o acaso, sem paradas para instrução. Mais do que controlar o ambiente, seria necessário aprender o movimento do ambiente não como quem o observa de fora, mas como quem o inventa de dentro.

 

Se as crianças e jovens gostam de encarnar personagens[10], o papel dos adultos[11] talvez pudesse se concentrar, à moda de Dédalo, na oferta de objetos e em orientações simples de como utilizá-los, sempre que consultados.

 

  1. Computadores. Na segunda parte do trabalho, trataremos das mudanças que o computador e as redes de computadores trouxeram para o cotidiano daqueles que lidam com o conhecimento e a educação. A idéia é explorar a relação entre computadores, consciência e desenvolvimento cognitivo[12], além de comparar e avaliar a forma como os computadores são usados por adultos e crianças.

 

O acontecimento que divide a história da pré-história é a invenção da escrita. O nascimento de Cristo divide a cronologia da civilização ocidental[13]. Desde 1994 d.C. vivemos também d.I. (depois da Internet[14]), e tudo o que ficou para trás talvez seja pré-virtual, pré-conectado ou pré-interativo.

 

Assim como o raciocínio está representado não pelos neurônios, mas pelas sinapses (conexões entre neurônios) o grande achado de nossa época não é o computador, mas as ligações entre os computadores, a rede, as redes que se criam e multiplicam como coelhos. WWW (World Wide Web) ou TTT (Teia do Tamanho da Terra).

 

Talvez pela primeira vez na história tenhamos uma metáfora ambulante do nosso mecanismo de conhecimento. Temos máquinas que ilustram a maneira como nós pensamos[15]. Fazemos as máquinas à nossa imagem e semelhança, consciente e inconscientemente. Como os computadores e a rede ampliam, multiplicam com seu poder de processamento os elementos com que os criamos, aquilo que jogamos neles inconscientemente, microscopicamente, pode ser percebido conscientemente, a olho nu, com o desenvolvimento da tecnologia. Podemos aprender com as máquinas...

 

O essencial é que a presença de uma tecnologia nova muda, ou permite mudar, a maneira como encaramos o mundo. Por exemplo, com a invenção da escrita, a memória podia ser estocável fisicamente, isso livrou as pessoas do peso de memorizarem tudo na própria cabeça. Vamos lá então. Que coisas podemos aprender a partir da maneira como os computadores ou seus softwares funcionam?[16]

 

1. O computador se baseia numa lógica digital[17]. Todas as informações são traduzidas em zeros e uns. Sartre dizia que a única questão filosófica relevante é o suicídio. Ou seja, essa era a escolha essencial: morrer ou continuar vivo? Inspirados na lógica binária dos computadores, poderíamos levar essa relevância a todo o cotidiano, enchendo-o de significado e perguntando sempre: sim ou não? 0 ou 1? A idéia é que sempre temos uma alternativa, uma escolha. Existe sempre uma bifurcação adiante no labirinto, e temos que fazer nossa opção. Acho que o aprendizado algorítmico entra aqui. A consciência da opção levaria a uma possibilidade de retorno...[18]

 

2. É possível, na maioria dos programas de computador, desfazer a última ou várias das últimas ações. Isso também poderia ser aprendido: a capacidade de reflexão, de dar um passo para trás e enxergar como chegamos até onde estamos. No entanto, claro que existe um limite para esse retorno...

 

3. Para que as informações permaneçam na memória do computador é preciso salvá-las. Seria interessante, então, incorporarmos ao nosso aprendizado a idéia de que apenas salvando (explicitando, registrando...) certas coisas é que elas estariam disponíveis para os outros e para nós mesmos numa consulta posterior. Fazendo referência à aprendizagem artística citada por De Corte, faz parte do aprendizado de escritores ter sempre à mão um bloquinho em que são registradas observações e insights para uso posterior. O mesmo poderia ser feito por pessoas em processo de aprendizagem.

 

4. Existe uma variação do salvar que é o "salvar como". Pode chegar um momento em que você não está certo da opção a seguir e pretende testar dois ou mais caminhos diferentes. Então você salva o que foi produzido como um outro arquivo e continua a editar seu texto, imagem ou som, mantendo o original intacto. O aprendizado dessa estratégia seria muito útil no alívio do medo que se tem de arriscar.

 

5. O "salvar como" é de certa maneira uma cópia. Os recursos de recortar, copiar e colar estão entre os mais facilmente assimiláveis no contato com o computador. A idéia de que qualquer elemento de um todo pode ser retirado ou duplicado para em seguida ser reproduzido em outro local/momento do mesmo todo ou em outro todo é poderosa. Seria interessante, por exemplo, fazer uma atividade de produção textual sem que os alunos escrevessem ou digitassem nada, apenas recortassem e colassem trechos e palavras de outros textos[19]. "Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma".

 

6. Todo computador é configurável pelo usuário. Esse é o grande passo para a autonomia e para o diálogo: aprendermos que as coisas não estão estabelecidas para todo o sempre, que elas podem ser mudadas, transformadas de acordo com o gosto do freguês ou ao sabor de um acordo entre fregueses.

 

Todas essa habilidades podem ser desenvolvidas e aprendidas sem o uso do computador[20], mesmo porque algumas, senão todas, antecedem o aparecimento do computador e apenas foram potencializadas por ele[21].

 

Se o computador não "pega", não funciona em certas escolas, talvez seja porque apenas a máquina foi instalada, enquanto que o aprendizado de sua lógica não foi feito[22].

 

Penso que[23], além de trabalhar por mais computadores nas escolas, teríamos que nos preparar para dar conta das possibilidades que eles oferecem. Mais: que a ausência física de computadores nas escolas não impede que estas escolas estejam atualizadas em relação à informática[24]. (Eduardo Loureiro Jr. in Capedec: mensagem 35)

 

Usei alguns comandos de processadores de texto e de imagem porque são aqueles com que tenho maior familiaridade, mas acho que outras analogias mais relacionadas ao hardware, ou às interfaces, do que ao software seriam possíveis. Papert deu um exemplo parecido com os que eu dei[25] na página 40 de "LOGO: computadores e educação": "A questão a ser levantada a respeito do programa não é se ele está certo ou errado, mas se ele é executável. Se esta maneira de avaliar produtos intelectuais fosse generalizada para o como a cultura pensa sobre conhecimento e sua aquisição, poderíamos ser menos intimados pelo medo de ‘estar errado’." Minha proposta foi justamente essa: generalizar algo da esfera do computador para o contexto mais amplo do conhecimento. (Eduardo Loureiro Jr. in Capedec: mensagem 76)

 

O mesmo raciocínio pode ser aplicado às redes de computadores. Também podemos aprender através de algumas de suas características ou aplicações: o correio eletrônico, as listas de discussão e a arquitetura cliente-cliente, por exemplo.

 

O correio eletrônico, ou e-mail, é uma forma assíncrona de comunicação. O aprendizado de sua lógica poderia nos levar a uma comunicação mais reflexiva, estabelecendo um intervalo temporal entre as enunciações. Tal estratégia poderia tornar o diálogo mais compreensivo, sem contar a facilidade de acesso devido ao armazenamento digital.

 

As listas de discussão, trocas em grupo de mensagens de correio eletrônico, é uma forma mais organizada, mais transparente e menos ruidosa de estabelecer comunicação entre várias pessoas. O aprendizado de sua estratégia poderia representar um avanço efetivo nas práticas de construção coletiva de texto, bem como nas de discussão de propostas sobre as quais se deseja um consenso fruto de intervenções de muitas pessoas.

 

Como último exemplo, temos a estrutura cliente-cliente, ou pier-to-pier, em que computadores se conectam, compartilhando recursos sem controle nem armazenamento central de recursos. Tal estrutura poderia inspirar práticas não-hierárquicas, distribuindo o poder entre os vários membros participantes.

 

Nesse sentido, é importante tomar a criança como alguém tão ou mais hábil em conhecimentos associados ao computador e às redes de computadores quanto o adulto. A maneira como a criança[26] pensa e a maneira como utiliza o computador deveriam ser levadas em conta em qualquer proposta de associação entre informática e educação, para nos livrar da observação do Levi para a Gardênia: "Mãe, tu não consegue pensar como criança!"[27] (apud Eduardo Loureiro Jr. in Capedec: mensagem 9)


Wood (1996) descreve o processo de instituição das escolas:

 

A invenção da escolarização e a criação de papéis como os de "professor" e "aluno" impuseram novas exigências aos adultos, na medida em que tentam "transmitir", consciente e deliberadamente, seu conhecimento e sua cultura. Impuseram também exigências especiais às crianças, que procuram aprender, memorizar e pensar deliberadamente em edifícios especialmente construídos, longe da atividade dos adultos e sem nenhum contato com ela. Nas sociedades sem escola, as crianças são gradualmente aculturadas, socializadas e "educadas" na medida em que se tornam progressivamente mais envolvidas com a atividade econômica dos adultos, até que por fim aprendem e herdam seus papéis sociais. Nossas crianças, por sua vez, são efetivamente excluídas dos centros de atividade adulta, e não aprendem ao fazer aquelas coisas nas quais seus pais estão envolvidos, mas sim ao ouvir, ler, fazer experimentos e resolver problemas que lhes são propostos por um professor "especialista".[28] (p. 110)

 

Imagine um mundo dominado pelas crianças... um mundo em que, ao invés de dar aulas, escrever jornais, atender pacientes, os adultos fossem obrigados a se sentar em frente a uma televisão, com um console na mão, e só pudessem sair pra trabalhar depois que tivessem passado de fase em determinado video game... Parece absurdo, mas é o que nós fazemos com elas. (Eduardo Loureiro Jr. in Capedec: mensagem 73)

 

E como as crianças usam o computador?

 

Eu diria[29] que o computador que vem sendo usado pelas crianças não é apenas o computador de mesa que nós normalmente usamos. O principal computador das crianças é o video game. [...] Acho que[30] a criança usa o computador sem medo, de maneira ousada, e que consegue "transferir" o que aprende com um jogo para outros jogos, entre outras coisas. (Eduardo Loureiro Jr. in Capedec: mensagem 27)

 

Às vezes tenho a impressão de que estamos querendo ensinar o Padre Nosso ao vigário. Sabemos por experiência que qualquer criancinha colocada em frente a um computador ou video game passa a dominar a máquina, os programas, os jogos, em pouco tempo, em muito menos tempo do que qualquer adulto. Ao invés de admitirmos que as crianças têm uma habilidade maior do que a nossa e aprender a maneira como elas se apropriam do computador, a gente tenta fazê-las usar o computador para aprender matemática, português, física... Talvez as estruturas de pensamento das crianças[31] no que se refere a computadores sejam bem mais elaboradas do que as nossas ("Mãe, você não consegue pensar como criança!", já dizia o Levi) e nós estamos forçando a barra para que eles aprendam nossos conteúdos com a nossa lógica. Ficamos tentando criar softwares quando as crianças já escolheram seus softwares: são os jogos. Ao invés de forçá-las a entrar no nosso mundo, não seria mais interessante entrarmos no delas? Por que não tomamos os jogos eletrônicos por base e, a partir deles, estabelecemos chamados à criança para que, no próprio jogo, desenvolva habilidades cognitivas que julgamos necessárias ao seu futuro? Temos uma grande chance de educação mútua de gerações, de adultos poderem ensinar crianças e crianças poderem ensinar adultos. Não sei se esta chance histórica vai se repetir tão cedo. Mas para isso é preciso que paremos de nos considerar os reis da cocada preta e de considerar as crianças como seres em formação. Nós estamos em formação tanto quanto elas. Se temos experiência em algumas coisas e agilidade em outras, elas têm agilidade em algumas coisas e experiência em outras. Mas acho que isso ficaria melhor desenvolvido se eu falasse sobre uma possibilidade de ampliação da idéia de Zona Proximal de Desenvolvimento de Vygotsky. (Eduardo Loureiro Jr. in Capedec: mensagem 30)

 

  1. Aprendizagens. Na terceira parte do trabalho, utilizaremos alguns conceitos (como a Zona de Desenvolvimento Proximal[32]) para estabelecer diretrizes desejáveis no tocante ao processo de aprendizagem. Mostraremos como a aprendizagem ocorre de muitas formas e em muitos ambientes.

 

Bem, sempre que falam de Zona Proximal de Desenvolvimento[33] (ZPD), a imagem que me vem é mais ou menos a seguinte:

 

{ - - - - - a - - - - - - } - - - - - - - - - - - - - p - - - - - - - - - - - - - - -

 

Onde "{" é o início do aprendizado do aluno, "a" seria o máximo que o aluno é capaz de fazer sozinho em determinado momento, "}" é o máximo que o aluno pode fazer com a ajuda de outra pessoa naquele mesmo momento, "p" é o ponto em que está o professor, e "-" é o caminho de conhecimento da sociedade[34] em que os dois estão inseridos. ZPD é, suponho, o espaço entre "a" e "}".

 

Levanto a possibilidade de termos uma Zona Proximal de Desenvolvimento do professor na direção do aluno (ZPD 2.0). Seria mais ou menos assim:

 

  { - - - [ - - a - - - - - - } - - - - - - - - - - - - - p - - - - - - - ] - - - - - - - -

 

Onde "{" é o que o aluno lembra de seus primeiros aprendizados, "[" é o que o professor lembra de seus primeiros aprendizados, "a" seria o máximo que o aluno é capaz de fazer sozinho, "p" o máximo que o professor é capaz de fazer sozinho, "}" o máximo que o aluno pode fazer com a ajuda de outra pessoa, "]" o máximo que o professor pode fazer com a ajuda de outra pessoa, e "-" é o caminho de conhecimento dos dois. A ZPD do aluno seria a mesma. A ZPD do professor na direção do aluno seria o espaço entre p e "[". O espaço entre "[" e "a" indicaria a intervenção do aluno[35] para que se processasse um desenvolvimento do professor, ou algo assim.

 

Isso abriria caminho para duas coisas. Primeira, o professor também tem uma ZPD[36] e está em contínuo processo de aprendizado. Segunda, há coisas sobre os primeiros aprendizados que o professor não lembra, mas que o aluno lembra, logo o professor tem algo a (re)aprender com o aluno.

 

Achei a brincadeira com o conceito interessante, mas não fiquei satisfeito com o estabelecimento da mão dupla, porque a aprendizagem se dá em muitos lugares e níveis simultaneamente.

 

Fiquei curioso quando a professora falou que isso geraria uma desorganização (uma falta de objetivo explícito a ser alcançado) que tornaria a situação de ensino-aprendizagem inviável.

 

Eu não tinha percebido que essa ampliação do conceito levaria a tal resultado. Mas [...] resolvi dar mais uma mexida no conceito de ZPD para ver se chegava intencionalmente nessa desorganização, aproximando-a do controverso e paradoxal labirinto. Então pensei o seguinte (ZPD 3.0).

 

A ZPD não é um segmento de reta, ou um corredor, mas uma teia ou labirinto. Não existe uma opção única de avanço (na direção do professor), mas muitas outras possibilidades radiais[37]. Mais ou menos assim:

 

         p1                                      p2

p3                      p4

                 p5

                                         p6

p7                              a                       p8

                         p9                      p10

         p11                     p12                             p13

 

 

                 p14                     p15             p16

 

Ou seja, o aprendizado do aluno pode se dar em várias direções[38] formando não a imagem de uma reta ou retângulo mas de uma mancha líquida numa superfície rugosa. O líquido se espalharia de acordo com as estrias da superfície ou com a pressão do volume existente em determinado ponto...

 

Quer dizer que, potencialmente, uma criança poderia se desenvolver formando uma área de um círculo, desde que avançasse para todos os lados. Mas não é isso que normalmente acontece. Cada pessoa, ao se desenvolver, gera padrões como uma estrela-do-mar, ou uma meia-lua, ou uma coroa... infinitos padrões, até mesmo o padrão de um retângulo, eventualmente.

 

Imaginemos, por exemplo, que o aluno (a) esteja desenvolvendo habilidades num raio que compreende p4, p9, p10, p12, p15 e p16. Cada qual destes indivíduos, por sua vez, desenvolvendo suas habilidades em outros raios. Pois bem, é possível que, tendo muito a aprender de p16 em relação ao raio de desenvolvimento de p16 (que poderia compreender p8, p10, p13, p15, 27, p35 e p76), o aluno "a" tenha muito que ensinar a p16 sobre o raio comum entre a e p4, sobre o qual vem aprendendo bastante e que não tem sido desenvolvido por p16.

 

Dessa forma, quando o professor interfere no processo de aprendizagem do aluno[39], ele não o faz sem qualquer envolvimento, mas ele se expõe a outros raios de desenvolvimento que seu aluno está partilhando com outros professores. Ao invés de simplesmente dar uma canja ao aluno, fornecendo a ele conhecimentos consolidados de que dispõe, o professor coloca novamente em jogo esses conhecimentos, liqüidifica-os, rediscute-os.

 

Chegando a esse ponto, fica fácil supor que a então nítida diferença entre aluno e professor praticamente não faz sentido. Sempre somos alunos e professores, em maior ou menor grau. As situações de aprendizagem não seriam transferências de saberes de uma pessoa para outra, mas encontros entre zonas proximais de desenvolvimento.

 

Ora, sendo assim, os objetivos desse momento de encontro[40] não têm que necessariamente ser definidos por apenas uma das partes (o professor). A cada encontro, ou a cada série de encontros, se define o repertório de trocas possíveis e as direções em que as pessoas envolvidas vão caminhar durante determinado período.

 

Essa definição talvez gere uma certa confusão num primeiro momento. Mas depois disso, a coisa se estabiliza até que seja necessária uma redefinição, seja porque a anterior não funcionou, seja porque houve mudança nos integrantes dos encontros, seja por qualquer outro motivo.[41] (Eduardo Loureiro Jr. in Capedec: mensagem 32)

 

  1. Utopia. Para finalizar, imaginaremos como seria uma educação do futuro[42], entre tantas outras, que permitisse múltiplas formas de aprendizagem[43] com o uso de computadores e mantendo um caráter labiríntico, controverso e paradoxal.

 

Como será a educação do futuro? É possível haver uma educação de controvérsias e paradoxos, de formas variadas, admitindo inúmeros percursos e possibilitando múltiplos significados?

 

A utopia que surge baseada nas novas tecnologias poderia ser a de uma superequipagem do cotidiano, como acontece na comunidade Celebration:

 

Celebration é uma comunidade higt tech localizada a menos de 1,6 quilômetros da Disney World, perto de Orlando, na Flórida. Projetistas urbanos, estilistas e arquitetos, trabalhando com a Disney Imagineers, desenvolveram uma comunidade baseada em cinco princípios: arquitetura, saúde, educação, comunidade e tecnologia. Os planos prevêem 15.000 residentes.

 

[...]

 

Celebration - assim como mais de cem outras comunidades semelhantes que estão surgindo nos Estados Unidos - está tentando criar mais do que apenas um lugar tranqüilo e pitoresco para as famílias criarem seus filhos. Os projetistas esperam criar novos tipos de ligações - ligações eletrônicas - que conectem estudantes e professores e pais, grupos comunitários, lojas e seus clientes, fornecedores de serviços de assistência à saúde e pacientes. Noventa e oito por cento dos moradores de Celebration possuem pelo menos um microcomputador. Os moradores recebem um serviço de e-mail e acesso à Internet gratuitos ao se mudarem para a cidade. Uma Intranet comunitária permite grupos de debate, serviços de quadro de avisos e e-mail local. Eventos escolares e comunitários, em sistema de circuito fechado, são filmados pela equipe de televisão da cidade e colocados na Intranet, como um documentário ininterrupto.

 

[...]

 

A escola pública de Celebration, assim como as casas, é o que existe de mais moderno. "Não temos laboratórios com computadores. Nossos computadores estão plenamente integrados no processo da instrução. Quando você caminha pela vizinhança [termo que a escola utiliza para indicar salas de aula], você vê computadores e tecnologia por toda parte. Elas não estão isoladas num único ambiente. A tecnologia precisa estar onde o aluno está, e onde ocorre o aprendizado", disse Scott Muri, o especialista em instrução de tecnologia da escola.

 

Na escola de Celebration, a tecnologia não é apenas onipresente, ela é também poderosa e de alta velocidade. A escola se vangloria dos seus 800 computadores para 940 alunos, das suas 1.800 conexões EtherNet, das suas 900 conexões de cabeamento de fibra óptica, das suas 450 conexões de cabo coaxial bidirecional e das suas três linhas T -1. A escola tem sua própria Intranet, que permite que os estudantes publiquem seus trabalhos online, bem como recorram aos trabalhos de outros estudantes para referência. Tudo é high tech, alta velocidade. A escola tem vários consultores vindos da Universidade de Harvard, da Johns Hopkins, da Apple Computer e da Sun Microsystems, privilégio concedido à escola por intermédio de sua ligação com a Disney.

 

[...]

 

O sistema de gerenciamento de mídia total da escola de Celebration oferece aos professores e aos alunos acesso por cabo, satélite, TV, discos a laser e vídeos. A escola desenvolveu um sistema que codifica informações sobre estudantes em tecnologia conveniente, um anel "Java", que comunica informações a respeito de cada aluno. O anel informa os nomes, os números de seguro social, que livros eles retiraram da biblioteca, que tarefas estão atrasadas. [...]

 

As crianças aprendem em "vizinhanças" (salas de aula) de idades bastante diferentes, pois alguns estudantes são capazes de usar tecnologias mais sofisticadas do que outros. "Quando se trata de ensinar tecnologia", o gerente-geral de Celebration, Perry Reader, diz: "Os garotos ensinam tecnologia aos garotos provavelmente melhor do que qualquer outro mentor que já tenhamos visto. Mostre-me um garoto com um video game e um garoto mais jovem que quer jogá-lo; então, observe o mais velho transferir esse conhecimento mais depressa do que qualquer pai." O especialista em tecnologia da escola, Muri, reconhece que a tecnologia está mudando o ambiente de ensino, O problema, diz ele, "não é levar informações às crianças. O problema é selecioná-las, compreendê-las, sintetizá-las".”  (Naisbitt, 1999: 60-64)

 

Mas há outras opções, como a Escola da Ponte, em Vila das Aves, Portugal. Uma escola que questiona a monodocência (ao invés de um professor em cada sala, todos os alunos e professores partilham o mesmo espaço) e aposta na autonomia dos alunos:

 

Os alunos que entram para o 1º ciclo na Escola da Ponte começam por partilhar um espaço a que se chama "iniciação". Neste espaço, as crianças aprendem os rudimentos de leitura e escrita numa abordagem pelo método natural. Também aqui aprendem a autonomia nas diversas áreas do currículo, a trabalhar em grupo e a ser gente... Na "iniciação", os alunos elaboram, conjuntamente com um dos professores, um plano quinzenal que é "negociado" entre todos. Quando são capazes de ler e escrever com alguma correcção, de efectuar cálculos elementares e de ajudar e ser ajudado, passam ao espaço da "transição", que se caracteriza pelo reforço do trabalho de grupo e da pesquisa. Os alunos aprendem a elaborar o seu plano individual.  Quando já são capazes de trabalhar em grupo, de efectuar pesquisas, de fazer auto-planificação e auto-avaliação, bem como de dominar um determinado número de objectivos nas diferentes áreas do currículo, passam a gerir autonomamente os seus tempos e espaços de aprendizagem naquilo que os alunos designam por "trabalhar em liberdade e com categoria". O espaço onde se desenvolve a fase de "desenvolvimento" situa-se no primeiro andar do edifício de área aberta. Aqui, os alunos trabalham em total autonomia. No início de cada quinzena elaboram o seu plano, negociado com colegas e professores. Diariamente, elaboram planos individuais tendo em conta interesses pessoais, de grupo e de escola, em função dos projectos em desenvolvimento. No final de cada quinzena procedem à auto-avaliação do plano.[44] (Escola da Ponte, 2000)

 

Na Escola da Ponte, a instrução não é a base da educação:

 

As dúvidas a que os momentos de pesquisa não logram dar resposta são resolvidas no encontro com um professor (a “aula direta” como os miúdos a designam), num encontro de pequeno grupo, quando os alunos o solicitam. Remetemos para plano secundário a função transmissora. Os professores só poderão dar respostas se os alunos lhes dirigirem perguntas. Só participa do encontro quem o deseja e o explicita. A função de instruir é subsidiária, caracteriza a proto-história de uma escola aprendente. (José Pacheco in Alves, 2001: 105)

 

E o computador não é a base tecnológica da educação:

 

Os alunos gerem, quase em total autonomia, os tempos e os espaços educativos. Escolhem o que querem estudar e com quem. Como não há manuais iguais para todos, a biblioteca e as novas tecnologias de informação e comunicação são lócus de encontro, de procura e de troca de informações. Recorre-se, por vezes, às bibliotecas da autarquia, de familiares, de vizinhos, ou de associações locais. E, como é evidente, os professores são também uma fonte permanente de informação, segurança, interrogações, afetos... (José Pacheco in Alves, 2001: 106)

 

A referência a estes dois exemplos[45] pode suscitar um juízo de valor sobre qual deles é melhor[46]. Pode sugerir que se deve adotar um ou outro modelo de acordo com a realidade de cada país. Esse tem sido um dos grandes defeitos dos que pensam em mudar a educação: adotar modelos de sucesso ao invés de inventar seus próprios modelos.

 

Para que possamos pensar sobre os fundamentos da educação, sobre aquilo que é a essência da educação enquanto escola, bem abaixo dos currículos e dos programas, e sobre o que é o espírito da educação enquanto outros espaços que não a escola, vale brechar uma conversa entre Paulo Freire e Papert gravada pela TV PUC.

 

Papert propõe que a criança aprenda o que quiser na hora em que quiser: “meu neto está acostumado a procurar o saber quando ele quer e consegui-lo quando precisa.” (O Futuro da Escola, s/d)

 

Paulo Freire propõe “um determinado espaço e tempo, onde determinadas tarefas se cumprem socialmente [...] o conhecimento do conhecimento já existente e a produção do conhecimento ainda não existente. Essas são as duas tarefas centrais da escola.” (O Futuro da Escola, s/d)

 

Acho que essa é a essência dos dois em relação à Educação, aquilo que não pode ser mudado, o supra-sumo. E acho que não são incompatíveis. É possível haver um espaço e um tempo para educação e ainda assim as crianças só aprenderem aquilo a que se propõem. É possível que as crianças aprendam apenas o que quiserem e tenham um tempo e um espaço para isso.

 

A Escola da Ponte e a comunidade Celebration talvez sejam exemplos, bem diferentes, é verdade, disso. O que há de comum entre elas é o fato de a comunidade ter assumido para si a educação de seus filhos ao invés de delegá-la a um sistema pré-fabricado, estatal ou privado. Ou talvez o fato em comum seja a transformação do que era pré-fabricado em comunitário. De uma forma ou de outra, da mesma maneira que a ênfase tecnológica deve ser dada à rede ao invés de ao computador isolado, também a ênfase educacional deve ser dada não à escola mas à comunidade.

 

Acho que é nossa missão de educadores inventar outros exemplos[47]. Está na hora de assumirmos nosso papel de dédalos e de Dédalo, de labirintos e de criadores de labirintos. Mesmo que, à semelhança do destino de Dédalo, o inesperado nos faça uma surpresa.

 

Termino este trabalho com uma autocrítica. Assim como as redes são mais importantes do que os computadores, e a comunidade mais importante do que a escola, é a trama de personagens, e não apenas Dédalo, que importa para a criação de uma educação mais próxima de nossos desejos. Mais importante que a história do labirinto, sozinha, é a trama dessa e de muitas outras histórias contadas pela religião, pela filosofia, pela arte e pela ciência.

 

 

BIBLIOGRAFIA

ALVES, Rubem (org.). A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. Campinas, SP: Papirus, 2001.

BORGES, Jorge Luis. Obras completas. Vol 1. São Paulo: Globo, 1998. 

CAPEDEC, Lista de Discussão. Lista mantida por Yahoogroups. Disponível em <http://groups.yahoo.com/group/capedec/messages>. Acesso em: 26 jun. 2001.

CASTRO, Moacyr. Nós 100. Homepage: Correio Popular Digital. Disponível em <http://www.cosmo.com.br/cpopular/digital/colunistas/010515_colunistas_moacyr.shtm>. Publicada em 15 mai. 2001. Acesso em: 26 jun. 2001.

DE CORTE, E. Aprender na escola com as novas tecnologias da informação. In Teodoro, V. D.; Freitas, J. C. de (orgs.) Educação e Computadores. Lisboa: Ministério da Educação de Portugal / GEP, 1992. p. 89-117.

ESCOLA DA PONTE. Desenvolvido por alunos e professores da Escola da Ponte – Vila das Aves, 2000. Apresenta textos sobre o projeto pedagógico da escola. Disponível em <http://atelier.hannover2000.mct.pt/~pr089/porque/porque.htm>. Acesso em 26 jun. 2001.

LABIRINTO, Lista de Discussão. Lista mantida por Yahoogroups. Disponível em <http://groups.yahoo.com/group/labirinto/messages>. Acesso em: 26 jun. 2001.

LEÃO, Lúcia. O Labirinto da hipermídia - arquitetura e navegação no ciberespaço. São Paulo: Iluminuras, 1999.

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência – o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. (Coleção TRANS)

LÉVY, Pierre. Cibercultura. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1999. (Coleção TRANS)

LOUREIRO, Eduardo; HAVT, Andréa; SANTOS, Fabiano dos; BARGUIL, Paulo Meireles. Labirinto: metáfora do conhecimento. In: ENCONTRO DE PESQUISA EDUCACIONAL DO NORTE E NORDESTE, 15., 2001, São Luís. Anais. São Luís: UFMA, 2001. 1 CD.

MÉNARD, René. Mitologia Greco-romana. São Paulo: Opus, 1991.

NAISBITT, John; NAISBITT, Nana; PHILIPS, Douglas. High Tech, High Touch – Alta tecnologia, alto contato humano. São Paulo: Cultrix, 1999.

O FUTURO da escola. São Paulo: TV PUC, s/d. 1 fita de vídeo (120 min), VHS, son. Color.

PAPERT, Seymour. Logo: computadores e educação. São Paulo: Brasiliense, 1988.

WOOD, David. Como as crianças pensam e aprendem. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

 



[1] Coerência com plano elaborado para o trabalho: Ao final de cada seção, reveja o texto, e certifique-se que o que você desenvolve está de acordo com o proposto. (Coerência interna do texto, objetivos propostos e discussões efetuadas) – Ana Karina Morais de Lira.

                A idéia de planejamento está associada a uma série de ações que devem ser empreendidas para se atingir determinado objetivo. O planejamento da camada 1 é de caráter diferente, aproximando-se mais de um projeto ou esboço. Seu objetivo é comunicacional, fazer ver ao interlocutor que o responsável pela ação é capaz de antever o que está por fazer. Aceito o plano, o projeto se transforma numa casca que pode ser descartada. O que vai ser construído não se limita ao que foi proposto. Pode ir além e aquém do planejado. Ao invés de um currículo pouco flexível, onde apenas alguns conteúdos são acrescidos ou retirados, o planejamento como projeto pode levar a uma modificação da própria estrutura do que foi proposto, porque o que foi proposto era apenas uma primeira sistematização do que era desejado, e o desejado é que deve ser concretizado, não o proposto.

[2] Clareza e “simplicidade” na apresentação das idéias: procurar expor idéias de forma a facilitar a compreensão pelo leitor. Seqüência lógica: evidenciar associação entre idéias discutidas. (E principalmente quando utilizar-se de metáforas.) – Ana Karina Morais de Lira. / “A discussão metafórica esteve por muito tempo restrita às investigações poéticas[...] afirmar: 'meu trabalho é uma prisão' é muito mais forte do que dizer 'meu trabalho é como uma prisão'. A metáfora, à medida que articula esquemas analógicos, não se interessa por similaridades ou comparações. Sua característica principal é conceber uma outra categoria de conhecimento que envolve os dois campos de saber (A e B). A interação entre esses campos se dá de tal forma que, após o vínculo metafórico, nossa compreensão se altera tanto em relação ao campo A, como em relação ao B. Em síntese, a metáfora, ao possibilitar a aproximação de dois mundos ou domínios heterogêneos, viabiliza uma re-descrição de um determinado assunto e oferece uma visão criativa e inesperada.” (Leão, 1999: 15) A metáfora é uma dialógica, e não lógica. Seu estabelecimento num texto busca novo diálogo entre autor e leitor. As associações não devem ser evidenciadas mas sugeridas. A sugestão é a deixa que o autor dá para que o leitor exercite sua própria fala. A passagem de um lado para o outro não se dá através de uma ponte segura, e sim por saltos criativos de um lado para o outro. Estes saltos rompem com a causalidade óbvia e abrem espaço para a não-linearidade, a discrepância entre o esforço que se empreende e o resultado obtido. Nesta relação se constrói um novo texto de dois autores, imprevisível para ambos.

[3] E será que é interessante começar a sua exposição com uma afirmação que é “uma brincadeira de mau gosto”? – Ana Karina Morais de Lira. / Os autores, no início de seus textos, costumam se credenciar positivamente perante o leitor, com o objetivo de convencê-lo de que estão falando a verdade. A minha estratégia difere um pouco. Como tratarei os demais autores sem muita cerimônia, era justo que eu me apresentasse também sem cerimônia, para que o leitor se convença de que, mais do que uma crítica aos autores relacionados, estou fazendo constantemente uma crítica a mim mesmo enquanto ser que pensa mas que é pensado pela cultura em que pensa. A referência estatística, em contraposição a uma afirmativa que poderia ser facilmente aceita pelo senso comum, é uma forma de alertar o leitor para eventuais afirmações de senso comum que aparecerão ao longo do texto, mas que não merecerão questionamento específico uma a uma.

[4] Por que PC e CP não são iguais? – Ana Karina Morais de Lira. / A tecnologia computacional, absorvida em grande parte dos EUA não significa uma simples importação técnica, mas um mimetismo cultural. Junto com o microcomputador, adotamos uma série de termos (mouse, hardware, software, download...) que condicionam de certa maneira nossa maneira de enxergar as potencialidades e os usos dessa tecnologia. Mesmo que não saibamos exatamente quais as implicações dessa aculturação lingüística, não custa nada ficarmos atentos a esse batismo com palavras estrangeiras.

[5] Poderia clarificar mais o que se entende por labirinto aqui! – Ana Karina Morais de Lira. – Os labirintos 3D dos video games são principalmente escuros, sombrios. A definição de labirinto é muito variada, chegando mesmo Jorge Luís Borges a atribuir-lhe o deserto como imagem perfeita em contraposição às paredes simetricamente arquitetadas. Nesse texto, à semelhança de qualquer labirinto, o labirinto vai se revelando aos poucos, ao invés de indícios mais ou menos óbvios. Um dos definidores mais preciosos, talvez o que vá dar a configuração final, é justamente a experiência do leitor, do explorador do labirinto. A definição é, no final das contas, obra do leitor-explorador.

[6] O que, nessa “definição” de labirinto, torna possível a extensão da proposição de Lepper e Gutner, como você pretende? – Ana Karina Morais de Lira. / O texto inteiro tenta tornar essa extensão possível. O texto, em seu conteúdo e forma é uma tentativa, não de resposta, mas de exercício disso. A intenção do texto é ser controverso e paradoxal, é fazer com que entremos no mundo das crianças e dos computadores não apenas através de proposições de linguagem, mas também de experiências com a linguagem.

[7] Gostam? Por quê? O que há de interessante que lhes faz gostar? – Ana Karina Morais de Lira. / As crianças adoram labirintos! Por que gostam é algo a ser descoberto. Uma questão possivelmente tão importante quanto “por que as crianças aprendem?”.

[8] O que os espaços de aprendizagem têm a ver com o labirinto? – Ana Karina Morais de Lira. / Por um lado, são espaços em que as crianças convivem, nos primeiros compulsoriamente, no segundo voluntariamente. Por outro lado, são construções arquitetônicas que representam um rito de passagem para quem nelas penetra.

[9] Explicar (contextualizar) por que lista essas considerações. Sugeriu, via lista de discussão, que um grupo pensasse sobre essa relação? – Ana Karina Morais de Lira; / A discussão na lista surgiu a partir de um comentário de uma das alunas, que estabeleceu relação entre escola e labirinto. A partir desse primeiro comentário, outros se seguiram, ampliando a relação estabelecida inicialmente.

[10] Gostam? Por quê? O que há de interessante que lhes faz gostar? – Ana Karina Morais de Lira. / Gostam tanto de interpretar personagens quanto de labirintos. O porquê devia ser objeto de sério estudo.

[11] O que o papel dos adultos tem a ver com os personagens das crianças? – Ana Karina Morais de Lira. / Os adultos tendem a constituir uma personalidade, espécie de personagem único, enquanto as crianças se exercitam em diferentes identidades. Os adultos representam sem se dar conta. A aproximação do universo infantil se daria de maneira mais efetiva se o adulto se conscientizasse da própria máscara e assumisse eventualmente outras características de personalidade abandonadas anteriormente em favor de uma suposta maior integração psíquica.

[12] Análises: 1) O que se faz com o computador (estratégias, ações) - fazer da mente humana; 2) Antes do computador: sujeito - atividades mentais. Depois do computador: sujeito + computador (características, estratégias, ações) - atividades mentais. A 2a tem demonstrado ser mais frutífera. – Ana Karina Morais de Lira. / Em 2, o computador seria usado como instrumento, ferramenta, meio para se atingir um fim. Em 1, temos a metáfora em ação: computadores e humanos vão se constituindo enquanto se modificam.

[13] O que a invenção da escrita tem a ver com o nascimento de Cristo? – Ana Karina Morais de Lira. / Ambos foram definidos como marcos decisivos da história da humanidade.

[14] Objetivo: comparar Internet e Cristo? Quais as similaridades? – Ana Karina Morais de Lira. / O objetivo é a tomada de consciência do momento presente, possivelmente definidor de rumos numa encruzilhada da civilização.

[15] Será? – Ana Karina Morais de Lira. / Na verdade, toda tecnologia traz em si potencialmente o raciocínio utilizado em sua criação. Mas com os computadores, pela primeira vez, o ser humano admite que talvez tenha criado algo mais inteligente ou mais esperto do que si mesmo. Isso permite que o homem olhe para esta criação como quem se mira num espelho.

[16] A resposta a essa pergunta demonstra que a tecnologia é um fator de mudança? Pense que respostas você pode obter com essa pergunta. Elas dizem sobre o que você está se propondo a discutir? – Ana Karina Morais de Lira. / Lévy (1993) já havia feito referência à importância da tecnologia para o pensamento: “o computador havia se tornado hoje um destes dispositivos técnicos pelos quais percebemos o mundo, e isto não apenas em um plano empírico (todos os fenômenos apreendidos graças aos cálculos, perceptíveis na tela, ou traduzidos em listagens pela máquina), mas também em um plano transcendental hoje em dia, pois, hoje, cada vez mais concebemos o social, os seres vivos ou os processos cognitivos através de uma matriz de leitura informática”. (p. 15) O aprendizado com os computadores é apenas uma proposta de possibilidades, com respostas menos conclusivas que inspiradoras.

[17] Binária – Ana Karina Morais de Lira. / Segundo Lévy (1999), “Digitalizar uma informação consiste em traduzi-la em números. [...] não importa qual é o tipo de informação ou de mensagem: se pode ser explicitada ou medida, pode ser traduzida digitalmente. Ora, todos os números podem ser expressos em linguagem binária, sob forma de 0 e 1. Portanto, no limite, todas as informações podem ser representadas por esse sistema.” (pp. 50-51)

[18] E daí? – Ana Karina Morais de Lira. / E aí que está aberto o caminho, os caminhos, para que se questione o avanço contínuo em qualquer campo do conhecimento, que não teria mais forçosamente um caráter acumulativo, mas um desenvolvimento marcado por opções nem sempre felizes.

[19] Para quê? – Ana Karina Morais de Lira. / Para fazer ver que um discurso é um recorte de discursos.

[20] Qual é a sua lógica aqui? A de que tudo o mais deve funcionar tal como o computador? – Ana Karina Morais de Lira. Não, a de que o computador é mais uma possibilidade de aprendizado para a humanidade.

[21] Será? – Ana Karina Morais de Lira. / O computador potencializa duas experiências básicas para o ser humano: o tempo, possibilitando por exemplo uma redução na duração necessária para a realização de inúmeros processos; e o espaço, permitindo uma intensificação da comunicação a longas distâncias.

[22] E deve? Como? – Ana Karina Morais de Lira. / Dever não deve. É uma inspiração possível, não uma obrigação. A maneira de aprender com os computadores sem computadores é fazendo transferência de conhecimentos sem a base material que lhe deu origem. O outro termo da metáfora que deu origem ao computador é retomado, e é criado um novo termo que não o computador, mas que tenha o mesmo potencial metafórico.

[23] Com base em quê? – Ana Karina Morais de Lira. / Com base no próprio ato de pensar (ver nota 29).

[24] Por quê? O que você quer evidenciar com o seu trabalho? – Ana Karina Morais de Lira. / O fato de que a atualização ao nível dos conhecimentos não passa necessariamente pelo suporte material associado socialmente a esses conhecimentos. A idéia de computação sem computadores, mas com as noções de banco de dados, hipertexto, modularidade e não-linearidade, por exemplo.

[25] Ao contrário: você deu exemplos similares aos apresentados por Papert – Ana Karina Morais de Lira. / Como só li o texto de Papert (1988: 40) após escrever o meu, e questionando à moda de Walter Benjamin a noção de um tempo contínuo e homogêneo, poderia dizer, mesmo que cronologicamente incorreto, que dei meus exemplos antes de Papert.

[26] Ou o adulto? – Ana Karina Morais de Lira. / A criança mesmo! O que está em jogo aqui é o pressuposto do senso comum científico de que o adulto sabe mais do que a criança.

[27] Por que coloca esse tema aqui? Com que fim? – Ana Karina Morais de Lira. / Trata-se de uma explicitação, talvez freqüente mas não muito registrada, de que as crianças sabem que têm um tipo diferente de pensamento e que desejam mantê-lo em contraposição àquilo que os adultos pretendem lhes ensinar. Essa fala toca no problema básico da educação: nossa incapacidade de compreender aqueles a quem desejamos ensinar.

[28] O que a citação de Wood tem a ver com a fala do Levi para sua mãe? – Ana Karina Morais de Lira. / Wood, um adulto, descreve a maneira como o ensino escolar é feito à base de uma exclusão da vida social. O aprendizado não se dá mais em comunidade mas em edifícios isolados. Esse isolamento pode ser associado a outros espaços segregados (presídios, asilos...) que têm como objetivo reformar o comportamento de indivíduos desviantes. Em nossa opinião, o mais desviante de todos os comportamentos é o da criança, que nega durante sua infância a realidade fabricada pelo mundo adulto.

[29] Com base em quê/quem? – Ana Karina Morais de Lira. / Em mim mesmo. Com base no direito de pensar por si próprio e ver se o que digo faz sentido para os outros. A observação da vida cotidiana pode gerar não apenas o senso comum ignorante, mas também revelar certas obviedades que são excluídas pela suposta necessidade de rigor científico.

[30] Idem.

[31] Há muito já produzido sobre isso. – Ana Karina Morais de Lira. / Mas talvez não haja muito produzido sobre as estruturas de pensamento relacionadas ao uso do computador. A estrutura cognitiva não é única. Os próprios recursos cognitivos desenvolvidos são escolhas culturais. O estabelecimento através do ensino de determinadas estruturas de pensamento talvez tenha se dado pelo aborto de outras estruturas que se julgava indesejáveis. Minha suposição é de que são algumas dessas estruturas indesejáveis, excluídas, marginais, que as crianças estão usando no trato com os computadores.

[32] Riqueza de Idéias/reflexão mas carência de considerações/fundamentação teórica. ZPD é um conceito amplamente discutido e há várias tentativas de aplicação a situações de aprendizagem. Considere o esforço que tantos fizeram para essas tentativas. Discuta isso, fundamentando a sua discussão teoricamente. – Ana Karina Morais de Lira. / Cabe aqui uma explicação sobre a minha forma de leitura e de apropriação de conceitos que difere da maneira como normalmente as pessoas se integram ao conhecimento produzido em determinada área. A tradição predominante de interpretação científica procura contextualizar o pensamento do autor estudado e acompanhá-lo, bem como aos seus sucessores, numa tentativa de determinar aquilo que os autores quiseram dizer e aquilo que não conseguiram dizer, constituindo essas determinações o objeto de futuros estudos. Minha forma de leitura é intencionalmente descontextualizada. O conceito não é estudado em sua estruturação, mas como metáfora ainda viva. Apesar do risco dessa estratégia em repetir o que já foi dito pelos autores (já que não me dedico a uma leitura exaustiva deles), ela se revela promissora por permitir a criação de novos conceitos-metáforas livres da disputa pela hegemonia acadêmica entre correntes de pensamento. A leitura fragmentada e a apropriação de trechos, ao invés de livros ou obras inteiras, permitem ainda uma aproximação entre autores aparentemente desconexos e até contraditórios, e desvia o curso do estudo da repetição do que já foi dito para a emergência de novas possibilidades de conhecer objetos tidos por razoavelmente experimentados.

[33] Zona Proximal de Desenvolvimento é um conceito de Vygotsky que indica o espaço ou distância entre aquilo que uma pessoa é capaz de fazer sozinha e aquilo que ela é capaz de fazer com a ajuda de outra pessoa. As práticas educativas deveriam então intervir sobre essa zona, provocando um aumento do potencial do indivíduo.

[34] Qual caminho de conhecimento? Todos? – Ana Karina Morais de Lira. / Todos que são um só, segundo normalmente se pensa. Existe a crença, tanto histórica quanto biológica, quanto epistemológica, de que a humanidade segue alguma espécie de percurso evolutivo, do pior para o melhor, ou do mais simples para o mais complexo, ou de qualquer coisa de menor valor para outra de mais valor. É isso que está representado pelo “-“, apesar de eu questionar a existência desse caminho único, como demonstrarei ao estender o conceito de ZPD.

[35] Ao aluno caberia tal responsabilidade? Ele deveria – como devem tentar os professores - planejar tais intervenções de acordo com o que sabe sobre o nível de desenvolvimento real do professor? – Ana Karina Morais de Lira. / Talvez os alunos, ou aqueles que se supõe que estejam apenas sendo ensinados numa relação de aprendizagem, já façam isso sem se darem conta e sem que os ditos professores percebam. Como as estratégias labirínticas são controversas e paradoxais, e não de organização ou planejamento, talvez estas técnicas colocadas intuitivamente em prática sejam invisíveis para o olho vestido dos educadores.

[36] Ao professor também se aplica a idéia de ZPD? – Ana Karina Morais de Lira. Mas claro! ZPD na cognição dos outros é refresco! E não me refiro apenas ao aprendizado de novos métodos de ensino ou de paciência em relação ao aluno. Todos os envolvidos em processos de aprendizagem trocam conteúdos entre si. Todos se educam, mesmo que alguns não tenham consciência disso.

[37] Que representariam o que nesse modelo criado por você? Outros professores? – Ana Karina Morais de Lira. / Sim, outros professores, entendidos aqui como qualquer pessoa que tenha domínio ou conhecimento sobre alguma coisa que interessa àquele que se colocaria então na posição momentânea de aluno. A duração nessa posição pode ser muito curta, durando poucos segundos. Em uma relação de aprendizagem dialógica, os papéis de professor e aluno se alternam praticamente a cada fala ou intervenção de ambas as partes. O professor não precisa estar necessariamente consciente de seu papel.

[38] Ainda assim, a situação escolar requer planejamento e objetivos. – Ana Karina Morais de Lira. / Devido à sua tradição associada à escrita e às estratégias hermenêuticas de aprendizado, talvez a escola não possa mais realmente se livrar do domínio do planejamento e dos objetivos. Isso não significa que o aprendizado não possa se dar em outros espaços, desde que seja quebrado o monopólio da instituição escolar sobre o reconhecimento e a aferição de saberes válidos.

[39] Considere professor e alunos-crianças e professor e alunos-adultos. – Ana Karina Morais de Lira. / Essa distinção não é importante para a ZPD como entendida aqui. A própria distinção entre professores e alunos não é importante, apesar de terem sido usados esses termos para que o leitor tenha referências para as implicações da ampliação do conceito para a atual realidade educacional. Outro aspecto importante a ser enfatizado é a equivalência de número na relação: professor e aluno, ou professores e alunos, ao invés de professor e alunos. A ZPD aqui descrita se aproxima da metáfora, logo da relação entre dois termos. A presença dos outros termos se dá em virtude da dinâmica das várias relações simultâneas.

[40] E quando esses encontros não acontecem? Não há aprendizagem? – Ana Karina Morais de Lira. / Exatamente. Se o encontro não acontece, devido à ausência de uma pessoa, não há aprendizagem para essa pessoa nesse local (a não ser que ela esteja em situação de aprendizagem assíncrona), mas ela estará em situação de aprendizagem se neste mesmo momento estiver estabelecendo um encontro em outro local. Todo encontro é situação de aprendizagem, estejam ou não as pessoas conscientes disso.

[41] Reveja, considerando 1) nível de desenvolvimento real e 2) papéis professor/aluno. – Ana Karina Morais de Lira. / A idéia da ZPD estendida é justamente diluir os papéis fixos de professor e alunos, tornando-os intercambiáveis. Quanto ao desenvolvimento real, este não existe. Todo desenvolvimento é relativo a referenciais determinados de antemão. Mudando-se o referencial, muda o grau de desenvolvimento. Um PhD pode ser um completo ignorante em estratégias labirínticas, assim como uma criança pode não saber nada sobre fissão nuclear.

[42] Por quê? Para quê? – Ana Karina Morais de Lira. / Boa pergunta! Não se tratam de modelos a serem seguidos, mas de exemplos, ilustrações, termos de metáfora para que exercitemos nossos próprios termos na diferença. O futuro é o lugar da projeção do desejo. Educação do futuro é aquela que desejamos enquanto mais favorável possibilidade.

[43] Não considera teoria(s) de aprendizagem. Muitos termos técnicos (aprender, instrução, “método natural”(?), desenvolvimento, etc) utilizados sem definição, sentido claro/explícito. – Ana Karina Morais de Lira. / As teorias têm sido consideradas, mas não de maneira arqueológica (ver nota 32). Os termos técnicos dentro das citações não são discutidos pelo mesmo motivo: o objetivo não é a precisão, mas a busca da força potencial presente no conceito. Outros termos técnicos usados não são exclusivamente técnicos. Uma das estratégias da tradição hermenêutica, que não está sendo utilizada aqui, é justamente a tecnificação de palavras cotidianas, restringindo assim as possibilidades de expressão dos exóticos acerca daqueles conhecimentos a partir da própria experiência.

[44] Citação muito grande. Destacar elementos essenciais para a sua discussão. – Ana Karina Morais de Lira. / As citações normalmente são inseridas com dois objetivos: sua utilização para interpretação/discussão; ou como apoio à própria interpretação. Aqui, além dos dois objetivos citados, as duas grandes citações têm um terceiro objetivo: são utilizadas como uma voz externa que dialoga simultaneamente com o autor e com o leitor. A ausência de destaque permite que o leitor tenha acesso a outras informações/argumentos que não apenas aqueles de que o autor necessita. Esse acesso ampliado por parte do leitor aumenta suas chances de dialogar com o autor do texto, refutando ou comprovando o uso que o autor faz da citação.

[45] O que você pretende? – Ana Karina Morais de Lira. / Apenas ilustrar com dois exemplos. A reflexão sobre educação muitas vezes se dá num terreno abstrato ou materializado apenas por experiências observadas cientificamente. A referência a duas formas alternativas de educação realizadas por comunidades inteiras, e não em uma sala de aula específica, pode ajudar a pensarmos os aspectos cognitivos em seus aspectos dinâmicos de relações sociais.

[46] Em que sentido? – Ana Karina Morais de Lira. / Existe uma tendência educacional, e até mesmo científica, a optar por um modelo (que se julga melhor) em detrimento de outros (a que se atribuem deficiências incorrigíveis).

[47] Por quê? Com que fins? – Ana Karina Morais de Lira. Porque uma educação realmente significativa só será realizada se sua própria estrutura for construída por aqueles envolvidos no processo de educação. Cada local, cada comunidade, pode criar seu próprio mecanismo de estabelecimento das relações de aprendizagem que deseja. Um modelo único, ou poucos modelos a serem imitados, é um passo para o fracasso e para a dominação de um grupo por parte de outro.