PARENTE, André. O Virtual e o Hipertextual. Rio de Janeiro: Pazulin, 1999. 112 p. (ilustr.)

Convenções:
p. - número da página
( ) - referência de citações de outros autores
/ - simples separação antes de outra citação, sem ligação de sentido, na mesma página
// - marca de parágrafo
[...] supressão de palavras ou frases para reduzir a citação sem perder o sentido
[ ] outros comentários ou definições do anotador das citações

p. 13
"Não há objeto puramente atual. Todo atual rodeia-se de uma névoa de imagens virtuais." (Gilles Deleuze)

p. 17
"Ernst Gombrich mostrou muito bem que entre a representação e a realidade externa só há ilusão".
/
"uma experiência parecida com a que teríamos se os tocássemos com mãos invisíveis."

p. 18
"Toda arte produz algum nível, uma ilusão referencial que depende da fé perceptiva do espectador, ou, o que dá no mesmo, de uma voluntária suspensão da incredulidade."
/
"Li Ssu-hsûn (652-720 d.C) pintou os paraventos do palácio do imperador com cenas representando montanhas e cascatas. Um dia, o imperador se queixa ao pintor: "as cascatas que você pintou fazem muito barulho e não me deixam dormir, por favor, faça alguma coisa"."

p. 19
"são tudo o que se queira, e muitas outras coisas. Tudo depende da disposição do analista."

p. 20
"Se a imagem em movimento é uma ilusão de movimento, como distinguir a percepção do movimento aparente da percepção do movimento real?"
/
"o movimento real não é senão um caso particular do movimento aparente?"

p. 21
"As novas tecnologias da imagem suscitam o seguinte problema: se por um lado elas nos empolgam ao pôr em crise o sistema de representação, uma vez que, com o simulacro, não se pode mais distinguir o falso do verdadeiro, a cópia do original, a realidade da ilusão, por outro lado, ela implica a redução do simulacro ao clichê (puro jogo de imagem em que o simulacro se fecha sobre si mesmo)."

p. 21 a 22
"a criação, trabalhada por uma diferença sempre já programada e calculada, tornar-se puro jogo comunicacional, interativo e lúdico; e o criador, unicamente usuário".

p. 22
"por que não afirmar que a dita era do simulacro teria início não com as novas tecnologias da imagem, mas sim com a separação entre natureza e cultura, separação esta vivida pelo homem com a introdução da linguagem?"

p. 24
"O virtual não se opõe ao real, mas sim aos ideais de verdade que são a mais pura ficção."

p. 24 a 25
"O novo significa a emergência da imaginação no mundo da razão, e conseqüentemente num mundo que se libertou dos modelos disciplinares da verdade. Tanto na filosofia como na ciência e na arte, o tempo é o operador que põe em crise a verdade e o mundo, a significação e a comunicação. A razão é muito simples: ao tempo da verdade (verdades eternas) se substitui a verdade do tempo como produção de simulacros, ou seja, do novo como processo. "Ou o tempo é invenção, ou ele não é nada", diz Bergson, para quem o passado é o elemento ontológico do tempo, e, como tal, é virtual, ou seja, ele não se confunde com nenhum atual (presente). Trata-se de um passado que nunca foi presente, como no caso da paramnésia. A paramnésia é positiva, pois ela indica que o tempo não pára, ou melhor, que ele não pára de se desdobrar, passando por passados não necessariamente verdadeiros (eu te encontrei ano passado em Marienbad) e por presentes incompossíveis (encontrou-me e não me encontrou ao mesmo tempo — tudo depende do meu desejo de me deixar seduzir)."

p. 25
"o virtual é uma imagem em espelho que forma um curto circuito com a imagem atual, sem que se possa dizer qual das duas é a verdadeira: eu já vivi este momento antes? Sim, mas em um tempo sempre por vir."
/
"Se tudo nos parece uma ficção, uma ficção de ficção, se tudo parece conspirar para uma desmaterialização do mundo, se temos dificuldades em viver a história, é porque tudo parece já ter sido programado, preestabelecido, construído, calculado de forma a nos tirar o poder de fabulação."
/
"a idéia do fim da ilusão também não é uma ilusão?"

p. 25 a 26
"A ilusão está em todo lugar: seja como ideal de verdade (das velhas ou das novas tecnologias, quando elas se afirmam como técnicas-ontoteleológicas), seja como fim da ilusão (simulacros despotencializados), seja como potência de fabulação (vontade de potência). Só nos resta escolher como nos colocarmos."

p. 26
"Para os artistas, filósofos e cientistas o que conta, em qualquer época, é a emergência da imaginação num mundo dominado pela razão, qualquer que seja ela, científica, tecnológica, social, econômica, etc. O campo científico, tecnológico, social e econômico não é apenas domínio da razão, mas também espaços de produção e de agenciamentos múltiplos, capazes de liberar as forças da imaginação e da vida."

p. 27
"o que é uma imagem finalmente? Existem pelo menos dois tipos de imagem: a imagem enquanto picture e um outro tipo de imagem que vem da Bíblia e de certas tradições exotéricas que nós não conhecemos muito bem, como a Cabala. São João, na Bíblia, diz que a imagem virá no tempo da ressurreição. Quer dizer, Jesus na cruz não é uma imagem, mas picture..."

p. 28
"Como a câmera escura para a sociedade do espetáculo, o panóptico para a sociedade disciplinar e a televisão para a sociedade pós-industrial, a realidade virtual é o dispositivo que melhor representa o papel das novas tecnologias da imagem na sociedade contemporânea. A realidade virtual é uma espécie de princípio de realidade dos novos tempos, buraco negro da nova cultura cibernética para onde estaria migrando toda a realidade social."
/
"não se trata mais de pensar como a imagem representa a realidade, mas sim de pensar um real que só existe em função do que a imagem permite visualizar."

p. 29
"30 anos desde as primeiras interfaces visuais interativas criadas por Ivan Sutherland (primeiro dispositivo de imersão com visão estereoscópica) e Myron Krueger (primeiro sistema de imersão do corpo inteiro sem utilização de capacete e luvas de dados)".

p. 29 a 30
"Jean-Louis Weissberg estabeleceu uma primeira classificação dos dispositivos virtuais em seis diferentes modos de inter-relação do real com o virtual. O primeiro (apresentação do real pelo virtual) pode ser exemplificado pelo capacete de visualização criado pela equipe de Michael McGreevy, da NASA, o qual possibilita a pilotos voando, em velocidades acima de Mach 2, visualizar imagens simuladas dos terrenos sobrevoados. Esta técnica faz da realidade virtual uma espécie de protótipo dos sistemas de visão artificial do futuro. // O segundo tipo (interpretação do real pelo virtual) remete às diversas experiências de visualização no campo científico realizadas hoje nos laboratórios com o auxílio de simulações produzidas por imagens de síntese, cujo exemplo clássico é o conjunto de algoritmos de Mandelbrot (os fractais). // A terceira modalidade (prolongamento do real no virtual por contigüidade) encontra numerosas aplicações: um sistema de consulta documentária possibilita ao usuário folhear um livro virtual através de movimentos executados numa tela tátil; uma obra de arte produzida por Michel Bret e Edmond Couchot permite soprar um pena virtual. // O quarto tipo (injeção do real no virtual) encontra muitas aplicações no campo da animação, sob o nome de captura de movimento: através dos sistemas de teledetecção — capacete, luvas e roupas de dados —, o teleator pode animar corpos e universos virtuais. O quinto (ver o virtual por uma janela real) é exemplificado por uma escultura dissimulada: um monitor apresenta um espaço representado virtualmente. Cada movimento do monitor real provoca um deslocamento correspondente no espaço representado. O último tipo (telepresença real no virtual) apresentado por Weissberg remete às experiências que a NASA segue fazendo em um projeto intitulado realidades artificiais. Nele, graças aos sistemas de telepresença, os engenheiros da NASA podem realizar o velho sonho da ação à distância. As modalidades quatro, cinco e seis são variações do terceiro tipo, que por sua vez remete ao primeiro."

p. 30 a 31
"o mundo não se divide mais em grupos de diferentes objetos estanques, mas em grupos de diferentes interações, que se tornam mais e mais complexas quando se passa ao estudo dos sistemas abertos, os organismos vivos."

p. 31 a 32
"Você chega em casa e, ao colocar uns óculos, aparece uma estante virtual com diversas espécies de aquários. Em cada um desses aquários você encontra mundos e realidades virtuais. Num deles pode haver uma agência imobiliária, graças à qual seria possível visitarmos apartamentos. Em outro, haveria uni esporte em três dimensões. Um outro seria reservado à educação e aos sistemas de ensino à distância. Poderíamos estudar os dinossauros nos tornando um deles. Em outro aquário poderíamos encontrar pessoas, nossos amigos, e conversaríamos com eles." (Jaron Larnier)

p. 32
"A realidade virtual é uma tecnologia que, em certas situações, se substitui tão perfeitamente ao real que, para muitos, ela é o canto das sereias de hoje."
/
"A fuga do verdadeiro real e o refúgio numa realidade virtual vão sem dúvida permitir às nossas sociedades invadidas por um desemprego estrutural fornecer a milhões de ociosos forçados alucinações virtuais capazes de ocupar espíritos e corpos como um novo ópio". (Philippe Quéau)

p. 33
"Cada época produz seu pão e seu circo, suas leis e seu ópio, suas repúblicas e sua poesia. Não vemos porque a ficção produzida pelas tecnologias do virtual seriam mais alienantes do que qualquer outra forma de fabulação."
/
"o ciberespaço é uma inegável lembrança do fato de que somos condicionados para, desde muito cedo, ignorar e negar que nossa subjetividade é, por si só, uma simulação hiper-realista."
/
"Habitualmente, pensamos no mundo como "algo fora de nós", mas o que percebemos é fruto de modelos cognitivos que existem apenas em nosso cérebro."
/
"dar ao simulador hiper-realista de nossas cabeças o controle de um simulador hiper-realista computadorizado faz com que algo de extrema importância esteja prestes a acontecer." (Howard Rheingold)

p. 34
"Todo corpo tem suas artificialidades, toda máquina tem suas virtualidades: são os agenciamentos sociais nos corpos e nas máquinas."
/
"Todas as culturas definem as formas de um real para além do real imediato, da atualidade, mas é a primeira vez na história da humanidade em que a realidade do aqui e agora se encontra imersa nas tramas de uma temporalidade maquínica."

p. 35
"Segundo Paul Virilio, chegaremos ao tempo em que não haverá mais campo de tênis, mas um campo virtual; não haverá mais corrida de bicicleta, mas um home-trainer, não haverá mais guerra, mas videogame; não haverá mais astronautas, mas tele-robôs: o espaço não se estenderá mais. O momento de inércia sucederá ao deslocamento contínuo, no dia em que todos os deslocamentos se concentrarão em um só ponto fixo, em uma imobilidade que não é mais a do não-movimento, mas a da ubiqüidade potencial, a da mobilidade absoluta que anula seu próprio espaço à força de o tomar tão transparente."
/
"toda a história da técnica, da invenção do fogo à invenção da roda, passando pela cadeira, automóvel, elevador e escada rolante, leva a uma sedentarização do corpo."

p. 38
"A neurose é constituída por imagens mentais petrificadas (espaço de interioridade) ou condicionamentos sensório-motores que nos impedem de ver as imagens que vêm de fora, quando a situação já mudou."

p. 39
"como extrair dos modelos cognitivos e das imagens-clichê que a cultura nos impõe — e que nos impede de ver as imagens que vêm de fora — imagens que nos dêem razão de crer no mundo em que nós vivemos?"

p. 40
"Cada cultura nos fornece uma verdadeira visão artificial, que nos faz penar e sentir o mundo em função de um complexo sistema de representação."

p. 41
"Quem um dia não se sentiu invadir por uma sensação de estranheza diante das coisas mais banais?"

p. 42
"O desafio daquele que produz imagens é justamente saber em que sentido é possível extrair imagens (jamais vu, pura exterioridade) dos clichês (déjà vu, pura interioridade), imagens que nos dêem razão para acreditar nesse mundo em que vivemos. Vivemos no mundo como numa realidade virtual, como se os acontecimentos não nos concernissem. Se tudo nos parece uma realidade virtual, se temos dificuldades em viver a história, é porque tudo parece já ter sido criado através de uma recreação interativa comunicacional."

p. 43
"no discurso do sofista, nos contadores de história, na perspectiva renascentista, no trompe-l'oeil, no cinema e no mundo que se descobre imagem-cérebro, que não tem mais nem dentro, nem fora."
/
"é como se o inconsciente tivesse deixado de ser apenas psicológico (Freud), econômico (Marx), corporal (Nietzsche), óptico (Benjamin), cognitivo (Bergson)".

p. 46
"Os casos aqui descritos de forma sucinta, o Sensorama, L'autobus, The legibie city, BrasMitte e Visorama, estão relacionados a uma mutação ocorrida ao longo dos séculos XIX e XX na visão do homem moderno, com o surgimento de novas formas de espetáculo que simulavam a mobilidade de um espectador que se faz observador (flaneur): o Panorama, o Diorama, o Moving picture, o Hale's tour, o Cineorama, ligados ao surgimento da experiência da construção da paisagem e do espaço urbano modernos,1 mas também a uma transformação radical do estatuto da imagem."

p. 57
"as tecnologias, novas ou velhas, são, antes de mais nada, fruto dos desejos e aspirações sociais, são sintomas, muitas vezes inconscientes, das culturas que as produzem."

p. 58
"o ciberespaço é a Arca de Noé de hoje, e como tal ela pode ser considerada tão inclusiva quanto excludente."

p. 59 a 60
"O cinema é, juntamente com a música e a literatura, uma arte em que a seqüencialidade temporal é determinante: o que seria um filme sem acontecimentos que se sucedem? Filmes como La glace a trois faces (Jean Epstein, 1927), Limite (Mário Peixoto, 1930), Rashomon (Akira Kurosawa, 1950) e Ano passado em Marienbad (Alain Resnais, 1961) exploram uma temporalidade na qual o que é vivido como sendo simultâneo (é o caso dos dois primeiros) e paradoxal (é o caso dos dois últimos) é representado seqüencialmente. Para que esta temporalidade representada fosse vivida plenamente seria necessário um cinema cujos acontecimentos pudessem se dar de forma não-seqüencial. Napoleão (1925), de Abel Gance, encontrou na tela tríplice uma solução que é ao mesmo tempo técnica e estética. Mais recentemente, tivemos dois outros filmes que enfrentaram esta questão: Smoking e No smoking (Alain Resnais, 1993) e Pillow book (Feter Greenaway, 1996)."

p. 60
"os sistemas de edição não-linear têm um papel estruturante e não mais apenas acessório."

p. 63
"a simulação é tão importante quanto a representação".

p. 64
"Cada dispositivo tecnológico veicula uma visão do mundo relativa à forma específica de modelagem do espaço e do tempo."

p. 68
"criação, mistura de esquecimento e lembrança do que lemos." (Jorge Luis Borges)
/
"o sonho de uma biblioteca universal, sem paredes, uma biblioteca de dimensões cósmicas que contenha todos os tesouros literários e científicos da humanidade."

p. 69 a 70
"A navegação é essa operação realizada pelo leitor que, partindo de qualquer ponto do texto, o permita passar desse ponto a qualquer outro, de modo a ler ou aprender apenas aquilo que no momento o interessa, criando seu próprio percurso, redirecionando intuitivamente o seu caminho, que a rigor tem infinitas possibilidades."

p. 70
"O hipertexto é um texto reticular, uma rede composta de nós que formam o seu tecido, cada um dos quais sendo a associação de palavras-chave (obras, autores, temas, conceitos) representados sob a forma de textos, imagens e sons."

p. 72
"Nossa cultura está tão habituada ao livro, que ele nos parece uma coisa absolutamente natural [...] é preciso dizer que o livro é uma técnica bastante complexa, que levou cerca de quinze séculos para se aperfeiçoar e se tornar o que é hoje."

p. 73
"Nos anos 60, Theodore Nelson inventou o conceito de Hipertexto para exprimir a idéia de um texto de dimensões cósmicas, informatizado, contendo todos os livros, incluindo imagens e sons, acessível à distância e navegável de forma não-linear."
/
"o mundo existe para chegar a um livro". (Mallarmé)

p. 75
"Os textos eletrônicos suscitarão novas modalidades de produção e difusão do texto, absolutamente distintas do texto impresso".
/
" Se a informática está reencenando a história e o destino da escrita é porque ela se tornou um potente meio de comunicação capaz não apenas de processar e difundir o texto junto com a imagem e o som, mas sobretudo de redistribuir as fronteiras que separavam o autor, o editor e o leitor, categorias que não existiam tão rigidamente antes da imprensa de Gutenberg e que talvez não sobreviverão a esse milênio que se encerra. Em relação a este ponto, Borges nos parece, aqui também, um precursor. Para ele, a Sagrada Escritura é o grande clássico da literatura fantástica e o paradigma de todo livro: por um lado, como todo livro que mereça ser lido, transcende o seu autor, uma vez que o autor é falível, enquanto no livro sagrado nada é casual. Por outro lado, o livro sagrado encerra múltiplos sentidos, uma vez que o sentido pertence a cada um de seus leitores, o que é fácil de admitir, se pensarmos que o autor da Sagrada Escritura e do destino de cada um dos leitores é o mesmo."

p. 76
"A inexistência de uma interação no contexto comunicacional, comum ao emissor (autor) e ao receptor (leitor), faz de qualquer texto um discurso em busca da objetividade (teórica, universalista) e da polissemia auto-referente (hipertexto)."
/
"todo texto difere de um outro menos pelo seu conteúdo do que pela forma como ele é lido, todo texto não é senão a leitura de um texto anterior, por vezes inexistente."

p. 78
"Em 1860, em uma de suas apresentações na Royal Society, Michael Faraday — o pai da eletricidade induzida — foi interpelado pela Rainha da Inglaterra, que ao final de sua apresentação lhe perguntou: "Tudo isto é muito interessante, Senhor Faraday, mas para que serve?". Consta que Faraday teria respondido: "Majestade, para que serve um recém-nascido?"."

p. 79
"Vivemos hoje a emergência de um novo espaço de produção da informação, um espaço em rede no qual a velocidade é um dos vetores que engendram enormes complicações, um espaço que ultrapassa a nossa capacidade de imaginação e que revela sentimentos antagônicos de êxtase e de temor".
/
"O conexionismo generalizado da sociedade das redes de computadores criou novas formas de espaço e tempo, um espaço e um tempo topológicos, complexos, flutuantes, indefinidos, rizomáticos."

p. 80
"Idealmente, um hipertexto é: // - um método intuitivo de estruturação e acesso à base de dados multimídia; // - um esquema dinâmico de representação de conhecimentos; // - um sistema de auxílio à argumentação; // - uma ferramenta de trabalho em grupo."

p. 81
"o hipertexto se diferencia do livro menos pelo seu conteúdo do que pela forma como aprofunda o processo de artificialização da leitura."

p. 81 a 82
"duas tendências orientam o enciclopedismo desde os tempos mais remotos: uma via associativa (representada pelo índex) e uma via hierárquica (representada pelas classificações sistêmicas e as referências). Em cada uma destas vias a relação entre o conhecimento e seus objetos é diferente. A imagem genealógica da árvore de conhecimento designa uma adequação perfeita entre os objetos do conhecimento, o mundo e a ordem da representação, a enciclopédia. A imagem marítima instaura uma distância, uma arbitrariedade, entre o campo da realidade e os instrumentos que levam ao seu conhecimento. Com o hipertexto, é como se a primeira via, associativa, tivesse ganho provisoriamente a batalha: a imagem mais freqüente que designa a prática do seu leitor não é a da navegação?"

p. 82
"Trata-se de um espaço heterotópico, no qual as coisas são dispostas de tal forma que solapam a linguagem ou a sintaxe que autoriza manter juntas as palavras e as coisas. A heterotopia tem o poder de justapor em um único lugar uma multiplicidade de pequenos domínios granulosos ou fragmentários que são incompatíveis entre si."

p. 82 a 83
"a via associativa, rizomática, arruina a tripartição entre um campo de realidade, o mundo, um campo de representação, o livro, e um campo de subjetividade, o autor. O hipertexto produz uma conexão entre essas instâncias".

p. 83
"o hipertexto pode ser pensado tanto como uma ruptura quanto como uma continuidade com o universo do livro. Tudo vai depender de saber se o acento recai sobre o sistema de estruturação e recuperação de informação ou sobre a forma processual, que no hipertexto é multissensorial, dinâmica e interativa."

p. 84
"Se Gutenberg criou um meio de reproduzir, a partir de um texto, milhares de fac-símiles, as tecnologias eletrônicas oferecem meios de criar variações infinitas a partir de um mesmo material."
/
"A evolução contemporânea da informática constitui uma espécie de materialização técnica dos ideais modernos de apropriação dos meios de produção pelos produtores eles mesmos. Os computadores pessoais ligados em rede colocam à disposição dos indivíduos as principais ferramentas da atividade produtiva: criação, produção e difusão de informação, aquisição e produção de conhecimento. Ao unir em um mesmo indivíduo as tarefas, até então separadas, da escrita, edição e distribuição, o texto eletrônico anula as diferenças que antigamente separavam os papéis intelectuais e as funções sociais. É uma verdadeira revolução, pois cada um de nós pode ser o editor, o produtor, o difusor de suas próprias mensagens, em contraste com o sistema concentrador das mídias de massa, segundo o qual uns produzem e outros recebem passivamente."
/
"para que o livro se tornasse o primeiro meio de comunicação de massa e o principal dispositivo do pensamento científico e, porque não dizer, o primeiro sistema de ensino à distância".

p. 85
"Nunca o livro e a leitura estiveram tão vivos. Entretanto o livro eletrônico, hipertextual, introduz três vetores totalmente novos que devem ser levados em conta: 1) a velocidade da transmissão e recuperação dos textos aumenta enormemente; 2) o leitor pode se inserir na escritura, interagir, transformar, traduzir, imprimir, enfim, ele pode mapear o texto utilizando cartas dinâmicas que lhe permitam interrogá-lo de forma jamais vista; 3) ele pode ainda criar textos em grupo utilizando os sistemas de groupware, Para resumir, ele tem muito mais controle sobre o texto, e este controle é feito com precisão e velocidade."

p. 86
"Enquanto vigorou a escrita contínua, usada pelos gregos e romanos, era muito difícil ler rápido, porque o texto era praticamente indecifrável. A separação das palavras, que começou na Idade Média, foi uma primeira grande conquista. Depois velo toda a pontuação, devido à sua importância para a legibilidade. Somente por volta dos séculos XVI e XVII é que surge a pontuação gramatical. Antes o que havia era uma pontuação de retórica, oralidade. Com o tempo vai ocorrendo uma adequação à nova leitura silenciosa".

p. 87
"ler um texto é reencontrar os gestos têxteis que lhe deram o nome. Ler consiste em selecionar, resumir, hierarquizar, esquematizar, tendo em vista a construção de uma rede de relações internas e externas ao texto — intertextualidade. Todo texto se reporta a outros textos, mas também a uma imensa reserva flutuante de signos, imagens e desejos que nos constituem e que contribuem para a construção de seu sentido."
/
"é a leitura que constrói o texto."

p. 88 a 89
"Como De Certeau mostrou muito bem, a ideologia das Luzes queria que o livro fosse capaz de reformar a sociedade e a nação. Este mito da Educação inscreveu uma teoria do consumo na política cultural. Pela lógica do desenvolvimento técnico e econômico que ela mobilizou, esta política conduziu ao sistema atual da difusão que inverteu a própria ideologia das Luzes: os meios de difusão se tornaram mais importantes do que as idéias difundidas."

p. 89
"A idéia de uma produção da sociedade por um sistema escrito teve como corolário a convicção de que o público é modelado pelo escrito. Supõe-se que assimilar significa necessariamente se tornar semelhante ao que se absorve, e não tornar semelhante ao que se é, fazê-lo seu, apropriar-se dele, reapropriar." (Michel de Certeau)

p. 90
"Ler é peregrinar em um espaço ou sistema imposto (análogo aos espaços urbanos, aos supermercados). Análises recentes mostram que toda leitura modifica seu objeto e que (como Borges já dizia) uma literatura difere de outra menos pelo seu texto do que pela forma como é lida."
/
"O leitor lê no texto algo que difere da intenção do autor. Ele desloca o texto de sua origem, acessória ou perdida. Ele combina os fragmentos e os rearticula no espaço que organiza suas capacidades de produção em uma pluralidade indefinida de significações."

p. 91 a 92
"Em 1588. O engenheiro italiano Agostino Ramelli descreve uma engenhosa e bela máquina de leitura, muito útil e eficiente para aqueles que queriam ler uma grande quantidade de texto sem sair do lugar."

p. 92 a 93
"Espero firmemente não ter leitor seguido. Seria ele quem poderia me fazer fracassar e me despojar da celebridade que mais ou menos desajeitadamente procuro escamotear para alguns de meus personagens. E o fracasso é um luzimento que não assenta bem na minha idade. // Ao leitor que pula páginas me dirijo. Asseguro-te que leste todo o meu romance sem te dares conta, te tornaste leitor seguido à tua revelia, à medida que vou te contando tudo dispersamente e antes de iniciar o romance. Comigo, o leitor que salta é quem mais se arrisca a ler seguido. // Quis te distrair, não te corrigir, porque és o leitor sábio, pois pratica a entreleitura, a que mais forte impressão lavra, de acordo com minha teoria de que personagens e acontecimentos apenas insinuados, habilmente truncados, são os que mais se inscrevem na memória. // Dedico-te meu romance, Leitor que salta; me agradecerás uma nova sensação: a de ler seguido. Em revanche, o leitor seguido terá a sensação de uma nova maneira de saltar as páginas: a de seguir o autor que salta." (Macedônio Fernandez)

p. 93
"- no livro ideal abundam multas redes que atuam sem que nenhuma delas se imponha às demais; // - o livro se torna uma galáxia de significantes e não uma estrutura de significados; // - não tem princípio, mas diversas vias de acesso, sem que nenhuma delas possa ser qualificada como principal; // os códigos que mobiliza se estendem até onde a vista alcança, são intermináveis; // os sistemas de significado podem se impor a este texto absolutamente plural, mas o seu número é ilimitado, uma vez que está baseado em uma infinidade de linguagens." (Roland Barthes)

p. 94
"Princípio de conexão: qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo. No rizoma, as conexões se fazem por proximidade, por vizinhança."

p. 94 a 95
"algumas possibilidades de relação entre os diversos módulos ou partes de um texto. // Não-linearidade: no hipertexto eletrônico, ao contrário dos textos impressos, a ordem dos módulos do texto é arbitrária e pode ser permutada ou combinada, seja em função do percurso do leitor, seja em função de um agente cibernética, que as combina aleatoriamente. Este tipo de procedimento foi amplamente empregado pela literatura combinatória explorada pelas vanguardas artísticas que vão do Dadaísmo ao Letrismo. // Multilinear: em um texto estático, os módulos podem mudar de ordem, mas permanecem idênticos. Em um texto dinâmico, os módulos podem mudar, ou seja, seu conteúdo pode mudar de acordo com o percurso do leitor. // Temporalidade: os módulos podem se transformar, seja em sua ordem, seja em seu conteúdo, dependendo da interação com o usuário. // Interatividade: existem pelo menos dois tipos de interatividade: a primeira depende das diversas formas de relação hipertextual, que podem ser explícitas, implícitas ou arbitrárias. Uma segunda forma de interatividade se faz em função das possibilidades que o sistema oferece ao usuário para interferir e transformar o texto: neste caso, em que o leitor se torna co-autor do texto, podemos falar em interatividade forte. // Enquanto que a não-linearidade pode ser plenamente realizada em um texto impresso, pela leitura, a multilinearidade, a temporalidade e a interatividade plena dependem de sistemas hipertextuais dinâmicos que utilizam complexos sistemas de cálculos booleanos e probabilísticos combinados com a semântica estrutural."

p. 95
"Princípio de heterogeneidade: o segundo princípio revela que as cadeias semióticas não são de natureza exclusivamente lingüística, ou seja, da ordem do significante. Uma cadeia semiótica é como um tubérculo que aglomera atos muitos diversos, lingüísticos, mas também perceptivos, gestuais, cognitivos. A rede hipertextual provoca uma hibridização entre as diversas mídias utilizadas."

p. 96
"Como explicar a resistência à apropriação dos documentos audiovisuais no empreendimento das enciclopédias e bibliotecas do século XX? Tudo leva a crer que grande parte da dificuldade está relacionada com a natureza mesma do audiovisual. Por seu caráter analógico e por não comportar unidades determináveis que possam ser combinadas — em outras palavras, por sua linearidade e ausência de codificação de suas unidades —, o audiovisual não se deixa enquadrar facilmente por um sistema de indexação que é essencialmente combinatório e não-linear."

p. 97
"virtual, pois ele é a condição de toda existência sem ser ele próprio jamais atual enquanto tal."

p. 97 a 98
"não há mais uma tripartição entre um campo de realidade, o mundo, um campo de representação, o livro, e um campo de subjetividade, o autor, mas um agenciamento põe em conexão estas instâncias em suas multiplicidades irredutíveis."

p. 98
"o hipertexto é fractal, ou seja, cada nó da rede hipertwual é apenas uma atualização possível entre outras, cada nó é potencialmente uma outra rede, ao infinito."
/
"A multiplicidade pode ser explicitada como uma multitemporalidade. Vivemos na era das redes hipertextuais, em que o tempo se contrai e se expande. O tempo, hoje, é, paradoxalmente, um tempo de máxima concentração, pontual, e de máxima expansão, multitemporal. Ora o aqui e agora e o instantâneo real, ora a multitemporalidade, ou seja, uma temporalidade complexa dos fluxos de comunicação que arruinam o aqui e agora. O conexionismo generalizado tende uma de suas faces para os pontos ou nós da rede e uma outra face para as suas múltiplas conexões."

p. 101
"A informação permite resolver de forma prática — através das operações de seleção, de extração, de redução — a contradição entre a presença em um lugar e a ausência desse lugar."

p. 102
"A rede é a imobilidade necessária para recolher o que deve nela transitar. A grande questão é: onde estão os fenômenos? Para os realistas eles estão na natureza, nas extremidade das redes, e podem apenas ser tocados com os dedos. Para os pós-modernos, os fenômenos estão cada vez mais nas redes, eles são os signos mesmos, auto-referentes. Como separar os signos do mundo, ou melhor, o mundo dos signos?"

p. 103 a 104
"o pensamento de hoje pode ser qualificado de integrativo (intuitivo, não analítico, holístico, não-linear) por oposição a um pensamento auto-afirmativo (racional, analítico, reducionista, linear), se os valores podem ser ditos integrativos (integração, conservação, cooperação, qualidade) por oposição aos valores auto-afirmativos (dominação, expansão, essência, competição, quantidade)".

p. 104
"segundo Einstein, três grandes bombas haviam explodido em nosso século: a bomba atômica, a bomba demográfica e a bomba da informação."

p. 105
"As teorias científicas e artísticas contemporâneas não pensam mais a realidade em grupos de diferentes objetos, separados de nós, mas em grupos de diferentes integrações que incluem o observador."
/
"Hoje a razão se assemelha muito mais a uma rede de comunicação, uma rede telemática, do que às idéias platônicas."

p. 106
"As teorias são apenas a pequena parte que emerge do grande iceberg. A parte mais importante são as práticas e a enorme rede sociotécnica mobilizada. Estatísticas mostram que a ciência fundamental é a combinação de 90% de savoir-faire que mobiliza uma rede enorme e 10% de intuição e teoria."

Elaborado por Eduardo Loureiro Jr. em novembro de 2000

http://www.patio.com.br/labirinto