GT 21

FABIANO DOS SANTOS (doutorando)

Universidade Federal do Ceará — UFC

fabiano@patio.com.br

 

O LABIRINTO DA EXPERIÊNCIA

 

O Site Experimental Labirinto é uma produção hipertextual do Projeto de Doutorado em Educação “Labirinto: me encontro nas coisas perdidas do mundo” que tem por objetivo pesquisar a forma como visitantes (educandos virtuais) interagem com os conteúdos (textos, imagens e sons). O projeto é composto por três pessoas: Andréa Havt Bindá, Eduardo Loureiro Junior e Fabiano dos Santos que analisam o labirinto como metáfora do conhecimento, respectivamente, nas abordagens do diálogo, da não-linearidade e da experiência. A produção e o resultado desse site será a versão eletrônica da tese. Nesse artigo tento analisar a navegação no site como construção de conhecimento a partir do conceito de experiência. O site pode ser visitado através do endereço http://www.labirinto.art.br.

 

Do navegar

Carrego meus primórdios num andor.
Minha voz tem um vício de fontes.
Eu queria avançar para o começo.
Chegar ao criançamento das palavras.
Lá onde elas ainda urinam na perna.
Antes mesmo que sejam modeladas pelas mãos.
Quando a criança garatuja o verbo para falar o que
Não tem.
Pegar no estame do som.
Ser a voz de um lagarto escurecido.
Abrir um descortínio para o arcano.
(Manoel de Barros — Livro sobre nada)

O labirinto está sempre aberto. Você está sempre dentro dele. Eis uma imagem de pensamento razoável para começar. Mas como se entra num labirinto se você já está dentro dele? Há uma porta principal? Há um abismo na porta principal? Há uma porta sequer? Há um fio ou um mapa disponíveis na entrada para o viajante?

Passaram-se luas e sóis. Passou tempo e temporada. E agora, o que será o labirinto de Creta diante de um labirinto eletrônico? Qual deles é o real? Qual deles é o virtual?[1]

Labirinto de Creta. Quem o fez? Dédalo ou Teseu? Ariadne ou o Minotauro? Foi o mito que o fez? Labirinto eletrônico. Quem o faz? O webmaster ou o percurso do navegante? Foi o mito da pós-modernidade que o fez?

Seja quem for, a questão é pensar se o labirinto está pronto a priori ou se é espaço-tempo-mental construído a cada passo ou a cada palavra pensada, escrita, digitada. Pensar se o labirinto é um saber cumulativo pronto para ser acessado e assimilado nos sites da internet ou se é um saber que se constrói no processo da viagem, da navegação e da aventura do conhecimento.

Navegação![2] Palavra que talvez nos faça pensar sobre a dimensão da experiência na produção do Site experimental Labirinto. Onde estou quando navego na internet? Onde estão meus pés? Por onde anda minha cabeça? Noutras palavras, como posso vivenciar o espaço virtual — o ciberespaço? A navegação nesse espaço garante uma experiência não-linear e hipertextual ou depende das atitudes e dos percursos do navegante?[3] Que experiências posso extrair dessa navegação como construção de conhecimentos e como leituras e criações de mundo, que ultrapassem uma construção e assimilação linear e cumulativa do conhecimento?

 

Do hipertexto

Quando penso na idéia de hipertexto logo me vem à cabeça o livro O jogo da amarelinha de Julio Cortázar. Já faz algum tempo que estou lendo esse livro e confesso que não tenho a menor idéia de quando nem de como terminar sua leitura. Não é pelo número de páginas — 640. A densidade do livro não se encontra apenas na narrativa, mas na estrutura dessa narrativa:

“À sua maneira, este livro é muitos livros, mas é, sobretudo, dois livros. O leitor fica convidado a escolher uma das seguintes possibilidades:

O primeiro livro deixa-se ler na forma corrente e termina no capítulo 56, ao término do qual aparecem três vistosas estrelinhas que equivalem à palavra Fim. Assim, o leitor prescindirá sem remorsos do que virá depois.

O segundo livro deixa-se ler começando pelo capítulo 73 e continua, depois, de acordo com a ordem indicada no final de cada capítulo. Em caso de confusão ou esquecimento, será suficiente consultar a seguinte lista:

73 — 1 — 2 — 116 — 3 — 84 — 4 — 71 — 5 — 81 — 74 — 6 — 7 — 8 — 93 — 68 — 9 — 104 — 10 — 65 — 11 — 136 — 12 — 106 — 13 — 115 — 14 — 114 — 117 — 15 — 120 — 16 — 137 — 17 — 97 — 18 — 153 — 19 — 90 — 20 — 126 — 21 — 79 — 22 — 62 — 23 — 124 — 128 — 24 — 134 — 25 — 141 — 60 — 26 — 109 — 27 — 28 — 130 — 151 — 152- 143 — 100 — 76 — 101 — 144 — 92 — 103 — 108 — 64 — 155 — 123 — 145 — 122- 112 — 154 — 85 — 150 — 95 — 146 — 29 — 107 — 113 — 30 — 57 — 70 — 147 — 31 — 32 — 132 — 61 — 33 — 67 — 83 — 142 — 34 — 87 — 105 — 96 — 94 — 91 — 82 — 99 — 35 — 121 — 36 - - 37 — 98 — 38 — 39 — 86 — 78 — 40 — 59 — 41 — 148 — 42 — 75 — 43 — 125 — 44 — 102 — 45 — 80 — 46 — 47 — 110 — 48 — 111 — 49 — 118 — 50 — 119 — 51 — 69 — 52 — 89 — 53 — 66 — 149 — 54 — 129 — 139 — 133 — 140 — 138 — 127 — 56 — 135 — 63 — 88 — 72 — 77 — 131 — 58 — 131”.[4]
(Julio Cortázar— O Jogo da Amarelinha)

O fato é que o leitor não precisa, necessariamente, consultar a tal lista. No final de cada capítulo, a numeração é repetida no pé das páginas. O movimento de uma direção para outra — do capítulo 142 para o 34 — consiste em folhear o livro à procura da página que corresponde ao capítulo indicado. Esse movimento confunde o leitor. É como se o vento produzido pelas folhas do livro fosse uma travessia, um novelo que liga um lugar a outro, que liga um lado a outro lado. Essas duas dimensões estão presentes na própria estrutura narrativa do livro que é composto por duas partes: “Do lado de lá” e “De outros lados”.

Publicado em 1963, O jogo da amarelinha é — para muitos críticos de literatura — um livro que rompe com a estrutura tradicional do romance, marcada pela linearidade. Possibilitando, assim, uma leitura em várias direções. Permitindo ao leitor estabelecer ligações cruzadas entre os capítulos do livro. É como se o leitor estivesse jogando amarelinha. Saltando do número 3 para o número 7. É como se o livro fosse jogo e brinquedo. É como se cada leitor criasse o seu próprio texto. É como se o livro fosse um labirinto. É como se fosse uma experiência hipertextual. É como se fosse.

Mas, o que é um hipertexto?[5] O que é uma experiência hipertextual? Seria uma experiência restrita ao recurso tecnológico da informática ou seria uma postura teórica e vivencial da construção do conhecimento? Trata-se de um experimento textual realizado no computador ou de um modo de conceber a produção de significados e a organização do conhecimento como algo aberto e não-linear?

Nessa perspectiva, podemos perceber O jogo da amarelinha de Julio Cortázar como uma experiência hipertextual, escrita numa estrutura labiríntica, ou seu formato convencional de páginas impressas não nos permite fugir do formato linear? Sua arquitetura muda a relação entre autor e leitor ou ainda persiste a primazia do escritor na autoria do texto?[6]

            Há um limite na estrutura narrativa proposta por Cortázar: ao mesmo tempo que nos possibilita uma leitura em várias direções, é ele, o autor, quem estabelece a ordem e seqüência da leitura. Mas, se o leitor transgredisse essa ordem e criasse, ele próprio, a sua seqüência, haveria dessa forma uma maior interatividade, ou ainda seria mantido um distanciamento entre o autor e seu leitor? Penso que essas questões abrem caminhos para analisarmos uma outra dimensão do hipertexto e de sua realização no Site Experimental Labirinto: o sentido de perceber o leitor como produtor de textos. O navegante como produtor de conhecimentos. Como aquele que escreve enquanto lê, reescrevendo o texto, alterando seus significados e criando suas próprias interpretações, independente das intenções e da seqüência estabelecida pelo autor.

Nos parece que a noção do leitor como produtor de textos é uma idéia que vem antes do hipertexto eletrônico. Ou o hipertexto seria uma novidade absoluta surgida com a tecnologia da informática? Enquanto leio um texto impresso, os meus trajetos não são os mesmos de outros leitores. Sendo assim, a leitura pode ser uma experiência que se abre em múltiplas direções e sentidos. Fazemos conexões com outras leituras, entrelaçamos textos com outros textos e com outras experiências, criando, por parte do leitor, um movimento de leitura e de escrita ao mesmo tempo. Autores como Roland Barthes e Julia Kristeva, na década de 60, desenvolveram a noção de intertexto: que é o ato de tecer, entrelaçar, absorver e transformar textos em outros textos.

É no contexto do ciberespaço que estamos realizando o Site Experimental Labirinto. Ele se apresenta como uma tentativa de experimentação hipertextual, interativa, dialógica, não-linear e interdisciplinar. Onde o conhecimento não está construído a priori.

O labirinto eletrônico não se apresenta como um texto rígido, fechado, pronto para ser transmitido e assimilado através da rede de computadores. Ele se dispõe como um texto flexível, aberto às demandas do navegante. Como um terreno de bifurcações, veredas, sinuosidades, pluralidade, tramas, conexões que possibilitam uma nova forma de construção do conhecimento e de textualidade que vai além da estrutura linear de ler/escrever um texto. Que vai além da autoria e da propriedade intelectual centrada na figura de um único autor.[7] Que pode ir além da estrutura tradicional de um ensino-aprendizagem com esquemas de interpretação pré-montados e fechados de ler o mundo.

Nesse caminho, a construção do conceito de hipertexto nos instiga a pensar e vivenciar uma experiência fora de uma estrutura e formação linear, na medida que mostra ramificações, bifurcações, conexões, interseções, de uma coisa com outras coisas, de um saber com outros saberes numa nova textualidade aberta e com ausência de hierarquias. Num ambiente que promete construção e desconstrução, aventura e destruição ao mesmo tempo que possibilidades de novas significações. O hipertexto é um texto fugaz e provisório. Ele é perenemente inacabado. O fim do percurso de um navegante solitário não é o fim do texto nem do conhecimento. O texto está sempre se entretecendo numa multiplicidade de vozes, produzida por vários autores — tantos quantos sejam os navegantes.

            Diante disso, fica uma interrogação: o hipertexto eletrônico, garante por si só, como tecnologia da informática, uma postura dialógica, não-linear, interativa e criadora do conhecimento ou depende da atitude — experiência vivenciada — do navegante nesse espaço virtual? É do ponto de vista da dimensão da experiência que pretendemos analisar o Site Experimental Labirinto.

 

Do inacabado

            — Kaspar meu filho, se ainda tem algo no coração, diga agora, eu lhe peço — fala o reverendo no leito de morte de Kaspar Hauser.

            — Ainda há... uma história... da caravana... e do deserto. Mas eu só sei o começo.

            — Não tem importância. Conte-nos sua história, mesmo que não saiba o fim.

            Kaspar abre os olhos como se os fechassem e começa a contar...

            — ... Vejo uma longa caravana vindo pelo deserto. Ela o atravessa. E, nesta caravana... vejo que há um homem, um velho berbere que a guia. E eu sei que ele não enxerga. É cego.

             Agora, a caravana parou... pois alguns deles acham que se perderam... porque se depararam com as montanhas. Eles consultam a bússola e não compreendem. Aí o guia cego pega um punhado de areia... e o prova, como se fosse comida.

            “Meus filhos”, diz o cego... “vocês estão errados. O que está diante de vocês não são montanhas... e não passa de imaginação. Prosseguiremos pelo norte”.

            E então eles prosseguiram sem discussão... mais longe... e aí se desenrola a história. Mas a verdadeira história nesta cidade... eu não sei.
(O Enigma de Kaspar Hauser — filme de Werner Herzog)

Essa cena nos remete à imagem espacial do labirinto. Para Jorge Luis Borges (1998), o deserto é a imagem perfeita do labirinto. “Onde não há escadas a subir, nem portas a forçar, nem cansativas galerias a percorrer, nem muros que te vedem o espaço”. Nem por isso é mais fácil sair desse labirinto a céu aberto.

Mas a cena não nos revela apenas uma visão do deserto e do labirinto. Ela nos remete também a uma possível maneira de percorrê-lo e explorá-lo. De pensarmos nas atitudes de exploração do navegante no Site Experimental Labirinto e de como esse espaço se constituiu na experiência da navegação.

— Ainda há... uma história... da caravana... e do deserto. Mas eu só sei o começo.

— Não tem importância. Conte-nos sua história, mesmo que não saiba o fim.

Contar uma história sem saber um fim determinado é como escrever e percorrer um texto inacabado. É como ler As mil e uma noites, as mil e uma histórias infinitas que são tecidas como uma colcha de retalhos, entretecendo uma história nas outras. É como realizar uma experiência hipertextual — uma textualidade aberta, inacabada, que pode ser constituída por vários trajetos e sentidos ao longo do processo de criação. Contar uma história sem saber o seu fim é como entrar num labirinto.

 

Do limiar

 “Oh, Kitty, como seria bom se pudéssemos atravessar para a Casa do Espelho. Tenho certeza de que nela, oh! há tantas coisas bonitas! Vamos fazer de conta que é possível atravessar para lá de alguma maneira, Kitty. Vamos fazer de conta que o espelho ficou todo macio, como gaze, para podermos atravessá-lo. Ora veja, ele está virando uma espécie de bruma agora, está sim! Vai ser bem fácil atravessar...”
(Lewis Carrol — Através do Espelho e o que Alice encontrou por lá)

Há um portal[8] no Site Experimental Labirinto. Ao chegar nele, o navegante vai se deparar com três possibilidades para adentrá-lo: como usuário cadastrado, como novo usuário ou como convidado. Essa entrada não é uma forma de empecilho. Ela funciona como um limiar, como uma passagem de um mundo para outro. Uma névoa fácil de atravessar. Tal qual Alice atravessando o espelho. Depois de atravessar esse limiar, surge uma tela sem nenhuma identificação de texto, imagem ou som:

O navegante se vê diante de um campo em branco que não indica nenhuma seqüência nem ordena nada. O que há é um silêncio que pode mobilizar uma ação interna, interrogativa, que solicita uma palavra geradora — criar o mundo do nada, apenas usando a palavra. Para seguir caminho ele terá que digitar uma palavra ou uma frase.[9] A palavra aqui assume uma força realizadora e detém um poder encantatório. Nessa perspectiva, o labirinto encarna a dimensão maravilhosa da linguagem da infância e o espírito dos contos infantis. Ao digitar uma palavra ou uma frase, é como se o navegante estivesse pronunciando um “Abre-te, Sésamo” ou um “Abracadabra”.[10] É como se Alice já estivesse do outro lado do espelho ou como se Teseu já estivesse percorrendo as sinuosidades do Labirinto de Creta.

 

Do viajar       

Não haverá nunca uma porta. Estás dentro
E o alcácer abarca o universo
E não tem nem anverso nem reverso
Nem externo muro nem secreto centro.
Não esperes que o rigor de teu caminho
Que teimosamente se bifurca em outro,
Que teimosamente se bifurca em outro,
Tenha fim.
(J.L. Borges — Labirinto, em Elogio da Sombra, 1969)

O navegante do site não conhece de antemão nem o começo nem o meio nem o fim do labirinto. A experiência hipertextual é construída a partir dos interesses e dos trajetos de cada pessoa.[11] Sendo assim, cada palavra ou frase digitadas expressam esse princípio: o hipertexto não está centrado na arquitetura virtual do site. Seu foco depende do movimento — sempre atual e presente — do navegante. É ele o autor do hipertexto. É ele quem cria sua própria aventura e sua história no espaço virtual.

Por outro lado, como diria Borges, o labirinto é um edifício feito para confundir os homens. O nosso site não poderia fugir desse princípio labiríntico. Portanto, essa aventura não se dá de maneira linear e pré-determinada. Entrar num labirinto é enveredar-se por suas bifurcações, encruzilhadas, sinuosidades, simetrias, conexões que podem nos levar a um lugar que não era exatamente aquele que esperávamos, desejávamos ou imaginávamos.

O site tem uma formatação baseada numa ausência de hierarquia e de centro. Os objetos apresentados ao navegante são escolhidos aleatoriamente a partir da lista de resultados da busca, sem preferência por relevância em relação aos termos utilizados na busca. Uma mesma palavra ou frase digitada gerará, sempre, uma combinação diferente de texto, imagem e som. Sua estrutura móvel e sem pontos fixos e isolados nos instiga a pensar na figura da rede como metáfora do conhecimento, tal como desenvolve Capra (1991): “Agora, estamos mudando da metáfora do conhecimento enquanto construção para a metáfora do conhecimento enquanto rede, uma rede na qual tudo está interligado. Não há um acima e um abaixo; não há hierarquias; não há algo que seja mais fundamental do que qualquer outra coisa”.[12]

Dessa perspectiva, o Site Experimental Labirinto se apresenta tal qual A casa de Astérion: “Todas as partes da casa existem muitas vezes, qualquer lugar é um outro lugar. Não há uma cisterna, um pátio, um bebedouro, um pesebre; são catorze (são infinitos) os pesebres, bebedouros, pátios, cisternas. A casa é do tamanho do mundo; ou melhor, é o mundo”. (Borges, 1998: 663)

Sendo assim, o labirinto não está pronto. Nunca está pronto. Não esperes que o rigor de teu caminho / Que teimosamente se bifurca em outro, / Que teimosamente se bifurca em outro, / Tenha fim. Ele é um espaço que se desdobra diante dos passos de quem o percorre, de quem o navega, de quem o deriva, de quem o explora.

Pierre Rosenstiehl fixa três traços distintos de exploração em um labirinto. O primeiro traço é a fascinação que o labirinto irradia pelo seu apelo à exploração, o segundo é o explorar com o caminhar, sem mapa e à vista desarmada enquanto o terceiro traço é a inteligência astuciosa, calculista, onde o viajante caminha até o fim amparado pelo fio de Ariadne.[13]

A partir desses traços, podemos também perceber o Site Experimental Labirinto como lugar de exploração. Nele existe um menu escondido. Para descobri-lo o navegante precisa ter uma atitude de exploração, de percorrer o mouse por toda a parede virtual do site, como se estivesse tateando as paredes de um labirinto real. Nesse menu ele vai encontrar alguns botões: Voltar, Avançar, Nova Busca, Aleatório, Conversa, Inserção e Comentários.[14] Outro botão, esse bem visível, é o de Fechar. Teclando nele, o visitante vai encontrar a seguinte mensagem: “Essa é a saída convencional de um programa de computador. A saída do labirinto não é tão fácil assim”. Diante disso, ele tem duas opções, procurar a saída ou sair de maneira convencional, voltando assim, para a página inicial do site. Optando por procurar a saída, o visitante permanece na mesma página, restando-lhe agora a retomada por uma atitude de exploração. O botão de Saída é o desenho de uma espiral que vai sumindo da tela à medida que o navegante vai explorando o labirinto. Clicando nele, o navegante recebe, na forma de uma nova página, um mapa de seu percurso. O mapa contém uma listagem de todos os objetos apresentados com suas características, bem como o tempo em que o viajante permaneceu diante de cada objeto e uma descrição de suas ações de clique e escrita. Uma cópia desse mapa é enviada para os pesquisadores.

A experiência com o labirinto é o caminhar. É a travessia. É a metáfora da viagem. É um processo de aprendizagem e de formação que se constitui nos trajetos da própria viagem.[15] Nesse percurso, caminhar é a mesma coisa que se aventurar numa viagem movida pela fascinação pelo desconhecido. Onde o navegante pode ser absorvido por um espírito de exploração mais profunda. Noutras palavras, o labirinto só é possível a partir da experiência. Sem essa dimensão, o navegante não sairia da primeira página do site.

Pensar a experiência é pensar a transformação. A experiência é um ato de metamorfose. E essa metamorfose se dá no processo de exploração. Ao entrar no labirinto, Teseu começa a configurá-lo de uma outra maneira além da arquitetada por Dédalo. Ele se transforma e é transformado pelo labirinto. Teseu sai um outro homem e o labirinto torna-se um outro labirinto.

Quem faz o labirinto é o navegante. Sem ele, não existiria sua arquitetura, o terreno é um espaço que se desdobra diante de seus passos e dos livres trajetos. Trata-se de um movimento, de uma reação de um corpo sobre outro: o corpo do navegante e o corpo do labirinto.

É nessa relação e alteração simultâneas no agente do conhecimento e na coisa conhecida, que o site se apresenta como uma experimentação hipertextual — um modo de conceber a produção de significados e a construção do conhecimento como algo plural, inacabado, provisório, não-linear, multilinear, sem hierarquias, aberto às demandas do navegante.

 

NOTAS



[1] A palavra virtual é entendida aqui nos termos desenvolvidos por Pierre Lévy: “A rigor, em termos filosóficos, o virtual não se opõe ao real, mas ao atual. É virtual toda entidade desterritorializada capaz de gerar diversas manifestações concretas em diferentes momentos e locais determinados, sem contudo estar ela mesma presa a algum lugar ou tempo em particular. No centro das redes digitais, a informação certamente se encontra fisicamente situada em algum lugar, em determinado suporte, mas ela também está virtualmente presente em cada ponto da rede onde seja pedida”. Lévy, Pierre. Cibercultura. Rio de Janeiro; Editora 34, 1999, pág. 47,48.

[2] Pierre Lévy caracteriza duas atitudes de navegação ou formas de percurso no ciberespaço: A primeira é a caçada. Procuramos uma informação precisa, que desejamos obter o mais rapidamente possível. A segunda é a pilhagem. Vagamente interessados por um assunto, mas prontos a nos desviar a qualquer instante de acordo com o clima da memória, não sabendo exatamente o que procuramos, mas acabando sempre por encontrar alguma coisa". Lévy, Pierre. Cibercultura. Rio de Janeiro; Editora 34, 1999, p.85.

[3] Utilizo o termo navegante por achar mais de acordo com a metáfora da viagem. Pode ser também apenas viajante ou leitor/navegante. Outros autores utilizam os termos “usuário”, “visitante” ou “leitor”. Navegar é viajar sobre a água, a terra, a atmosfera, o espaço cósmico ou mental. Assim, pensamos os percursos do navegante da internet como trajetos de uma viagem de formação.

[4] Cortázar, Julio. O jogo da amarelinha./ tradução de Fernando de Castro Ferro. — 6.ª ed. — Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999; p. 5.

[5] É muito instigante a maneira como Maria Helena Pereira Dias aborda a noção de hipertexto em seu trabalho. Vejamos: “Lançando um rápido olhar sobre o hipertexto nós podemos visualizá-lo como: efêmero em suas manifestações, desprovido de limites ou partes definidas, desenvolvido de forma multilinear de maneira a possibilitar a passagem instantânea da parte ao todo e vice-versa, sem que nenhuma das partes se sobreponha às outras. Um hipertexto apresenta-se composto por textos verbais e não verbais, como imagens e sons, possuindo diversificado aparato paratextual na forma de referências, gráficos, remissões, bancos informacionais, tudo isso demandando um suporte tecnológico cujo acionamento se faz ao simples toque de um elemento eletrônico de ligação. Maria Helena Pereira Dias. Encruzilhadas de um labirinto eletrônico: uma experiência hipertextual. In: http://www.unicamp.br/~hans/mh/principal.html.

[6] Mesmo indicando a seqüência e o percurso da leitura, a obra de Cortázar nos possibilita vivenciar múltiplos percursos através de um único texto. Se O jogo da amarelinha não é por inteiro uma experiência hipertextual, se apresenta como precursor e inspirador para pensarmos a noção da hipertextualidade no ciberespaço ou além dele. Como desafio, fica a sugestão de uma edição eletrônica (versão online) do livro. Uma edição aberta para o leitor escolher seus próprios trajetos através de uma interação entre leitura e escrita de maneira não linear (geração de páginas aleatórias, inserção de narrativas para compor o enredo...) onde o leitor/navegante seja ele também autor do texto. Sobre isso ver a experiência da versão online do livro As doze cores do vermelho de Helena Parente, criada e produzida por Eduardo Loureiro Jr. para o siteo pátio”: http://www.patio.com.br/vermelhos/index.html. “Esta é uma estória de simultaneidades, em três tempos e três vozes, num tecido que se estende e se desdobra nos três ângulos de cada módulo. Uma pintora, a personagem principal, no primeiro ângulo se apresenta como o eu que se reporta ao passado. O segundo ângulo se sustenta por uma voz dirigida à protagonista através de um você vivido no presente. O ela do terceiro ângulo se refere à personagem em suas vivências futuras. (...) A navegação neste site poderá ser feita através dos módulos e dos ângulos (clicando sobre as setas de orientação) ou de maneira não-linear (clicando sobre Página aleatória no canto superior direito). Ao entrar no site, você será levado a uma página aleatória, de onde começará a fazer a leitura.”

[7] Quem são os autores do Site Experimental Labirinto? Eduardo Loureiro Jr.? Andréa Havt Bindá? Fabiano dos Santos? Ou seriam os navegantes que escolhem e/ou percorrem seus trajetos, lendo e/ou escrevendo (inserindo) textos, imagens e sons?

[8] Utilizo o termo portal no sentido de passagem, de entrada, de limiar e não no sentido de um site com serviços variados: notícias, chat, busca etc. Portal é passagem; espécie de rito inicial de uma viagem.

[9] Embora haja uma predominância da palavra escrita como limiar de passagem ao labirinto, depois que o navegante se encontra dentro dele, não há nenhum tipo de hierarquia entre texto, imagem ou som. Na estrutura hipertextual, a imagem ou o som não surgem como meras ilustrações para um texto. Elas são autônomas e são escrituras tanto quanto o texto escrito. Num futuro não muito distante, podemos visualizar a ação de entrar no labirinto eletrônico não só a partir da palavra digitada, mas também de sons ou gestos que podem ser captados pelo computador. Numa conversa animadora com Eduardo Loureiro Jr., vislumbramos que uma piscada de olho pode ser lida como paquera ou como qualquer outro sentido que levará o navegante a um texto, imagem e/ou som relacionados.

[10]Ao chegar no site, o navegante digita uma palavra ou frase. É realizada então uma busca no banco de objetos. Será apresentada uma página com uma das seguintes formatações, escolhida aleatoriamente: um texto ao lado de uma imagem e um som de fundo / Um texto ao lado de uma imagem / Um texto com um som de fundo / Um texto / Uma imagem com um som de fundo / Uma imagem / Um som de fundo.

[11] Teseu entrou no labirinto movido pelo interesse e a necessidade de matar o Minotauro, retornar e reconquistar a liberdade do povo ateniense em relação ao domínio de Creta. E quanto à Alice? Ela pode ter sido atraída pela curiosidade e pelo interesse de explorar/conhecer o outro lado do espelho. Nesse sentido, cada leitor/navegante tem um pouco de Alice ou de Teseu. No entanto, cada um cria seus trajetos e seu próprio labirinto.

[12] Capra, Fritjof; Steindl-Rast, David. Pertencendo ao universo. Tradução de Maria de Lourdes Eichenberger e Newton Roberval Eichenberger. São Paulo: Cultrix, 1991; p. 124.

[13] Rosenstiehl, Pierre. Labirinto. In: Enciclopédia Einaudi, v.13, Lógica-Combinatória. Lisboa: Portugal: Imprensa Nacional — Casa da Moeda, 1988; pp.251-52.

[14] O botão Avançar gera uma nova página aleatória a partir das palavras-chaves dos objetos da página atual. O Voltar não mostra a página anterior, mas uma nova página aleatória a partir das palavras usadas para gerar a página atual. Teclando Nova Busca, o visitante pode digitar novas palavras para gerar a página seguinte, à semelhança do que fez para a primeira página. O Aleatório gera uma página usando quaisquer elementos do banco de objetos. Através do botão Conversa, o visitante abre um programa de comunicação (um chat) que o colocará em contato com os outros visitantes. Este programa permite a comunicação entre pessoas que estejam vendo páginas que tenham pelo menos uma palavra-chave de seus objetos em comum. Quando não há esta palavra-chave, o visitante simplesmente fica incomunicável em relação ao outro. Em Inserção o visitante poderá fazer o envio (upload) de objetos mediante o preenchimento de um formulário. Os objetos são incorporados ao banco de dados. As inserções ficam como objetos não publicados no gerenciador usado pelos pesquisadores para que eles confiram as informações (de autoria, palavra-chave...) e que possam corrigi-las eventualmente e efetivar a inserção. Através do botão Comentários, o visitante pode deixar registradas observações sobre sua visita.

[15]Jorge Larrosa desenvolve a idéia da formação como uma viagem aberta: “Porque leva cada um até si mesmo, na formação não se define antecipadamente o resultado. A idéia de formação não se entende teleologicamente, em função de seu fim, em termos do estado final que seria sua culminação. O processo da formação está pensado, melhor dizendo, como uma aventura. E uma aventura é, justamente, uma viagem aberta em que pode acontecer qualquer coisa, e na qual não se sabe se vai chegar, nem mesmo se vai se chegar a algum lugar. De fato, a idéia de experiência, essa idéia que implica um se voltar para si mesmo, uma relação interior com a matéria de estudo contém, em alemão, a idéia de viagem. Experiência (Erfahrung) é, justamente, o que se passa numa viagem (Fahren), o que acontece numa viagem. E a experiência formativa seria, então, o que acontece numa viagem e que tem a suficiente força como para que alguém se volte para si mesmo, para que a viagem seja uma viagem interior”. (Larrosa, 1999: 52)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

BARROS, Manoel de. Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Record, 1997.

BORGES, Jorge Luis. Obras completas. Vol 1. São Paulo: Globo, 1998.

CAPRA, Fritjof; STEINDL-RAST, David. Pertencendo ao universo./ Tradução de Maria de Lourdes Eichenberger e Newton Roberval Eichenberger. São Paulo: Culytix, 1991; 193 p.

CARROL, Lewis. Alice: edição comentada. Aventuras de Alice no País das Maravilhas / Através do Espelho. Ilustrações originais, John Tenniel; introdução e notas, Martin Gardner; tradução, Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.

CORTÁZAR, Julio. O jogo da amarelinha./ tradução de Fernando de Castro Ferro. — 6.ª ed. — Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999; 640 p.

DEWEY, John. Vida e Educação. São Paulo: Melhoramentos, 1978.

DIAS, Maria Helena Pereira. Encruzilhadas de um labirinto eletrônico — uma experiência hipertextual. Campinas-SP: UNICAMP, s/d. Disponível em <http://www.unicamp.br/~has/mh/principal >. Acesso em: outubro. 2001.

Enciclopédia Einaudi / Lógica-Combinatória. Volume 13. Lisboa: Portugal: Imprensa Nacional — Casa da Moeda, 1988.

LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

LEÃO, Lúcia. O Labirinto da hipermídia - arquitetura e navegação no ciberespaço. São Paulo: Iluminuras, 1999.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. Rio de Janeiro; Editora 34, 1999.