GT 21

EDUARDO LOUREIRO JR. (doutorando)

Universidade Federal do Ceará — UFC

eduardo@patio.com.br

 

O LABIRINTO DA NÃO-LINEARIDADE

 

“Você entraria num site com o único objetivo de se perder dentro dele?” — essa foi a pergunta feita na página de internet do projeto de doutorado coletivo “Labirinto: me encontro nas coisas perdidas do mundo”, de abril a dezembro de 2000.

O projeto tem como objetivo pesquisar a mitologia do labirinto como metáfora da construção do conhecimento, e é integrado por Andréa Havt Bindá e Fabiano dos Santos.

Novecentos e noventa e quatro visitantes responderam à pesquisa acima, que apresentou o seguinte resultado:

 

Resposta

Nº de votos

Porcentagem

Sim

688

69,2%

Não

104

10,5%

Isso é coisa que se pergunte?!

202

20,3%

 

O objetivo da enquete era verificar qual a possível receptividade do site experimental do Projeto Labirinto, concebido sem qualquer propósito explícito para o visitante que não o de perambular, vaguear, andar à toa e até mesmo se perder.

A pergunta é pertinente num mundo cada vez mais provido de informação e em que se tem buscado desenvolver filtros ou formas de organização de conteúdo justamente com o objetivo de evitar que as pessoas se percam, fiquem à deriva ou naufraguem no mar da informação.

Labirinto vai contra essa corrente, e não é o primeiro com esse propósito. Vários sites são conhecidos por seu “clássico desenho labiríntico” (“classical maze layout”, Salvaggio, 2001), entre eles Superbad (http://www.superbad.com) Dream7 (http://www.dream7.com/home.htm) e Redsmoke (http://www.redsmoke.com/).

Esses sites citados estão na linha de frente da arquitetura do ciberespaço, que ainda não foi completamente explorada em sua novidade, conforme explica Lúcia Leão: “muitos dos trabalhos apresentados na rede não foram criados especificamente para ela e, portanto, não utilizam os potenciais hipermidiáticos. Em outras palavras, são trabalhos que exploram apenas o aspecto de alta capacidade de comunicação da rede, esquecendo-se de outros extremamamente revolucionários. O da não-linearidade, por exemplo.” (Leão, 1999: 52)

As páginas desses sites que analisamos, mesmo revolucionárias, foram criadas única e exclusivamente por seus autores, e têm seu número limitado por essa criação. Os visitantes leitores não interferem na autoria das páginas, e é essa reversibilidade escrita-leitura, tão essencial à nova arquitetura do ciberespaço, que precisa ser alcançada.

 

As não-linearidades

Marcos Palacios questiona o uso do conceito de não-linearidade e propõe o de multilinearidades. Para ele não se trata de romper o fio da narrativa, mas de desfiá-lo, multiplicando suas possibilidades:

A noção de "não-linearidade", tal como vem sendo generalizadamente utilizada, parece-nos aberta a questionamentos. Nossa experiência de leitura dos Hipertextos deixa claro que é perfeitamente válido afirmar-se que cada leitor, ao estabelecer sua leitura, estabelece também uma determinada "linearidade" específica, provisória, provavelmente única. Uma segunda ou terceira leituras do mesmo texto podem levar a "linearidades" totalmente diversas, a depender dos links que sejam seguidos e das opções de leitura que sejam escolhidas, em momentos em que a história se bifurca ou oferece múltiplas possibilidades de continuidade. (Palacios, s/d)

 

Essa idéia já foi explorada literariamente por Borges em O Jardim de Veredas que se Bifurcam:

Em todas as ficções, cada vez que um homem se defronta com diversas alternativas, opta por uma e elimina as outras; na do quase inextricável Ts’ui Pen, opta — simultaneamente — por todas. Cria, assim, diversos futuros, diversos tempos, que também proliferam e se bifurcam. Daí as contradições do romance. [...] Na obra de Ts’ui Pen, todos os desfechos ocorrem; cada um é o ponto de partida de outras bifurcações. (Borges, 1998: p. 531)

E é também a idéia que está por trás dos sites labirínticos citados anteriormente: páginas que se bifurcam em novas páginas, o visitante escolhendo entre um ou vários dos inúmeros percursos disponíveis.

Mas existe uma outra forma de pensar a linearidade, associando-a menos à narrativa e mais à causalidade. Não-linearidade seria, nesse aspecto, a propriedade de não proporcionalidade entre causa e efeito: o que se espera não é o que se encontra; o que se encontra nem se pensava em achar:

um sistema que reage não proporcionalmente ao seus INPUTS. Pelo contrário, um sistema linear reage (OUTPUT) com uma maior intensidade quanto maior fôr a intensidade dos INPUTS. Um sistema linear é proporcional. A famosa regra de 3 simples é aplicável. Num sistema não-linear nada disso é verdade. (Vitorino Ramos in Labirinto: mensagem 382)

Esta é a idéia que está por trás do Labirinto e que julgamos ausente em outros sites do tipo. No Labirinto não há nenhuma página pronta, nenhuma parede, nenhuma narrativa (nenhuma multilinearidade). O que o visitante vê é gerado dinamicamente, através da sua própria interação, mas sem obedecer diretamente (não-linearidade) a um comando seu.

 

Antes de entrar no labirinto

Do ponto de vista da não-linearidade o objetivo do site é observar como as pessoas agem num ambiente em que o sentido da própria presença é construído durante o tempo transcorrido lá, e em suas ações nem sempre retornam o resultado esperado.

Espera-se que uma melhor compreensão desses processos seja útil de alguma forma a todos aqueles interessados na criação de ambientes virtuais ou à distância, com propósitos educacionais ou de lazer.

 

Identidade e personalidade

Ao chegar à entrada do Labirinto, o usuário tem três possibilidades: entrar como usuário cadastrado; cadastrar-se pela primeira vez, ou como um usuário diferente; ou entrar como convidado. O cadastro consta de alguns dados (apelido, nome, e-mail, cidade, estado, ano de nascimento, sexo, escolaridade, área de atuação e grau de intimidade com a internet) que serão utilizados para definir o perfil dos usuários. Mas o cadastro não é essencial para o projeto. O próprio fato dos usuários se cadastrarem ou não já é um fator importante para determinar qual a maneira mais confortável de convivência em ambientes virtuais: a própria identidade, alguma máscara ou a invisibilidade. A identificação ou não-identificação não implica em qualquer recompensa ou castigo. Todo visitante terá acesso aos mesmos recursos. Trata-se da não-linearidade aplicada ao contrato entre o site e o visitante: não importa se eu sei ou não quem é você, não estou buscando uma relação de troca em que sei os benefícios e os deveres; tudo pode ser desfrutado, assim como tudo me pode ser tirado.

Tendo entrado no Labirinto, o visitante é apresentado a uma tela emoldurada sem qualquer objeto (imagem, som ou texto) que não um campo em branco. Esse é um momento importante porque não há nenhuma indicação para o visitante do que ele deve fazer. Ele só seguirá adiante se digitar alguma coisa, mas nada indica o que ele deve digitar. É uma resposta sem pergunta, um efeito sem causa. O primeiro elemento de uma cadeia de livre associação, a primeira mensagem comunicada a um extraterrestre, aquilo que mesmo inconscientemente o visitante julga ser mais adequado à interação com uma situação esdrúxula, imprevisível. Seu id, sua identidade mais profunda.

 

O Labirinto

           

Guia oculto

Ao contrário de todo site que se preze, o menu de opções (voltar, avançar, nova busca, aletatório, conversa, inserção e comentários) do Labirinto não é visível logo de início. Ele está escondido e para acessá-lo é preciso explorar o ambiente. O visitante não terá nenhuma opção, além dos links, se não sentir a necessidade de tê-las. É preciso procurar pelo desconhecido e não apenas optar entre o que é conhecido.

 

Mutação constante

As noções mais básicas em se tratando de movimentação são: para frente e para trás. Os botões “voltar” e “avançar” darão a esperança de que clicando sobre eles o visitante voltará ou avançará. Mas, à semelhança do livro de areia de Borges, a página anterior jamais será a mesma, nem a seguinte uma continuação da atual, e sim uma nova página gerada aleatoriamente a partir das palavras-chave que geraram a página precedente. A próxima página do Labirinto é uma nova página também gerada aleatoriamente a partir das palavras-chave que geraram a página atual. O passado não é o mesmo passado quando retornamos a ele, mas um passado atualizado. O futuro não é mais aquele do qual saímos para voltar a um passado que não encontramos mais; o futuro do passado, ex-presente, também é atualizado. O Labirinto é um eterno presente.

Uma ingenuidade que temos em relação ao espaço é que nos movimentamos apenas quando andamos, quando nós mesmos nos mexemos usando nosso corpo. O Labirinto muda independente da ação do visitante. Se o visitante não agir, o Labirinto se modifica por inatividade a cada 3 ou 5 minutos, gerando novas paredes à revelia do visitante, como se ele se movimentasse mesmo estando parado. O mundo que o percorre, quando ele não quer ou se esquece de percorrer o mundo.

 

"A busca é o que não se acha"

A qualquer momento o visitante pode fazer uma nova busca, como que reiniciando o processo. Uma tentativa talvez de refinar o livre-arbítrio, de chegar exatamente onde quer chegar. Mas, assim como da primeira vez, ele talvez não encontre o que pretendia, mas outras coisas de que não desconfiava.

 

Aleatoriedade

Há mais coisas, não só entre o céu e a terra, do que supõem nossos vãos esquemas mentais. O Labirinto representa essa cegueira seletiva através do sorteio de padrões de visualização dos objetos do site: apenas som, apenas texto, apenas imagem, som/texto, som/imagem, texto/imagem, som/texto/imagem.

O padrão define que objetos podem e não podem ser vistos, independente de sua existência no banco de dados. Por exemplo, se o visitante, em um texto apresentado, clicar na palavra “casa”, antes da busca no banco de dados será feito o sorteio de um padrão. Se o padrão sorteado for som/texto, nenhuma imagem relacionada a “casa” será exibida, mesmo que haja imagens relacionadas àquela busca no banco de dados.

Os objetos que são usados para preencher os padrões também não respondem linearmente à busca. Se for feita uma busca por três palavras, os objetos apresentados não serão necessariamente aqueles que têm todas as três palavras. Não existe hierarquia de exibição de objetos. Se estiver relacionado de alguma maneira à busca, e se não for filtrado pelo padrão sorteado, qualquer objeto tem a mesma chance de ser exibido através de um sorteio com outros objetos que também estão associados à busca. O livre-arbítrio se desvia levemente. Viajante que deriva pelo Labirinto.

 

Interatividade

Interatividade não é apenas optar entre, mas também propiciar escolhas aos outros. No caso do Labirinto, acrescentando objetos que poderão ser vistos pelas outras pessoas. A inserção pode ser feita através do menu ou de um link que aparecerá sempre que não houver objetos disponíveis para exibição a partir do padrão sorteado. Quando um objeto for inserido no banco de dados, a pessoa que o inserir pode associar palavras-chave a esse objeto.

Brenda Laurel caracterizou a interatividade a partir de três variáveis (apud Laurel, 2000: 20): freqüência (com que freqüência se pode interagir), amplitude (quantas escolhas estão disponíveis) e significação (quanto as escolhas afetam as coisas). Seguindo essa caracterização, o Labirinto seria altamente interativo porque o visitante interage freqüentemente (mesmo por inatividade), possui muitas escolhas (num texto, por exemplo, cada palavra é uma possibilidade de escolha) e suas escolhas é que configuram seu próprio espaço (cada visitante terá seu próprio labirinto, com uma configuração única, íris do olho, impressão digital).

 

Efemeridade

Se o espaço do Labirinto é uma construção essencialmente individual, como se dá o compartilhamento do espaço? Como os espaços individuais se tocam, se sobrepõem, permitem o encontro? Sempre que dois ou mais visitantes tiverem palavras-chave em comum entre os objetos que estão sendo exibidos para si, esses visitantes podem conversar através de uma janela específica para bate-papo. Mas o encontro é fluido. Assim que as páginas visualizadas por cada um dos visitantes não tiverem mais nenhuma palavra-chave de nenhum objeto em comum, a conversa é interrompida e os visitantes ficam novamente invisíveis um para o outro. O encontro não é algo que se estabelece uma vez e permanece por toda a aventura, mas algo que sempre tem que ser reconfirmado. Uma lembrança de que por mais que aparentemente conversemos e nos entendamos, nossa deriva pode nos tornar incomunicáveis.

 

Risco

A qualquer momento, o visitante pode deixar comentários sobre a sua navegação. Uma espécie de diário lançado ao mar, como garrafas, sem saber para onde vão. Os comentários serão analisados por nós, doutorandos, e também podem entrar como objeto-texto no labirinto.

 

A hora de parar

Mesmo não sendo um ambiente de imersão, o Labirinto se propõe um espaço visual diferenciado da estrutura padrão de janelas do Windows. O site ocupa toda a tela e, mesmo apresentando o X no canto superior direito, essa não é a única maneira de sair.

Segundo Aristóteles, algumas peças de teatro, não sabendo como acabar direito, livravam o protagonista da ruína através do aparecimento completamente inesperado e exterior à trama de um deus ex machina (saído da máquina, das engrenagens do teatro). Essa é a saída pelo X do Windows, como se o visitante fosse guindado do Labirinto. Quando tenta sair pelo X, o usuário é avisado que o Labirinto tem uma saída própria e pode optar entre sair com o guindaste mesmo ou levar mais um tempo procurando a saída. Ao confirmar a saída pelo X, o visitante perde o Labirinto de vista e retorna ao mundo do Windows.

Já ao encontrar a saída do próprio labirinto, que está escondida e precisa ser encontrada através da exploração do ambiente com o mouse, o visitante meio que refaz seu percurso, retornando sobre o próprio fio de sua caminhada através de um mapa que contém todos os objetos que lhe foram apresentados bem como todas as suas ações no Labirinto, desde os cliques até as conversas com outros visitantes. A saída é então não uma fuga, mas a conseqüência e a consciência da própria caminhada. A não-linearidade é finalmente rompida, para que o visitante tome consciência da linearidade que percorreu e que a utilize para o desenvolvimento de sua própria identidade.

 

 


BIBLIOGRAFIA

 

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BORGES, Jorge Luis. Obras completas. Vol 1. São Paulo: Globo, 1998. 

LABIRINTO, Lista de Discussão. Lista mantida por Yahoogroups. Disponível em <http://groups.yahoo.com/group/labirinto/messages>. Acesso em: 11 dez. 2001.

LAUREL, Brenda. Computers as theatre. Addison Wesley Longman, 2000. 1a ed. 1993.

LEÃO, Lúcia. O Labirinto da hipermídia - arquitetura e navegação no ciberespaço. São Paulo: Iluminuras, 1999.

PALACIOS, Marcos. Hipertexto, fechamento e o uso do conceito de não-linearidade discursiva. Salvador: FACOM, s/d. Disponível em <http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/palacios/hipertexto.html>. Acesso em: 11 dez. 2001.

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