GT - 21

ANDRÉA HAVT BINDÁ (doutoranda)

Universidade Federal do Ceará – UFC

dea@patio.com.br

 

O LABIRINTO DO DIÁLOGO

 

O Site Experimental Labirinto é uma das produções do projeto de doutorado Labirinto: me encontro nas coisas perdidas do mundo, desenvolvido por mim e pelos doutorandos Eduardo Loureiro Junior e Fabiano dos Santos. Para visualizar o site, descrito e discutido abaixo, acessar http://www.labirinto.art.br

 

Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada;

 mas quando desejo contar nada, faço poesia.

Manoel de Barros

 

Não faço poesia, ao menos não naquele formato que deixa espaços vazios pelos lados do papel e, talvez por isso, não sei direito no que vai dar o meu nada. Mas, depois de alguns encontros nas disciplinas feitas com minha orientadora Sandra Petit e de conversas na lista de discussão do projeto Labirinto, cheguei a algo semelhante ao Manoel de Barros, ainda que sem sua poesia: enquanto a gente achar que deve dizer alguma coisa pra alguém, a gente só está estabelecendo relações de poder, esperando que o outro nos ouça e faça alguma coisa com o que dizemos, criando e alimentando expectativas em torno do que deve ser feito com o que foi dito, provocando, como quem cutuca onça com vara, reações, mesmo quando a onça só está querendo curtir um sono embaixo da árvore.

            Não sei o que vem primeiro, a expectativa ou a obrigação, mas uma me parece inseparável da outra e as duas transformam qualquer conversa numa daquelas reuniões que parecem não levar a nada. Todos já sabem o que têm a dizer, como dizer, como ouvir e como responder, onde se diz favorecer o debate, mas também o consenso. Um grande faz de conta. Como disse, não faço poesia, mas prefiro as metáforas, gosto da forma como elas fazem duas coisas tão diferentes se confundirem, criarem outros mundos, sem previsão, sem ponto de chegada comum. Bifurcações. Encruzilhadas. Penso o diálogo assim, como algo muito mais caótico: coisas e pessoas, idéias e imagens... transformadas pelos contatos umas com as outras, com a liberdade de fazermos o que quisermos com o que vimos, sentimos, ouvimos...

            Rebeldia talvez seja a ação mais facilmente associável ao princípio da liberdade: “fazer o que quer” é “ir contra”. Com ela, toda a conotação de agressividade e repressão. Mas Artur da Távola (2001), como que trazendo a questão pra dentro de cada um, define a liberdade a partir da idéia de serenidade. Falando do equívoco que se costuma cometer quando se percebe que não é a pessoa mais importante do mundo e se cai no extremo oposto de não ser importante nem para si mesma, ele propõe romper a dualidade dependência/independência e pensar que “a liberdade não é a posição oposta à dos tempos da ilusão, prisão ou da alienação. É o novo. É a conquista da dimensão própria. É uma terceira e nova dimensão.”

            Enquanto pensava a internet como um ambiente em que a expressão dessa dimensão própria é favorecida, apesar das limitações de seu uso para poucos e sem a exploração de todo o seu potencial interativo, recebi por e-mail a edição da revista Nova-e (07 de dez. 2001) com dois textos que faziam a mesma relação entre diálogo e liberdade, como forma de permitir pensar o conhecimento também fora das dualidades mais aprisionantes e menos metafóricas como a de quem dá/quem recebe.

 

“Pois aconteceu a Internet. Nova forma de conversação. Pessoas conversam com pessoas. Pessoas ficam muito mais inteligentes, mais imaginativas, mais donas do seu próprio nariz e distantes dos seus umbigos egoístas. A palavra é colaboração. A idéia é um novo bom senso. As pessoas acreditam que existe outras fórmulas de estabelecer um relacionamento. As percepções se transformam. O ser digital prefere encarar o mundo sob um novo enfoque. Liberdade, Igualdade e Fraternidade. A velha ladainha da Revolução Francesa nunca foi tão real. Para atender a essa tríade queremos mais: o conhecimento livre.” (Hernani Dimantas)

 

“Criaram o computador e aumentaram a nossa capacidade mental de lidar com as informações. Ligaram todos em rede e aumentaram nossa capacidade de conversar, de compartilhar essas informações de forma instantânea.

(...) certamente ele ainda vai evoluir muito, tanto tecnicamente quanto democraticamente, mas... sim, este é o início da coisa. Estamos nos hiperlinkando através da Internet. Informações e corações acessíveis de forma rápida e livre, cada dia mais, até que tudo esteja reunido neste Fluxo.

(...) Mas é importante dizer que este é um fenômeno sem volta. Mesmo que privatizem backbones, mesmo que cerquem servidores e legislem contra, será uma luta contra a liberdade. Uma liberdade sem autoridade, que anarquicamente já difundiu metodologias e padrões, o que permitirá a criação de novas estruturas, desta vez livres.” (Daniel Pádua)

 

Passeando por todas as mudanças que o nosso site sofreu desde sua elaboração inicial, ainda não pensado para compor um doutorado, a idéia que me parece melhor permitir refazer esse percurso, tendo agora um olhar sobre o diálogo associado à metáfora e à liberdade, é a de interatividade. Como pensávamos e como reconstruímos essa idéia é uma aventura que vai de uma imagem espacial, mais física, de labirinto às imagens de labirintos perfeitos de Borges (1999): o deserto e o livro de areia, um livro sem seqüência determinada, onde você pode ir da página 10 a 35 numa só virada e, ao tentar retornar, pode encontrar a página 23, 4, 307...

            Nossa curiosidade desde o início era com o uso limitado da internet. Víamos surgir uma nova linguagem, com novas possibilidades de interação, das pessoas com conteúdos e com outras pessoas, que não estavam sendo ainda exploradas. A interatividade era ainda muito semelhante ao que se via na televisão, com pesquisas de opinião que poderiam ser feitas via fax ou telefone, com a vantagem que as pessoas não teriam de ficar penduradas ao telefone esperando linha e pagando mais caro pelo interurbano. Pensávamos em algo que pudesse ser construído junto, sem limitações ou direções pré-determinadas. Uma interatividade mais dialógica no sentido em que os visitantes não seriam só espectadores de conteúdos.

Tomando diálogo como interação, tínhamos o desejo de aproveitar da internet uma relação menos autoritária com os conteúdos e com as pessoas. Queríamos ter o prazer de dispor coisas que achássemos interessantes, mas também receber o que fosse interessante para o outro que nos visitava. E queríamos que essa não fosse uma relação determinada pela obrigação, nem mesmo pela orientação, mas uma brincadeira de descoberta, um estímulo à exploração e à construção, mais do que a uma busca de resultados. Uma interatividade que se realizasse no exercício da descoberta da forma de cada um construir seu próprio labirinto, não na satisfação de um webmaster que diria afinal, baseado em modernas técnicas de marketing: “ele chegou onde eu queria, pensando que seguia sua própria vontade”. O que não deixa de ser uma ilusão, mesmo que o cliente compre o produto. O que não deixa de ser uma realidade, mesmo que o cliente sinta prazer em comprá-lo.

            Acreditávamos, e encontramos parceiros em leituras posteriores, que a experiência diferenciada da navegação na internet, e do uso do computador de um modo geral, envolvia uma nova relação com a informação e o conhecimento.

 

"A noção simplista de conversação levou muitos especialistas a desenvolver modelos de interação que tratam humanos e computadores como duas partes distintas cuja 'conversação' é mediada pela tela. [...] Diálogo não é só essa alternância linear em que eu digo algo, você pensa sobre aquilo e me diz algo, eu penso sobre aquilo e lhe digo algo, e assim por diante".

"Interface não é simplesmente a maneira através da qual uma pessoa e o computador representam-se um para o outro; é um contexto partilhado de ação em que ambos são agentes" (Laurel, 1993: 3-4) (tradução de Eduardo Loureiro Jr.)

 

"Numa economia simbólica que se poderia chamar num significado próprio, dialógico - é assim que eu vejo, fundada sobre um diálogo, logo, sobre uma troca, interativa e multimodal -, o estatuto da obra, do autor e do espectador sofrem fortes alterações. O triângulo delimitado tradicionalmente pela obra, o autor e o espectador vêem sua geometria questionada. Para conservar a metáfora, dir-se-á que este triângulo tende a se tornar um círculo (...) Sobre esse círculo móvel, a obra, o autor e o espectador não ocupam mais posições estritamente definidas e estanques, mas trocam constantemente estas posições, cruzam-se, confundem-se ou se opõem, contaminam-se (...) Certamente não se vê nunca duas vezes o mesmo quadro, mas, com a imagem interativa, é o próprio quadro que muda no seu existir sensível - aos olhos de todos - e não somente na interpretação do observador.” (Leão, 1999: 42; citando Edmond Couchot)

 

Já no doutorado, depois da leitura de Pierre Levy (1993) e Lucia Leão (1999) e de uma conversa com o professor Hermínio Borges optamos por usar um banco de dados que as pessoas acessam através da digitação de palavra do seu interesse. Além de textos, também podem ser linkados imagens e sons. Com o banco de dados, as páginas geradas não são fixas. O labirinto não é apenas visitado, mas construído, como o conhecimento, sempre sujeito a ser redesenhado em novas interações.

 

A seguir detalho minhas idéias sobre diálogo a partir de uma proposta atualizada, feita para a empresa produtora do site. Os termos dessa proposta aparecem em itálico.

 

O site experimental Labirinto é uma produção hipertextual do Projeto de Doutorado em Educação “Labirinto: me encontro nas coisas perdidas do mundo” que tem por objetivo pesquisar a forma como visitantes (educandos virtuais) interagem com os conteúdos.

 

Antecipo o que quero observar das navegações como forma de esclarecer muitas das opções que fizemos e da forma como elas ajudam a pensar sobre diálogo. Minha curiosidade é saber como os Teseus constroem seus labirintos sem a presença “real” de uma outra pessoa, sem poder espiar o que o vizinho está fazendo ou sem uma pessoa encarregada de dar orientação. O mesmo que pensar: como as pessoas se encontrariam se não houvesse a obrigatoriedade do convívio e uma determinação prévia do que se deve aprender e construir ao longo da vida? Como diria a educadora Luiza de Teodoro: onde é que a gente se toca? Em relação aos próprios conteúdos, para onde se dirige o nosso interesse quando a intermediação da máquina garante maior liberdade de escolhas? Além da forma como as pessoas interagem, meu objetivo é também criar situações que ajudem a refletir sobre a relação entre o indivíduo e a sua cultura, já numa situação atual, com toda a dificuldade em determinar fronteiras. Sendo a própria internet um dos meios comumente pensados como destruidor desses limites culturais.

 

O conteúdo é composto de um banco de objetos (textos, imagens e sons). Os campos de cada inclusão são: título, autor, fonte e palavras-chave; além de nome e e-mail de quem fez a inclusão para que se tirem eventuais dúvidas sobre as informações cadastradas.

 

Já mencionei acima como o uso do banco de dados favorece maior possibilidade de construção do site por todos que por ele navegam, ao mesmo tempo que permite uma participação menos diretiva. Em termos de educação, desfaz-se a diferença entre o professor e o aluno. Cada um dispõe o que tem e se apropria daquilo que quer na forma que lhe for mais interessante. Em relação à figura do labirinto, surge a diferença entre a arquitetura e a navegação. Com a diferença, uma questão que nos orientou durante toda a idealização e montagem do site: como construir uma arquitetura bem estruturada para permitir o fluido, o múltiplo, a transformação? Ou, como e o que disponibilizar para os outros no sentido de permitir a construção de si e do outro da forma mais flexível possível? Isso me faz sempre lembrar as repetidas vezes em que ouvi críticas às formas mais espontâneas de interação, especialmente na relação criança-adulto, quando se fala na necessidade de colocar limites e orientar. Nossa idéia é favorecer sempre uma relação mais igual e mais livre, acreditando com isso permitir a diferença, ainda muito vivida como ameaça e perigo. Na educação, como no amor, costuma-se pensar que é importante ser necessário. “Eu preciso de você” é certamente uma frase mais usada que “eu cresço com você”. A idéia de rede, que tem a internet como sua imagem mais próxima, questiona essa necessidade e a transforma em possibilidade. O que faço, o que sou ou estou, o que escolho, deixam de ser opções para toda a vida. O que não faço, o que não sou ou estou, o que não escolho, deixam de ser negações, ameaças, perigos, e se transformam em potencialidades, possibilidades, alternativas. E é essa idéia de diálogo, tomando o outro como alternativa, que penso ser interessante como proposta de educação. Acredito que isso já acontecia, independente de todas as intenções e formas de poder, mas desconfio que faria uma diferença enorme se pudesse ser vivido não apenas como discurso ou como estratégia de sobrevivência, mas como sentimento e experiência. O site é uma forma de dizer que não passamos de um infinito banco de dados, com imagens, sons, pensamentos, fantasias, perguntas, sentimentos... em rede com outros infinitos bancos.

 

Antes de entrar no site propriamente dito, o visitante é apresentado ao projeto e convidado a se cadastrar (nome, e-mail, idade, sexo, nível de escolaridade, área de atuação e grau de intimidade com informática/internet). O visitante passa a ter um login (nome do usuário ou apelido) e uma senha. O visitante tem, entretanto, a opção de não se cadastrar.

 

A intenção do cadastro é permitir ter elementos para a fase posterior de nosso projeto que é a análise das navegações. Foi uma opção difícil de assumir, porque a identificação pode comprometer a liberdade de percurso, tão importante na nossa concepção do site e de educação e na garantia que a internet dá de anonimato, sendo um componente diferenciador para pensar o diálogo com o mínimo de interferência “direta”. É um risco que teremos de correr. Procuramos diminuir essa possibilidade de intimidação com a opção de não se cadastrar. Não teremos com isso a identificação, mas desde o início deixamos claro que toda a navegação será registrada para pesquisa.

 

Ao chegar no site, o visitante digita uma palavra ou frase. É realizada então uma busca no banco de objetos. Será apresentada ao visitante uma página com uma das seguintes formatações, escolhida aleatoriamente:

 

-   Um texto ao lado de uma imagem e um som de fundo.

-   Um texto ao lado de uma imagem.

-   Um texto com um som de fundo.

-   Um texto.

-   Uma imagem com um som de fundo.

-   Uma imagem.

-   Um som de fundo.

 

A forma de entrada foi motivo de muitas conversas. Pensamos em várias frases para indicar que o espaço em branco, que aparece na primeira página após o cadastro, deveria ser preenchido com algo que fosse significativo para os seus interesses naquele momento. Da mesma forma que imaginamos uma educação que se faça a partir do interesse de cada um. Como eu imagino que o diálogo tenha maior possibilidade de contribuir para o crescimento se for um movimento de abertura ao outro, pessoa ou coisa, realizado por iniciativa de cada um. Optamos, afinal, por não deixar qualquer indicação, acreditando que, sem a obrigação ou qualquer exigência, a palavra ou frase digitada não teria como sair do nada e, das formas mais variadas, surgiriam sempre idéias que fariam sentido para cada pessoa naquele momento.

            A formatação aleatória é um dos “outros” que o visitante encontra no labirinto. O movimento segue-se pelo interesse, mas o que encontra pelo caminho transforma esse interesse em algo não totalmente esperado ou previamente estabelecido. Escolher por onde ir não é garantia de chegar a um resultado determinado. Se fosse assim, a experiência não teria sentido e o diálogo não seria, nem em potência, transformador. Poderíamos continuar memorizando o que outros já fizeram. Se eu for assistir a uma aula de matemática numa segunda-feira pela manhã, depois de um domingo de futebol e cerveja, talvez tudo que vá encontrar sejam bêbados fazendo 4 para brincar de equilíbrio enquanto tentam recuperar da ressaca. Além disso, o diálogo é sempre um vaivém entre as inúmeras possibilidades que o outro me oferece e as minhas limitações para absorvê-las. Então, se eu digito a palavra mar, mas só estou naquele momento envolvida com palavras e textos, não poderia perceber que existe uma música de fundo. Assim, a busca com a determinação aleatória dos objetos do banco de dados, nas formatações acima, é uma representação das nossas limitações ao mesmo tempo que é a novidade que o desconhecido, o outro, nos traz. Vou perceber e receber coisas novas, mas não vou perceber e receber todas as coisas novas.

 

Os objetos apresentados também são escolhidos aleatoriamente a partir da lista de resultados da busca, sem preferência por relevância em relação aos termos utilizados na busca. Uma mesma palavra ou frase digitada gerará, sempre, uma combinação diferente de texto, imagem e som.

 

Essa escolha aleatória complementa a anterior. Cabe aqui aquela famosa idéia de Heráclito de que não nadamos no mesmo rio duas vezes porque nem nós nem o rio seríamos os mesmos do banho anterior. Se eu estou interessada no mar em um momento pode ser como forma de conhecer mais os movimentos dos oceanos, em outro momento, posso estar apenas buscando a paz que ele me faz sentir. Mas o mar, que tem lá também os seus motivos, pode estar revolto e destruidor, impedir no primeiro momento que eu entenda seus movimentos, mas, ainda assim, no segundo, fazer com que sinta paz. No site, o visitante poderia ouvir uma canção que tenha mar na letra, ou ver uma foto de pescaria.

 

Se não for encontrada nenhuma ocorrência durante a busca ou se o objeto disponível no banco de dados não estiver de acordo com o padrão de formatação da página sorteado, aparecerá a frase “Nesta parede não há nada que você possa ver ou ouvir relacionado a sua escolha. Você pode incluir texto, imagem ou som sobre assunto/tema”. Nesta frase, haverá um link para que o visitante possa abrir a página de inserção.

 

A inserção é uma das possibilidades de interatividade do site. Como falei acima, é uma forma de questionar a fixidez de papéis na educação. Aquele que busca aprender coisas novas, seguindo sua curiosidade, também pode oferecer coisas novas e dispor para os outros. A composição do banco de dados é aberta. Está sujeita apenas ao limite de capacidade dada pelo provedor que nos abriga e pelas limitações do tamanho do monitor. Para manter uma visualização agradável e uma dinâmica que fosse representativa das interações que vivemos no nosso dia-a-dia, tivemos que limitar o tamanho das imagens, textos e sons. Essa indicação é dada na página de inserção.

 

Todos os objetos apresentados são clicáveis. Cada palavra do texto, se clicada, gera uma nova página a partir de uma busca no banco de objetos usando essa palavra. A imagem, se clicada, gera uma nova página a partir de uma busca no banco de objetos usando as palavras-chave associadas a ela. Existe um ícone de som que, ao ser clicado, gera também uma nova página a partir de uma busca no banco de objetos usando as palavras-chave associadas àquele som.

 

Se o visitante está vendo uma imagem de mar, e escolhe clicar nela, ele poderá ser levado para um texto que contém a palavra tranqüilidade, para uma imagem de chuva, para uma música que causou uma mesma sensação de tranqüilidade para as pessoas que incluíram a imagem de mar, de chuva, o texto e a música. As palavras-chave são como elos de ligação entre o interesse do visitante e os objetos disponíveis no banco de dados. Ao mesmo tempo que são criações de quem as atribui, definindo os objetos de forma múltipla e não limitada. Então, essa busca envolve três diálogos, ou encontros: 1. entre o visitante e o objeto, que é acessado por interesse mas que tem como resposta algo não totalmente esperado, provocando uma forma alternativa de perceber o próprio interesse e, por outro lado, podendo ter uma nova percepção de um objeto já conhecido. 2. O encontro com os diversos significados dados pela pessoa que inseriu o objeto, com a possibilidade de conviver com um olhar diferente sobre o mesmo objeto. 3. A própria palavra-chave é um personagem com que o visitante pode se deparar no labirinto, associada a uma imagem nova ou não, mas sempre potencialmente inspiradora pelas infinitas alternativas de associações. Enfim, todos os objetos são clicáveis porque estão vivos, prontos a sugerirem e incorporarem novos significados, novos nomes, novas e fluidas identidades.

 

Além do movimento por atividade (clique ou digitação), o visitante também se movimenta no labirinto por inércia. Se após a composição da página, com todos os seus elementos, o visitante não efetuar nenhuma ação no prazo de 3 (três) minutos, quando não houver texto, e 5 (cinco) minutos, quando houver texto, é gerada automaticamente uma nova página aleatória usando as mesmas palavras-chaves usadas para a montagem da página atual.

 

Esse ponto faz pensar sobre a possibilidade de dialogar em silêncio. O contrário de diálogo não é monólogo, mas autoridade. Também não é silêncio, mas obrigatoriedade. Daí, duas coisas são interessantes de observar: 1. Não existe uma forma única de estar aberto, de se dispor. 2. Mesmo que o ficar em silêncio ou parado seja indisposição para o diálogo, isso não impede o movimento de tudo que está em volta. Daí nossa imagem de labirinto aproximar-se mais do Livro de Areia do Borges (1999).

 

Além da formatação, haverá em cada página uma imagem de fundo que simule um corredor de labirinto. Existe também um menu para navegação contendo:

- Botões de avançar e voltar. O botão avançar gera uma nova página aleatória a partir das palavras-chaves da página atual. O botão voltar não mostra a página anterior mas uma nova página aleatória a partir das mesmas palavras usadas para gerar a página atual.

- Espaço para digitação: nova busca. O visitante pode digitar novas palavras para gerar a página seguinte, à semelhança do que fez para a primeira página.

- Um botão aleatório, que vai gerar uma página usando quaisquer elementos do banco de objetos.

- Um botão de conversa. Através dele o visitante abre um programa de comunicação que o colocará em contato com os outros visitantes. Este programa permite a comunicação entre pessoas que estejam vendo páginas que tenham pelo menos uma palavra-chave de seus objetos em comum. Quando não há esta palavra-chave, um visitante simplesmente fica incomunicável em relação ao outro.

- Um botão de inserção que o visitante poderá usar para o envio (upload) de objetos mediante o preenchimento de um formulário. Os objetos são incorporados ao banco de dados. As inserções ficam como objetos não publicados no gerenciador usado pelos pesquisadores para que eles confiram as informações (de autoria, palavra-chave...) e que possam corrigi-las eventualmente e efetivar a inserção.

- Um botão de comentários. Através dele o visitante pode deixar registradas observações sobre sua visita. É uma espécie de diário.

 

Não fosse tão caro, faríamos o site em 3D (três dimensões) para termos a sensação do movimento. Como não foi possível, optamos por uma alternância de imagens, estabelecendo uma diferença com outros ambientes (páginas), garantindo a identificação com um labirinto, e esperando, mesmo sem o movimento, manter a sensação de estar perdido. Quem já experimentou andar numa cidade desconhecida, ou mesmo num labirinto, sabe como tudo parece muito igual. Nunca visitei um deserto, mas ao andar em dunas a sensação é bem semelhante e confusa, de que você andou muito, não saiu do lugar, mas viu as mais diferentes coisas. Então, apesar de estarmos propondo sentidos menos espaciais de labirinto, pensamos que uma imagem mais convencional poderia igualmente despertar a dimensão desértica.

Para garantir a uniformidade e fluidez entre as páginas do site, o menu para navegação ficou escondido em uma das paredes do labirinto, permitindo também a exploração, não só de conteúdos, mas espacial do ambiente.

            A possibilidade de avançar, voltar e fazer nova busca são representações de caminhos diversos para explorar espaços e situações. Avançar permite continuar no mesmo campo de interesse, incorporando ou abrindo-se ao que o site apresenta. Voltar faz retomar a palavra-chave mais específica, permitindo ver que outras alternativas ela pode gerar além da que está sendo apresentada. A nova busca, através da colocação de uma nova palavra geradora, pode significar um recomeço ou uma retomada, uma mudança de foco ou uma tentativa de ver a mesma coisa de forma diferente.

Como no exemplo que dei acima, onde uma palavra como mar pode gerar imagens e idéias diferentes. A busca aleatória é a forma de percorrer o labirinto anterior ao próprio interesse. Como uma pessoa que caminha por uma cidade deixando-se levar. É a própria idéia do errante, do que se entrega ao desconhecido sem expectativas. Talvez seja esse o maior momento de identificação com o outro. O momento da confiança, sabendo que aquilo que está fora é, no final das contas, uma extensão do próprio corpo. Melhor, fora e dentro são indistintos. Como no filme O Silêncio, em que um menino cego ao deixar os ouvidos livres para os sons é sempre atraído por um deles e desvia seu caminho original. É a experiência de quem tem como interesse a própria descoberta, o vou seguindo para ver no que dar e dá sempre em si mesmo.

            A conversa, comunicação ou chat, seria a forma mais convencional do que chamamos diálogo. As pessoas se encontram para trocar palavras-idéias. Mas, dentro da preocupação de manter a fidelidade com o próprio interesse e a liberdade de percurso, uma pessoa só pode encontrar outra se tiverem interesses comuns. Penso, a partir disso, na dificuldade que percebo do trabalho em grupo. Pessoas sem afinidade que são muitas vezes obrigadas a conviver. Ao contrário, pessoas que convivem em nome de algo maior e comum. Como manter essa convivência sem estabelecer disputas desiguais? Como fazer com que o conflito faça parte do processo e não determine o seu fim? Como interagir sem sufocar? Essas são perguntas pertinentes à própria idéia de diálogo que venho tentando apresentar. Perguntas que ficam latejando na cabeça e reforçando os questionamentos sobre a negação da autoridade e sua relação com o diálogo.

            Os comentários são outra forma de interação, dessa vez mais direta, com os pesquisadores. É um espaço para falar sobre o que a experiência de navegação no labirinto sugerir. As mensagens são enviadas como e-mails para os pesquisadores. Se a navegação é uma forma de interagir através dos conteúdos, os comentários, permitindo conversar sobre o labirinto de um modo geral, é a forma de interagir com a própria estrutura, ou arquitetura, do site. Com menos possibilidades de alteração, mas com a mesma liberdade. Eventualmente, esses comentários poderão ser incorporados, como textos, ao banco de dados, tornando-se acessível para outros visitantes.

 

Botão de saída. Clicando nele o visitante recebe, na forma de uma nova página, um mapa de seu percurso. O mapa contém uma listagem de todos os objetos apresentados ao visitante com suas características, bem como o tempo que o visitante permaneceu diante de cada objeto e uma descrição de suas ações de clique e escrita. Cada mapa de visitantes cadastrados permite ver os mapas de visitas anteriores. Os mapas são arquivados no gerenciador para consulta dos pesquisadores.

 

Sair de um labirinto é como sair de um diálogo. Você fica com a impressão de que não viu tudo e com a sensação de que levou o labirinto consigo. É uma experiência com grande potencial transformador e revelador sobre o mundo e a própria pessoa. Daí a minha idéia de que o método da educação é o diálogo, como a sua imagem é o labirinto. No site, estabelecemos duas formas de sair. Uma, mais comum no uso do computador, um “x” no canto superior direito da tela. Fechando o site desse modo, aparecerá uma mensagem dizendo que essa é a forma convencional de sair de uma página ou arquivo, não de um labirinto. Mantemos essa forma de sair para não prender o visitante além da sua vontade de navegar no nosso site. A outra maneira é encontrando uma saída escondida que, como o menu, permite a exploração espacial do labirinto e permite que a pessoa saia, como no mito, usando um fio de Ariadne, que representamos com o mapa da visita, onde é possível a pessoa percorrer, através dos dados de navegação registrados, o labirinto que o visitante criou. Um labirinto que pode ser espelho e inspiração, representação e criação de si, lembrando que o monólogo é um tipo particular de diálogo em que você pode fazer encontrar vários personagens: “o que é” e “o que quer ser”, a figura e a imagem, criador e criatura... na mesma pessoa. Se vão se sentir as mesmas pessoas, é uma curiosidade que eu espero satisfazer no decorrer da pesquisa.
BIBLIOGRAFIA

 

BORGES, Jorge Luis. O Livro de Areia. In Obras Completas de Jorge Luis Borges, vol. 3. São Paulo: Globo, 1999. p. 79-83.

 

DIMANTAS, Hernani. Humanistas. In Nova-e. Planeta Terra, 07 de dezembro de 2001. (Transformação). Acesso em 13 dez. 2001. http://novae.inf.br/marketinghacker/humanistas.htm.

 

LAUREL, Brenda. Computers as Theatre. EUA: AddisonWesley Longman, 2000. 1a ed. 1993

 

LEÃO, Lucia. O Labirinto da hipermídia - arquitetura e navegação no ciberespaço. São Paulo: Iluminuras, 1999.

 

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. (Coleção TRANS). Tradução: Carlos Irineu da Costa.

 

PÁDUA, Daniel. Fluxos. In Nova-e. Planeta Terra, 07 de dezembro de 2001. (Centro da Terra). Acesso em 13 de dez. 2001. http://novae.inf.br/centrodaterra/fluxos.htm.

 

SILÊNCIO, O. (Sokhout). Direção e Roteiro: Mohsen Makhmalbaf. Atores: Tahmineh Normatova; Nadereh Abdelahyeva; Goibibi Ziadolahyeva; Araz M. Shirmohamadi e outros. França: MK2 Productions, 1998. 76 min.

 

TÁVOLA, Artur da. Amadurecer é saúde. In O Dia online. Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 2001. Acesso em 25 jan. 2001. (Arquivo não disponível online)