MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000. 118 p.

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p. 19
"Todo conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão."
/
"O maior erro seria subestimar o problema do erro; a maior ilusão seria subestimar o problema da ilusão. O reconhecimento do erro e da ilusão é ainda mais difícil, porque o erro e a ilusão não se reconhecem, em absoluto, como tais."

p. 21
"Nenhum dispositivo cerebral permite distinguir a alucinação da percepção, o sonho da vigília, o imaginário do real, o subjetivo do objetivo."

p. 22
"O que permite a distinção entre vigília e sonho, imaginário e real, subjetivo e objetivo é a atividade racional da mente, que apela para o controle do ambiente (resistência física do meio ao desejo e ao imaginário), para o controle da prática (atividade verificadora), para o controle da cultura (referência ao saber comum), para o controle do próximo (será que você vê o mesmo que eu?), para o controle cortical (memória, operações lógicas)."

p. 28
"Os produtos do cérebro humano têm o aspecto de seres independentes, dotados de corpos particulares em comunicação com os humanos e entre si." (Karl Marx)
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"as crenças e as idéias não são somente produtos da mente, são também seres mentais que têm vida e poder. Dessa maneira, podem possuir-nos."

p. 29
"Não seria necessário tomar consciência de nossas possessões para poder dialogar com nossas idéias, controlá-las tanto quanto nos controlam e aplicar-lhes testes de verdade e de erro?"

p. 30
"Não devemos nos esquecer jamais de manter nossas idéias em seu papel mediador e impedir que se identifiquem com o real."

p. 31
"Assim como o oxigênio matava os seres vivos primitivos até que a vida utilizasse esse corruptor como desintoxicante, da mesma forma a incerteza, que mata o conhecimento simplista, é o desintoxicante do conhecimento complexo."
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"o conhecimento permanece como uma aventura para a qual a educação deve fornecer o apoio indispensável."
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"na busca da verdade, as atividades auto-observadoras devem ser inseparáveis das atividades observadoras, as autocríticas, inseparáveis das críticas, os processos reflexivos, inseparáveis dos processo de objetivação."

p. 32
"As idéias que defendo aqui não são tanto idéias que possuo, mas sobretudo idéias que me possuem."
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"devemos tentar jogar com as duplas possessões, a das idéias por nossa mente, a de nossa mente pelas idéias, para alcançar formas em que a escravidão mútua se transformaria em convivibilidade."

p. 33
"os homens e as mulheres não podem mais ser brinquedos inconscientes não só de suas idéias, mas das próprias mentiras. O dever principal da educação é de armar cada um para o combate vital para a lucidez."

p. 37
"sendo todas as coisas causadas e causadoras, ajudadas ou ajudantes, mediatas e imediatas, e sustentando-se todas por um elo natural e insensível que une as mais distantes e as mais diferentes, considero ser impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tampouco conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes." (Pascal)

p. 38
"complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade."

p. 40-41
"O enfraquecimento da percepção do global conduz ao enfraquecimento da responsabilidade (cada qual tende a ser responsável apenas por sua tarefa especializada), assim como ao enfraquecimento da solidariedade (cada qual não mais sente os vínculos com seus concidadãos)."

p. 42
"Como nossa educação nos ensinou a separar, compartimentar, isolar e, não, a unir os conhecimentos, o conjunto deles constitui um quebra-cabeças ininteligível."

p. 43
"quanto mais os problemas se tornam multidimensionais, maior é a incapacidade de pensar sua multidimensionalidade; quanto mais a crise progride, mais progride a incapacidade de pensar a crise; mais os problemas se tornam planetários, mais eles se tornam impensáveis."

p. 44
"Sabe-se que intenções salutares, obedecendo a essas instruções, produzem em longo prazo efeitos nocivos que contrabalançam, até ultrapassam, os efeitos benéficos."

p. 47
"todo conhecimento deve contextualizar seu objeto, para ser pertinente."

p. 47-48
"O humano continua esquartejado, partido como pedaços de um quebra-cabeça ao qual falta uma peça."

p. 48
"Estamos simultaneamente dentro e fora da natureza."

p. 49
"As partículas de nossos organismos teriam aparecido desde os primeiros segundos de existência de nosso cosmo há (talvez?) quinze bilhões de anos; nossos átomos de carbono formaram-se em um ou vários sóis anteriores ao nosso; nossas moléculas agruparam-se nos primeiros tempos convulsivos da Terra; estas macromoléculas associaram-se em turbilhões dos quais um, cada vez mais rico em diversidade molecular, se metamorfoseou em organização de novo tipo, em relação à organização estritamente química: uma auto-organização viva."

p. 50
"Nosso planeta agregou-se há cinco bilhões de anos, a partir, provavelmente, de detritos cósmicos resultantes da explosão de um sol anterior, e há quatro bilhões de anos a organização viva emergiu de um turbilhão macromolecular em meio a tormentas e convulsões telúricas."

p. 51
"A antropologia pré-histórica mostra-nos como a hominização é uma aventura de milhões de anos, ao mesmo tempo descontínua — surgimento de novas espécies: habilis, erectus, neanderthal, sapiens, e desaparecimento das precedentes, aparecimento da linguagem e da cultura — e contínuo, no sentido de que prossegue em um processo de bipedização, manualização, erguimento do corpo, cerebralização, juvenescimento (o adulto que conserva os caracteres não-especializados do embrião e os caracteres psicológicos da juventude), de complexificação social, processo durante o qual aparece a linguagem propriamente humana, ao mesmo tempo que se constitui a cultura, capital adquirido de saberes, de fazeres, de crenças e mitos transmitidos de geração em geração..."
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"O próprio fato de considerar racional e cientificamente o universo separa-nos dele."
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"Desenvolvemo-nos além do mundo físico e vivo."

p. 52
"Exprime de maneira hipertrofiada as qualidades egocêntricas e altruístas do indivíduo, alcança paroxismos de vida em êxtases e na embriaguez, ferve de ardores orgiásticos e orgásmicos, e é nesta hipervitalidade que o Homo sapiens é também Homo demens."

p. 53
"O cérebro humano contém: a) paleocéfalo, herdeiro do cérebro reptiliano, fonte da agressividade, do cio, das pulsões primárias, b) mesocéfalo, herdeiro do cérebro dos antigos mamíferos, no qual o hipocampo parece ligado ao desenvolvimento da afetividade e da memória a longo prazo, c) o córtex, que, já bem desenvolvido nos mamíferos, chegando a envolver todas as estruturas do encéfalo e a formar os dois hemisférios cerebrais, hipertrofia-se nos humanos no neocórtex, que é a sede das aptidões analíticas, lógicas, estratégicas, que a cultura permite atualizar completamente. Assim emerge outra face da complexidade humana, que integra a animalidade (mamífero e réptil) na humanidade e a humanidade na animalidade. As relações entre as três instâncias são não apenas complementares, mas também antagônicas, comportando conflitos bem conhecidos entre a pulsão, o coração e a razão; correlativamente a relação triúnica não obedece à hierarquia razão/afetividade/pulsão; há uma relação instável, permutante, rotativa entre estas três instâncias. A racionalidade não dispõe, portanto, de poder supremo. É uma instância concorrente e antagônica às outras instâncias de uma tríade inseparável, e é frágil: pode ser dominada, submersa ou mesmo escravizada pela afetividade ou pela pulsão."

p. 54
"No nível antropológico, a sociedade vive para o indivíduo, o qual vive para a sociedade; a sociedade e o indivíduo vivem para a espécie, que vive para o indivíduo e para a sociedade. Cada um desses termos é ao mesmo tempo meio e fim."

p. 55
"todo desenvolvimento verdadeiramente humano significa o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie humana."
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"Compreender o humano é compreender sua unidade na diversidade, sua diversidade na unidade."

p. 56
"sempre existe a cultura nas culturas, mas a cultura existe apenas por meio das culturas."

p. 57
"O duplo fenômeno da unidade e da diversidade das culturas é crucial. A cultura mantém a identidade humana naquilo que tem de específico; as culturas mantêm as identidades sociais naquilo que têm de específico."
"
"a desintegração de uma cultura sob o efeito destruidor da dominação técnico-civilizacional é uma perda para toda a humanidade, cuja diversidade cultural constitui um dos mais preciosos tesouros."

p. 58
"sapiens e demens (sábio e louco) // faber e ludens (trabalhador e lúdico) // empiricus e imaginarius (empírico e imaginário) // economicus e consumans (econômico e consumista) // prosaicus e poeticus (prosaico e poético)"

p. 61
"A pesquisa, a descoberta avançam no vácuo da incerteza e da incapacidade de decidir. O gênio brota na brecha do incontrolável, justamente onde a loucura ronda."

p. 63
"Apenas o sábio mantém o todo constantemente na mente, jamais esquece o mundo, pensa e age em relação ao cosmo." (Groethuysen)

p. 64
"Na era das telecomunicações, da informação, da Internet, estamos submersos na complexidade do mundo, as incontáveis informações sobre o mundo sufocam nossas possibilidades de inteligibilidade. // Daí surge a esperança de destacar um problema vital por excelência, que subordinaria os demais problemas vitais. Mas este problema vital é constituído pelo conjunto de problemas vitais, ou seja, a intersolidariedade complexa de problemas, antagonismos, crises, processos descontrolados."

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"O que agrava a dificuldade de conhecer nosso Mundo é o modo de pensar que atrofiou em nós, em vez de desenvolver, a aptidão de contextualizar e de globalizar".
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"O planeta não é um sistema global, mas um turbilhão em movimento, desprovido de centro organizador."

p. 67
"O planeta encolhe. Foram precisos três anos para que Magellan desse a volta ao mundo por mar (1519-22). Eram necessários ainda 80 dias para que um intrépido viajante do século XIX, utilizando estradas, trem e navegação a vapor, desse a volta ao mundo. No final do século XX, o avião a jato circunda-o em 24 horas."
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"Cada parte do mundo faz, mais e mais, parte do mundo e o mundo, como um todo, está cada vez mais presente em cada uma de suas partes."

p. 68
"para o melhor e o pior, cada ser humano, rico ou pobre, do Sul ou do Norte, do Leste ou do Oeste, traz em si, sem saber, o planeta inteiro. A mundialização é ao mesmo tempo evidente, subconsciente e onipresente."

p. 69-70
"Concebido unicamente de modo técnico-econômico, o desenvolvimento chega a um ponto insustentável, inclusive o chamado desenvolvimento sustentável. É necessária uma noção mais rica e complexa do desenvolvimento, que seja não somente material, mas também intelectual, afetiva, moral..."

p. 70
"a evolução humana é o crescimento do poderio da morte."

p. 72
"O ocaso do século XX deixou como herança contracorrentes regeneradoras. Freqüentemente, na história, contracorrentes suscitadas em reação às correntes dominantes podem-se desenvolver e mudar o curso dos acontecimentos. Devemos considerar: // - a contracorrente ecológica que, com o crescimento das degradações e o surgimento de catástrofes técnicas/industriais, só tende a aumentar; // - a contracorrente qualitativa que, em reação à invasão do quantitativo e da uniformização generalizada, se apega à qualidade em todos os campos, a começar pela qualidade de vida; // - a contracorrente de resistência à vida prosaica puramente utilitária, que se manifesta pela busca da vida poética, dedicada ao amor, à admiração, à paixão, à festa; // - a contracorrente de resistência à primazia do consumo padronizado, que se manifesta de duas maneiras opostas: uma pela busca da intensidade vivida ("consumismo"); a outra pela busca da frugalidade e da temperança; // - a contracorrente, ainda tímida, de emancipação em relação à tirania onipresente do dinheiro, que se busca contrabalançar por relações humanas e solidárias, fazendo retroceder o reino do lucro; // - a contracorrente, também tímida, que, em reação ao desencadeamento da violência, nutre éticas de pacificação das almas e das mentes."

p. 74
"Mas [a genética e a manipulação molecular do cérebro humano] permitirão a eliminação de taras deformadoras".

p. 75
"Aquilo que porta o pior perigo traz também as melhores esperanças".

p. 76-77
"Devemos inscrever em nós: // - a consciência antropológica, que reconhece a unidade na diversidade; // - a consciência ecológica, isto é, a consciência de habitar, com todos os seres mortais, a mesma esfera viva (biosfera): reconhecer nossa união consubstancial com a biosfera conduz ao abandono do sonho prometéico do domínio do universo para nutrir a aspiração de convivibilidade sobre a Terra; // - a consciência cívica terrena, isto é, da responsabilidade e da solidariedade para com os filhos da Terra; // - a consciência espiritual da condição humana que decorre do exercício complexo do pensamento e que nos permite, ao mesmo tempo, criticar-nos mutuamente e autocriticar-nos e compreender-nos mutuamente."

p. 77
"Não se deve mais continuar a opor o futuro radiante ao passado de servidão e superstições."

p. 78
""simbiosofia", sabedoria de viver junto."
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"Estamos comprometidos, na escala da humanidade planetária, na obra essencial da vida, que é resistir à morte."
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"Civilizar e solidarizar a Terra, transformar a espécie humana em verdadeira humanidade torna-se o objetivo fundamental e global de toda educação que aspira não apenas ao progresso, mas à sobrevida da humanidade."

p. 79
"Os deuses criam-nos muitas surpresas: o esperado não se cumpre, e ao inesperado um deus abre o caminho." (Eurípedes)
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"a perda do futuro, ou seja, sua imprevisibilidade."
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"Grande conquista da inteligência seria poder enfim se libertar da ilusão de prever o destino humano."

p. 81
"O surgimento do novo não pode ser previsto, senão não seria novo."

p. 81-82
"A história avança, não de modo frontal como um rio, mas por desvios que decorrem de inovações ou de criações internas, de acontecimentos ou acidentes externos. A transformação interna começa a partir de criações inicialmente locais e quase microscópicas, efetua-se em meio inicialmente restrito a alguns indivíduos e surge como desvios em relação à normalidade. Se o desvio não for esmagado, pode, em condições favoráveis, proporcionadas geralmente por crises, paralisar a regulação que o freava ou reprimia, para, em seguida, proliferar de modo epidêmico, desenvolver-se, propagar-se e tornar-se tendência cada vez mais poderosa, produzindo a nova normalidade."

p. 82
"não há evolução que não seja desorganizadora/reorganizadora em seu processo de transformação ou de metamorfose."

p. 83
"Há fraca integração da experiência humana adquirida e forte desperdício desta experiência, dissipada em grande parte a cada geração. De fato, há uma enorme desperdício das aquisições na história. Enfim, quantas boas idéias não foram integradas, mas, ao contrário, rejeitadas pelas normas, tabus, interdições."
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"A história não constitui, portanto, uma evolução linear. Conhece turbulências, bifurcações, desvios, fases imóveis, êxtases, períodos de latência seguidos de virulências".

p. 83-84
"à visão do universo obediente a uma ordem impecável, é preciso substituir a visão na qual este universo é o jogo e o risco da dialógica (relação ao mesmo tempo antagônica, concorrente e complementar) entre a ordem a desordem e a organização."

p. 84-85
"É por isso que a educação do futuro deve se voltar para as incertezas ligadas ao conhecimento, pois existe: // - Um princípio de incerteza cérebro-mental, que decorre do processo de tradução/reconstrução próprio a todo conhecimento. // - Um princípio de incerteza lógica: como dizia Pascal muito claramente, "Nem a contradição é sinal de falsidade, nem a não-contradição é sinal de verdade." // - Um princípio da incerteza racional, já que a racionalidade, se não mantém autocrítica vigilante, cai na racionalização. // - Um princípio da incerteza psicológica: existe a impossibilidade de ser totalmente consciente do que se passa na maquinaria de nossa mente, que conserva sempre algo de fundamentalmente inconsciente. Existe, portanto, a dificuldade do auto-exame crítico, para o qual nossa sinceridade não é garantia de certeza, e existem limites para qualquer autoconhecimento."

p. 85
"Nossa realidade não é outra senão nossa idéia da realidade."
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"importa não ser realista no sentido trivial (adaptar-se ao imediato), nem irrealista no sentido trivial (subtrair-se às limitações da realidade); importa ser realista no sentido complexo: compreender a incerteza do real, saber que há algo possível ainda invisível no real."

p. 86
"nas palavras cruzadas, atinge-se a precisão para cada palavra na adequação ao mesmo tempo de sua definição e sua congruência com as outras palavras que contêm letras comuns; em seguida, a concordância geral que se estabelece entre todas as palavras constitui a verificação de conjunto que confirma a legitimidade das diferentes palavras inscritas. Mas a vida, diferentemente das palavras cruzadas, compreende espaços sem definição, espaços com falsas definições e, sobretudo, a ausência de um quadro geral fechado".
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"a ação é decisão, escolha, mas é também uma aposta."

p. 86-87
"ecologia da ação. Tão logo um indivíduo empreende uma ação, qualquer que seja, esta começa a escapar de suas intenções. Esta ação entra em um universo de interações e é finalmente o meio ambiente que se apossa dela, em sentido que pode contraria a intenção inicial."

p. 87
"A ecologia da ação é, em suma, levar em consideração a complexidade que ela supões, ou seja, o aleatório, acaso, iniciativa, decisão, inesperado, imprevisto, consciência de derivas e transformações."
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"o teorema de Arrow, que erige a impossibilidade de associar o interesse coletivo a interesses individuais, assim como de definir a felicidade coletiva com base em uma coleção de felicidades individuais."
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"a teoria dos jogos de von Neumann indica-nos que, além do duelo entre dois atores racionais, não se pode decidir com segurança a melhor estratégia. Entretanto, os jogos da vida raramente comportam dois atores e, ainda mais raramente, atores racionais."

p. 88
"Todos sabemos ao mesmo tempo demonstrar extrema audácia e nada empreender sem madura reflexão. Nos outros, a intrepidez é efeito da ignorância, enquanto a reflexão engendra a indecisão." (Péricles, in Tucídides, Guerra do Peloponeso)
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"não é absolutamente certo que a pureza dos meios conduza aos fins desejados, nem que sua impureza seja necessariamente nefasta."

p. 89
"A ação também pode ter três tipos de conseqüências insuspeitas, com as recenseou Hirschman: // - o efeito perverso (o efeito nefasto inesperado é mais importante que o efeito benéfico esperado); // - a inanição da inovação (quanto mais se muda, mais tudo permanece igual); // a colocação das conquistas em perigo (quis-se melhorar a sociedade, mas só se conseguiu suprimir liberdade ou segurança)."

p. 90
"A estratégia deve prevalecer sobre o programa. O programa estabelece uma seqüência de ações que devem ser executadas sem variação em um ambiente estável, mas, se houver modificação das condições externas, bloqueia-se o programa. A estratégia, ao contrário, elabora um cenário de ação que examina as certezas e as incertezas da situação, as probabilidades, as improbabilidades."

p. 91
"É na estratégia que se apresenta sempre de maneira singular, em função do contexto e em virtude do próprio desenvolvimento, o problema da dialógica entre fins e meios."

p. 92
"A renúncia ao melhor dos mundos não é, de maneira alguma, a renúncia a um mundo melhor."
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"Na história, temos visto com freqüência, infelizmente, que o possível se torna impossível e podemos pressentir que as mais ricas possibilidades humanas permanecem impossíveis de se realizar. Mas vimos também que o inesperado torna-se possível e se realiza; vimos com freqüência que o improvável se realiza mais do que o provável; saibamos, então, esperar o inesperado e trabalhar pelo improvável."

p. 93
"Sem dúvida, há importantes e múltiplos progresso da compreensão, mas o avanço da incompreensão parece ainda maior."

p. 94
"A comunicação não garante a compreensão."
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"inteligibilidade, condição primeira necessária, mas não suficiente, para a compreensão."

p. 95
"Compreender inclui, necessariamente, um processo de empatia, de identificação e de projeção."

p. 98
"A desqualificação por motivos de ordem moral permite evitar qualquer esforço de inteligência do objeto desqualificado de maneira que um juízo moral traduz sempre a recusa de analisar e mesmo a recusa de pensar." (Clément Rosset)
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"O caráter distintivo da indignação moral continua sendo o desejo instintivo de devolver pena por pena." (Westermarck)
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"Reduzir o conhecimento do complexo ao de um de seus elementos, considerado como o mais significativo, tem conseqüências piores em ética do que em conhecimento físico."

p. 99
"A ética da compreensão pede que se compreenda e incompreensão."

p. 101
"Enquanto na vida cotidiana ficamos quase indiferentes às misérias físicas e morais, sentimos compaixão e comiseração na leitura de um romance ou na projeção de um filme."

p. 102
"Há quatro graus de tolerância: o primeiro, expresso por Voltaire, obriga-nos a respeitar o direito de proferir um propósito que nos parece ignóbil; isso não é respeitar o ignóbil, trata-se de evitar que se imponha nossa concepção sobre o ignóbil a fim de proibir uma fala. O segundo grau é inseparável da opção democrática: a essência da democracia é se nutrir de opiniões diversas e antagônicas; assim, o princípio democrático conclama cada um a respeitar a expressão de idéias antagônicas às suas. O terceiro grau obedece à concepção de Niels Bohr, para quem o contrário de uma idéia profunda é uma outra idéia profunda; dito de outra maneira, há uma verdade na idéia antagônica à nossa, e é esta verdade que é preciso respeitar. O quarto grau vem da consciência das possessões humanas pelos mitos, ideologias, idéias ou deuses, assim como da consciência das derivas que levam os indivíduos bem mais longe, a lugar diferente daquele onde querem ir."
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"A tolerância vale, com certeza, para as idéias, não para os insultos, agressões ou atos homicidas."

p. 103
"Em cada cultura, as mentalidades dominantes são etno ou sociocêntricas, isto é, mais ou menos fechadas em relação às outras culturas. Mas existem, dentro de cada cultura, mentalidades abertas, curiosas, não-ortodoxas, desviantes, e existem também mestiços, fruto de casamentos mistos, que constituem pontes naturais entre as culturas."

p. 104
"o caminho da Compreensão entre as culturas, povos e nações passa pela generalização das sociedades democráticas abertas."

p. 106
"Compreende, por conseguinte, como toda ética, aspiração e vontade".

p. 108
"a vitalidade e a produtividade dos conflitos só podem se expandir em obediência às regras democráticas que regulam os antagonismos, substituindo as lutas físicas pelas lutas de idéias, e que determinam, por meio de debates e das eleições, o vencedor provisório das idéias em conflito, aquele que tem, em troca,, a responsabilidade de prestar contas da aplicação de suas idéias."

p. 111
"os inconvenientes da hiperespecialização, do parcelamento e da fragmentação do saber. Este tornou-se cada vez mais esotérico (acessível apenas aos especialistas) e anônimo (concentrado nos bancos de dados e utilizado por instâncias anônimas, a começar pelo Estado)."

p. 112
"Poder-se-ia nos perguntar, finalmente, se a escola não poderia ser prática e concretamente um laboratório de vida democrática. Obviamente, tratar-se-ia de democracia limitada, no sentido de que um professor não seria eleito por seus alunos, de que a necessária autodisciplina coletiva não poderia eliminar a disciplina imposta e igualmente no sentido de que a igualdade de princípio entre os que não sabem e os que aprendem não poderia ser abolida."

p. 113
"Sou homem, nada do que é humano me é estranho." (Terêncio)
/
"Kant já dizia que a finitude geográfica de nossa terra impõe a seus habitantes o princípio de hospitalidade universal, que reconhece ao outro o direito de não ser tratado com um inimigo."

p. 114
"A Humanidade deixou de constituir uma noção apenas biológica e deve ser, ao mesmo tempo, plenamente reconhecida em sua inclusão indissociável na biosfera; a Humanidade deixou de constituir uma noção sem raízes: está enraizada em uma "Pátria", a Terra, e a Terra é uma Pátria em perigo. A Humanidade deixou de constituir uma noção abstrata: é realidade vital, pois está, doravante, pela primeira vez, ameaçada de morte: a Humanidade deixou de constituir uma noção somente ideal, tornou-se urna comunidade de destino, e somente a consciência desta comunidade pode conduzi-la a uma comunidade de vida; a Humanidade é, daqui em diante, sobretudo, urna noção ética: é o que deve ser realizado por todos e em cada um. // Enquanto a espécie humana continua sua aventura sob a ameaça de autodestruição, o imperativo tornou-se salvar a Humanidade, realizando-a."

p. 115
"Não possuímos as chaves que abririam as portas de um futuro melhor."
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"El camino se hace al andar". (Antonio Machado)

p. 116
"A PROPÓSITO DE UMA BIBLIOGRAFIA // Este texto de proposição e de reflexão não comporta bibliografia. Por um lado, a amplitude dos sete saberes remete a bibliografia considerável, que não seria possível mencionar nas dimensões desta publicação. Por outro, eu não saberia impor urna bibliografia seletiva curta. É facultado, a qualquer leitor interessado em formar a própria opinião, a realização de leituras. Finalmente, cada país dispõe de obras provenientes da própria cultura, e não seria o caso aqui de excluí-las, acreditando que algumas delas poderiam ser selecionadas."

 

Elaborado por Eduardo Loureiro Jr. em dezembro de 2000

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