Universidade Federal do Ceará
Programa de Pós-Graduação em Educação - Doutorado
Disciplina: Correntes Modernas da Filosofia da Ciência
Professor: André Haguette

"Corpo"
Andréa Havt

No período em que fiz graduação - 1985 a 1990 - acompanhei uma discussão sobre a importância da Educação Física, especialmente na Universidade de Brasília. Uma das questões principais era a manutenção da obrigatoriedade da disciplina Prática Desportiva para todos os cursos. Se de um lado não fazia sentido ser uma disciplina obrigatória, de outro, era a única forma de chamar a atenção dos universitários sobre a importância de não se esquecer o corpo, desenvolvendo uma visão mais integrada do homem. Meus dois semestres de Prática Desportiva foram, nesse contexto, direcionados à experimentação de vários esportes, para sentir as formas com que mexem e como percebem o corpo, e à discussão sobre o significado da disciplina no meio universitário. De um modo geral, vimos que os alunos entendiam o esporte a partir de uma perspectiva profissional. Assim, a Educação Física seria dirigida a melhorar o desempenho de atletas de ponta, envolvidos em competições onde os resultados eram fundamentais para conseguir patrocínio para o desenvolvimento do próprio esporte, que ganharia visibilidade sempre que representassem seus estados ou o país. Até onde acompanhei essa discussão, não se tinha conseguido modificar muito essa imagem instrumental da Educação Física para formar campeões. A própria Universidade não sabia bem definir se ela era um curso da área de saúde ou da educação.

Voltei a pensar no tema quando passei dois anos - 1998/9 - trabalhando em uma escola de ensino fundamental e médio, onde deparei com a resistência e descaso de pais e alunos em relação à Educação Física, que é disciplina obrigatória também para escolas. Não entendia especialmente como os alunos, que corriam feito loucos na hora do recreio para pegar bola e reservar lugar na quadra para jogar, não gostavam da Educação Física. Vi que, apesar do professor não fazer aulas dirigidas à competicão ou à formação de atletas, era assim que os alunos percebiam, como na universidade, a disciplina.

Quando propomos em nosso projeto - Labirinto - vivenciar a complexidade do conhecimento que se dá de forma não-linear e de corpo inteiro, retomamos a visão integrada do homem. As oficinas e a instalação, construção física do labirinto, juntam-se à produção textual e ao site na internet exatamente no sentido de propiciar formas diferenciadas de experimentar a multiplicidade de inteligências - ligüística, musical, lógico-matemática, espacial, corporal-cinestésica, interpessoal, intrapessoal e naturalística - de que fala Howard Gardner em Estruturas da Mente.

Tenho procurado conhecer pessoas que trabalham com esse mesmo objetivo e tenho notado que a vivência corporal e a postura de tomar o corpo como sujeito do conhecimento de si e do mundo vem sendo praticada mais a partir da arte e de técnicas terapêuticas do que de jogos, da recreação ou mesmo de exploração de espaços variados. É o caso da sociopoética de Jacques Gauthier que usa técnicas de teatro, pintura, argila, biodança e meditação na pesquisa. Ou de Clara Carvalho arte-terapeuta que desenvolveu sua pesquisa de mestrado com professores a partir de oficinas criativas, com uso também da biodança e de técnicas das artes plásticas como formas de conscientização e expressão do que era ser professor para o grupo com que trabalhou. Conheci, no entanto, o professor de educação física Norval Batista, no curso Nós XXI, promovido pela pró-reitoria de extensão da UFC, que fez uma caminhada pelo campus do pici com a proposta de experimentá-lo com o corpo, sugerindo novas relações com o que encontrávamos. Viramos bicho, seguindo uma proposta geral dessas técnicas de recuperar o que há de mais primitivo em nós, talvez no sentido de Fernando Pessoa de tirar as roupas da alma e encontrar algo de mais original na nossa vivência do mundo. Talvez seja essa a forma de possibilitar a autonomia, talvez seja uma ilusão buscar natureza no homem. E é no percurso dessas desconfianças que vamos nos perder no labirinto.

 

Fonte: http://www.patio.com.br/labirinto