O labirinto como metáfora de um conhecimento não-linear
Eduardo Loureiro Jr.

Num labirinto, o fio só serve para sair, não tem serventia para entrar. Encontrar o minotauro no centro ou em um dos corredores do labirinto não depende de fio algum. O herói isolado não precisa de fio. Este é que precisa dos heróis como a linha precisa do pano. E a agulha eu não sei o que é, nem de que precisa. O fio é uma solicitação de Ariadne e uma concessão de Dédalo. Teseu o aceita. ¿Ariadne por amor, já que apaixonada; Dédalo por obrigação, já que escravo; Teseu por pressa, já que sedento de outra aventura? A trama não se desenvolve como poderíamos esperar. Tivesse Minos sacrificado o touro a Possêidon, e os abatedouros ainda estariam reservando o do santo. Tivesse Possêidon matado Minos, e teríamos uma alternativa ao impeachment. Tivesse Pasífae refreado seu desejo, e a psicanálise teria sido inventada mais cedo. Tivesse Dédalo recusado a proposta de Pasífae, e seria o primeiro burocrata que lamentaria não ter sido inventor ou arquiteto. Tivesse o touro reconhecido Pasífae na vaca de madeira, e não chamaríamos seus contraparentes de burros. Tivesse o minotauro morrido logo ao nascer, e teria aumentado a taxa de mortalidade bovino-infantil. Tivesse o minotauro educação em classe integrada, e não haveria necessidade de labirinto. Tivesse o minotauro comido só capim — e não a esposa do rei —, e seriam poupados sete rapazes e sete moças por ano. Tivesse Teseu aceitado o sacrifício, e o cristianismo se chamaria teseísmo. A trama não se desenvolve como poderíamos esperar. Teseu matou o Minotauro, saiu do labirinto, mas o fio desfiou na intenção do fim. Da mesma forma que a bagagem da volta não cabe na mala da ida, o novo novelo do começo volta despenteado, esgarçado, velho, velhelo. Teseu e Ariadne fogem, mas o herói a abandona por outra mulher. E Dédalo é condenado, junto com o filho Ícaro, à prisão em sua própria criação, o labirinto. "Na atividade mesma daqueles que executam uma construção, há sempre mais inquietude do que alegria". ¿Se Dédalo fosse Teseu, o que teria sido dele sem o fio? Para quem compreende a lógica do labirinto, o fio não é inútil só na entrada, também o é na saída. O infinito, o imprevisível, o imponderável, o insondável, o limite inalcançável de um labirinto são paredes sem teto: um céu estrelado e ensolarado. Dédalo, em sua confusão e emaranhamento, encruzilhou caminhos de fibras vegetais e animais, colou-os com a cera dos próprios labirintos de seus ouvidos internos, e confeccionou asas para voltar para casa. Casas. Uma bifurcação final levaria Ícaro para o fundo do mar, morada de Possêidon, enquanto Dédalo retornaria à sua terra natal. Viveu amargurado até o fim, dizem. Se perguntando, se perguntando, como qualquer ouvinte ou leitor diante de um mito: por que Possêidon, deus dos mares, queria um touro, símbolo da terra, em sacrifício? como Possêidon conseguiu que a esposa de Minos se apaixonasse por um touro? por que Dédalo estava vivendo como escravo em Creta? por que Dédalo aceitou tornar possível o desejo de Pasífae? por que, para um touro, uma vaca de madeira é mais desejável que uma mulher de verdade? quem cuidou do minotauro até ele ser grande suficiente para não poder ser morto por ninguém? o que o minotauro ficou fazendo enquanto os cretenses construíam o labirinto? como fizeram para o minotauro entrar no labirinto? por que não deixaram o minotauro morrer de fome no labirinto? por que deram-lhe de comer sete rapazes e sete moças anualmente? o minotauro comia todos de uma vez e depois hibernava? por que os sacrificados eram de Atenas? como eram escolhidos os catorze jovens? quantos morreram antes de Teseu enfrentar o minotauro? o que mudaria nas relações entre Creta e Atenas com a morte do minotauro? por que Ariadne, princesa de Creta, se apaixona por Teseu, príncipe de Atenas? como Teseu mata o minotauro? O ponto de interrogação é uma curva sinuosa. O xis da questão é uma encruzilhada.

[texto produzido em 29/30.março.2000 para a disciplina Correntes Modernas da Filosofia da Ciência, ministrada pelo professor André Haguette]

 

Fonte: http://www.patio.com.br/labirinto