LEÃO, Lucia. O Labirinto da hipermídia - arquitetura e navegação no ciberespaço. São Paulo: Iluminuras, 1999.

Apresentação

"O labirinto convida à exegese, e o entrelaçamento de encruzilhadas e de corredores ramificados atrai irresistivelmente o intérprete a mil e um percursos. A fascinação exercida por um simbolismo considerado universal não é sem dúvida estranha à sua natureza gráfica de traçado aporético e de caminho mais longo encerrado no espaço mais curto." Detienne em A escrita de Orfeu, 1991: 13. 9

O termo hipermídia designa um tipo de escritura complexa, na qual diferentes blocos de informações estão interconectados. Devido a características do meio digital é possível realizar trabalhos com uma quantidade enorme de informações vinculadas, criando uma rede multidimensional de dados. Esta rede, que constitui o sistema hipermidiático propriamente dito, possibilita ao leitor diferentes percursos de leitura. O processo de desenvolvimento de um sistema hipermidiático envolve uma série de questões que se avolumam e fazem emergir uma complexidade. ... apesar de o termo labirinto estar, de um modo geral, associado à idéia de confusão, de estar perdido e de erro, quando é visto como metáfora da complexidade, seu sentido se expande. 9/10

Agradecimentos

... a mágica alquimia do mestre: ser o catalisador do processo do conhecimento. 11

Professor Solomon Marcus, da Romênia, matemático, ... que me introduziu nos fundamentos científicos da metáfora como processo cognitivo. ... Prof. Floyd Merrell, dos EUA, amante de Borges e seus labirintos; ... Prof. Renato Cohen, artista inspirado e construtor de pontes (entre as pessoas e as artes)...

Introdução

"Pensar não é sair da caverna nem substituir a incerteza das sombras pelos contornos nítidos das próprias coisas, a claridade vacilante de uma chama pela luz do verdadeiro Sol. É entrar no Labirinto, mais exatamente fazer ser e aparecer um Labirinto ao passo que se poderia ter ficado 'estendido entre as flores, voltado para o céu'. É perder-se em galerias que só existem porque as cavamos incansavelmente, girar no fundo de um beco cujo acesso se fechou atrás de nossos passos - até que essa rotação, inexplicavelmente, abra na parede fendas por onde se pode passar." Castoriades, em As encruzilhadas do labirinto 1, 1987: 7/8. 13

A discussão metafórica esteve por muito tempo restrita às investigações poéticas... afirmar: 'meu trabalho é uma prisão' é muito mais forte do que dizer 'meu trabalho é como uma prisão'. A metáfora, à medida que articula esquemas analógicos, não se interessa por similaridades ou comparações. Sua característica principal é conceber uma outra categoria de conhecimento que envolve os dois campos de saber (A e B). A interação entre esses campos se dá de tal forma que, após o vínculo metafórico, nossa compreensão se altera tanto em relação ao campo A, como em relação ao B. Em síntese, a metáfora, ao possibilitar a aproximação de dois mundos ou domínios heterogêneos, viabiliza uma re-descrição de um determinado assunto e oferece uma visão criativa e inesperada. 15
Autores: Holyoak & Thagard, Hofstadter, Gödel, Escher, Bach.

O que distingue a hipermídia é a possibilidade de estabelecer conexões entre diversas mídias e entre diversos documentos ou nós de uma rede. Com isso, os 'elos' entre os documentos propiciam um pensamento não-linear e multifacetado. O leitor em hipermídia é um leitor ativo, que está a todo momento estabelecendo relações próprias entre diversos caminhos. Como um labirinto a ser visitado, a hipermídia nos promete surpresas, percursos desconhecidos... 16

"O fichário marca a conquista da escrita tridimensional e, deste modo, apresenta um extraordinário contraponto para a tridimensionalidade da escrita na sua forma original como runa e escrita nodular. E o livro hoje, tal como o presente modo de produçào acadêmica demonstra, é uma ultrapassada forma de mediação entre dois sistemas de arquivos. Pois tudo que importa se encontra no fichário do pesquisador que o escreveu, e o aluno, ao estudar os textos, assimila o que importa em seu próprio fichário.'(Benjamim em Reflections, 1978: 78) ... o hipertexto representa um fichário ativo, fácil de ser consultado. 19

... a mente humana trabalha por associações. 19

"... eu defino o termo hipertexto simplesmente como escritas associadas não-seqüenciais, conexões possíveis de se seguir, oportunidades de leitura em diferentes direções." (Nelson, em Virtual world without end, no livro Cyberarts..., 1992). 21

… o problema das bibliotecas relaciona-se à gestão de arquivos e bancos de dados. Como conceber e organizar esses dados de forma que eles não sejam meras pilhas de informações, mas sim sistemas organizados? Um sistema organizado deve facilitar a inserção de novos dados, a procura de uma informação desejada e a seleção de dados segundo critérios previamente estabelecidos. 21

A internet foi concebida como uma rede sem um ponto de comando central único e essa construção permite que ela continue ativa mesmo em caso de suspensão nas comunicações de alguns de seus centros. Todos os pontos da rede têm o mesmo poder de comunicação. 22

A internet tem, como rede, uma grande capacidade de autogênese. Uma rede se forma e se transforma a cada momento....cada nó, cada ponto tem em si a capacidade de gerar uma outra.22/3

(Acesso ao mundo e excesso de informações) ... aspecto duplo e paradoxal da experência hipermidiática. ... Senti a vertigem e a necessidade de voltar o tempo todo à já conhecida e segura tecnologia do texto impresso linearmente. ... "Alice não cresce sem ficar menor e inversamente."( Deleuze em 1a série de paradoxos: do puro devir, 1974). É da natureza paradoxal do devir a simultaneidade, o puxar e o avançar em dois sentidos ao mesmo tempo. Pesquisar na WWW é ao mesmo tempo se encontrar nas multiplicidades e se perder; é avançar e recuar o tempo todo; é não mais separar e ao mesmo tempo, com todas as forças, tentar distinguir; é o ilimitado e o limitado que tentam se manifestar e se confundem; enfim, nas palavras de Deleuze (1974:61), é o jogo ideal de Alice, no qual começamos quando queremos e "paramos de correr ao nosso bel prazer". Nos sistemas hipermidiáticos vivemos a sensação de infinito como um grito que espelha a nossa finitude, buscamos definir limites e perímetros e, ao mesmo tempo, louvamos a imensidão... 25

(Monegal sobre a natureza labiríntica de Borges) "Para o homem medido e comedido, o quarto, o deserto e o mundo são lugares estritamente determinados. Para o homem desértico e labiríntico, destinado ao erro de uma marcha necessariamente mais longa do que sua vida, o mesmo espaço será verdadeiramente infinito, mesmo se ele sabe que ele mesmo não o é, e tanto mais quanto mais ele o souber." (em Borges: uma poética de leitura, 1980). 25/6

Capítulo 1 - Características da Hipermídia

As páginas da WWW muitas vezes são compostas por diversos itens de hiperlinks, formando uma espécie de "menu de links". [por exemplo, links para outras páginas]. Isto é muito simpático pois, com o aumento do potencial de conexões, a navegação tende a se ornar mais complexa, mais rica. Existem instituições, no entanto, que extrapolam e organizam suas páginas na Web em índices e mais índices, num movimento incessante de tópicos e mais tópicos que parece nunca acabar. Esse tipo de organização faz com que tenhamos uma série de links para outros links. Além do fato de causar uma sensação de vazio, pois é como se tivéssemos acesso sempre aos rótulos e nunca aos produtos, essa construção acaba por levar ao que Rosenberg e outros denominaram "desmaterialização da lexia [nó]"... encruzilhadas que chegam a outras encruzilhadas... causa de uma sensação de frustração e ansiedade comuns aos navegadores. Estamos vivendo, na teia mundial, aquilo que já conhecíamos bastante em outras vivências: a experiência do nó. Imagem metafórica do impasse, da paralisia e do enredamento, o nó é aquilo que nos faz parar, que nos impede de prosseguir, é o não-lugar que nos suga, a inércia violenta e poderosa. O nó pode e deve ser utilizado pelos que desenvolvem jogos (games). O nó seduz aqueles que procuram situações desafiantes, que gostam de decifrar enigmas. Por outro lado, o nó deve ser evitado ao máximo por aqueles que buscam explorar o potencial de comunicação da WWW. ... menus e mais menus quebram demais o movimento natural e contínuo da leitura. 28/9

... a presença da lexia acaba impondo um tipo de construção textual sintética, na qual se pode começar a ler o texto de qualquer ponto do sistema. 29

"o texto apresenta-se fragmentado, atomizado em seus elementos constitutivos (em lexias ou blocos de texto), e essas unidades legíveis passam a ter vida própria ao se tornarem menos dependentes do que vem antes ou depois na sucessão linear. (Landow, 1992: 52). 29

[sobre textos integrais e uso de recursos de rolamento] perdemos a percepção física e espacial e não temos como conceber a imagem do texto como um todo.[tendência a dividir em capítulos para não ter de recarregar tudo]. 30

[tipos de links: disjuntivos, que levam a outro ponto do sistema; conjuntivos, abre janelas na mesma página pelo clique ou passando o mouse em áreas sensíveis.] 31/2

A pesquisa em hipermídia exige um olhar topológico sobre o sistema. ... [verificar] as possíveis ligações que estes [browser ou site] oferecem a outros sistemas. ... O interesse pelos aspectos qualitativos, pelos nós e corredores que se abrem e desenbocam, passa a ter um valor prioritário na investigação. Afinal, eles é que irão definir o potencial interativo e o nível da complexidade dos sistemas. Percebe-se um aumento de potencial interativo proporcional ao número de ligações e associações que o aplicativo está projetado para executar. 34

Toda obra de arte de qualidade traz em o potencial interativo. 34

No caso específico da hipermídia, podemos pontuar que a obra em si só se torna obra no momento em que ela é fruída pelo leitor. Enfim, a leitura é elemento constitutivo na realização do trabalho. 34

... o incerto, o aleatório e o imprevisto são elementos constitutivos do jogo de navegar. 35

arte interativa ¹ obra aberta ¹ obra potencial. 35

a mensagem artística é fundamentalmente ambígua, plural [Umberto Eco em Obra aberta]. 35

literatura potencial... os elementos constitutivos estão empilhados, e é só no ato da leitura que a obra se realiza. 35

... conceito de interatividade relacionado com a imagem do espelho. ... a interatividade se define no momento em que a obra reflete de volta para nós as conseqüências de nossas ações e decisões. Temos então a possibilidade de entrar em contato com o nosso self que foi processado e transformado pelo contato com a tecnologia interativa. ... o conceito mais importante em arte interativa advém da exploração do significado que emerge da tensão entre o interagente (ou leitor) e o reflexo do seu próprio self que a obra de arte lhe devolve da experiência. [idéias de David Rokeby, em Espelhos Transformadores, em Colóquio Arte no século XXI: a humanização das tecnologias, (Diana Domingues, org.), São Paulo, UNESP, 1997. Instalação: Very nervous system, no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, 28/11 a 10/12/1995].38

Enfim, o caráter interativo é elemento constitutivo do processo hipertextual. À medida que a hipermídia se corporifica na interface entre os nós da rede e as escolhas do leitor, este se transforma em uma outra personagem. Dentro dessa perspectiva, minha tese é: o leitor é agora um construtor de labirintos. 41

"Numa economia simbólica que se poderia chamar num significado próprio, dialógico - é assim que eu vejo, fundada sobre um diálogo, logo, sobre uma troca, interativa e multimodal -, o estatuto da obra, do autor e do espectador sofrem fortes alterações. O triângulo delimitado tradicionalmente pela obra, o autor e o espectador vêem sua geometria questionada. Para conservar a metáfora, dir-se-á que este triângulo tende a se tornar um círculo (...) Sobre esse círculo móvel, a obra, o autor e o espectador não ocupam mais posições estritamente definidas e estanques, mas trocam constantemente estas posições, cruzam-se, confundem-se ou se opõem, contaminam-se (...) Certamente não se vê nunca duas vezes o mesmo quadro, mas, com a imagem interativa, é o próprio quadro que muda no seu existir sensível - aos olhos de todos - e não somente na interpretação do observador. [Edmond Couchot, em A arte pode ser ainda um relógio que adianta? O autor a obra e o espectador na hora do tempo real, em A Arte no século XXI: a humanização das tecnologias, (Diana Domingues, org.), São Paulo, UNESP, 1997]. 42

... a hipermídia representa o fim da era da autoria individual. 42

... reconfiguração do autor, que agora sofre uma erosão do self com a transferência do poder autoral para o leitor, que tem a sua disposição uma série de opções de escolha em seu percurso. [Landow, 1992: 71]. 42/3

"Os textos eletrônicos se apresentam por intermédio de suas dissoluções. Eles são lidos onde são escritos e eles são escritos ao serem lidos" [Joyce, 1995: 235]. 43

Na interface entre leitor-autor é que um trabalho amadurece. 43

... a hipermídia só está gritando mais alto sobre algo que sempre existiu, mas que desaparecia por trás de uma moldura maniqueísta. Uma criação se dá nas interfaces, nos múltiplos fatores que se relacionam, se auto-engendram e se transcodificam. 43

... um trabalho em hipermídia não precisa mais mais se limitar a apenas uma linha de raciocínio. O argumento do pesquisador aparece somente na determinação de limites de inclusão e/ou exclusão. 43

Estamos acostumados a respeitar aquilo que está impresso, como algo definitivo e portador de uma verdade. ... o que está impresso não vale mais... 44

À medida que é possível materializar o conhecimento em um livro, pode-se também possuir esse livro. ... É possível possuir um CD-ROM. Porém, a que imagem material estamos nos referindo? Ao disco, materialmente falando, ou ao sistema hipermidiático que ele contém? 44

O leitor é, então, um operador das multiplicidades e deve proceder de uma forma descontínua e multilinear. [vários níveis topológicos de leitura: sons, vozes, imagens de diversos tipos]. 45

... no hipertexto, todo leitor é também um pouco escritor, pois, ao navegar pelo sistema, vai estabelecendo elos e delineando um tipo de leitura. O conceito de texto flexível requer e cria um leitor ativo. 46

"novas formas de navegação mental serão necessárias para reencontrar-se nos labirintos informacionais em constante regeneração". [Quéau, 1993: 96]

O leitor ativo que a hipermídia requisita é também o arquiteto de um labirinto. O viajante, ao percorrer o sistema, faz existir um espaço que se desdobra. No momento em que este atualiza escolhas, o desenho de um labirinto é criado. Labirinto, como sempre, pessoal e único. 46

"o labirinto não é uma arquitetura, uma rede no sentido de quem o projeta e o concebe, mas o espaço que se desdobra diante do viajante que progride, sem mapa na própria rede." [Rosenstiehl, 1988: 251]. 46

Existem três labirintos. Um labirinto é a arquitetura propriamente dita, pura potencialidade gravada em disco, nos sistemas ou nas redes. Um segundo labirinto é esse "espaço que se desdobra" e que se forma através do percurso de leitura do viajante. Esse segundo labirinto é uma atualização do primeiro. O terceiro labirinto seria aquele que surge após a experiência hipermidiática. Nem sempre ele se delineia claramente. Muitas vezes, a percepção que fica desse labirinto é mais a de uma silhueta sem forma, imagem que se esvai. 46/7

É preciso que se recupere o sentido de enciclopédia enquanto agkuklios paidea, "aprendizagem que põe o saber em ciclo" (Morin, 1977: 22), e que se deixe de lado o sentido meramente acumulativo de informações: "trata-se de en-ciclo-pediar, isto é, de aprender a articular os pontos de vista disjuntos do saber num ciclo ativo (...) O esforço referir-se-á, pois, não à totalidade dos conhecimentos em cada esfera, mas aos conhecimentos cruciais, aos pontos estratégicos, aos nós de comunicação, às articulações organizacionais entre as esferas disjuntas. (Morin, 1977: 22)

Como instaurador de nonsense, daquilo que leva as pessoas a sair de seu viciado modo de ver e perceber o mundo, o artista sempre buscou a "desestabilização" das convenções. 52

Capítulo 2 - A Complexidade da Hipermídia

Na teoria do caos as determinações não estão excluídas, mas elas se entrelaçam num complexo tecido multidimensional. 56/7

Hoje está totalmente fora de contexto alguém pensar que o todo é uma simples soma de suas partes. ... Mesmo no caso da nossa mente, sabe-se que ela é governada por dinâmicas não-lineares de um complexo sistema que forma a rede neuronal e que percorre o nosso cérebro e o corpo como um todo. 57

... o usuário percorre os nós da rede de uma forma totalmente imprevisível, muitas vezes até para ele próprio. São tantos os fatores que interferem no caminho a ser percorrido na Net, que pode-se afirmar que estamos também diante de uma hipercomplexidade. 57

... o ato de atribuir sentido deriva de operações associativas que o leitor estabelece na leitura. ... O que determina o sentido apreendido na leitura é a rede semiótica do interpretante. ... a própria trama das semioses pode ser compreendida como rede hipertextual (nota). 60

... o hipertexto se apresenta como um meio de compartilhamento de redes de relações, incitando conexões e o "formigar de sentidos", como diria Lévy (1993: 72).

Complexidade ... refere-se àquilo que é "tecido em conjunto". 62

"começar" o tecido é dispor os fios em cadeia para se esboçar uma trama ... o tecido se forma a partir de fios que se ligam, se amarram. ... a imagem mítica ... é bem mais complexa, pois agrupa em si o contínuo e o descontínuo. A idéia das tecelãs do destino [Moiras ou Parcas] incorpora numa mesma tríade o fio e a tesoura; a criação e a morte; a continuidade e o fim. 62/3

lua e símbolos lunares se encontram entrelaçados com a imagem da criação enquanto teia, enquanto rede tecida:
"A Lua "liga" conjuntamente, pelo seu modo de ser, uma multiplicidade imensa de realidades e de destinos. Harmonias, simetrias, assimilações, participações coordenadas pelos ritmos lunares, constituem um "tecido" sem fim, uma "rede" de fios invisíveis, que "liga", ao mesmo tempo, homens, chuvas, vegetações, fecundidades, saúde, animais, morte, regeneração, vida post mortem, etc (...) Todavia, p[elo simples dato de que é senhora de todas as coisas vivas e guia certa dos mortos, a Lua "teceu" todos os destinos. Não é em vão que ela é concebida nos mitos como uma enorme aranha-imagem que encontramos em muitos povos. Tecer não significa somente predestinar (no plano antropológico), mas também criar, fazer sair da sua própria substância, como o faz a aranha, que urde, ela própria, a sua teia."(Eliade, 1970: 222-224). 64

... é na complementaridade organizacional entre ordem/desordem, simples/complexo, álea/determinismo, seqüencial/não-seqüencial, rigor/liberdade, solidez/elasticidade, mobilidade/imobilidade que vislumbramos a dimensão da complexidade que a hipermídia viabiliza. [nós e ligações, regras dos complementares logo acima desta citação]. 65

A complexidade dos processos mentais e corporais ... tem agora a possibilidade de ser expressa em um espaço multidimensional. [sistemas hipermidiáticos]. 65

... a noção de centro se relaciona com a tradição do onisciente, do idêntico, do unívoco. O acentrismo, por sua vez, compartilha do mesmo território do equívoco, do errático, do disseminado, do parcial, do local, do marginal e do excêntrico. 69

... uma única vitória não faz o herói da "era policêntrica". 70

... o labirinto trabalha os limites, as proporções e os excessos. ... O labirinto da internet pode ser concebido como um jogo, em que diversos centros se entrelaçam. Cada página da rede é composta por palavras iluminadas que podem nos levar a outros centros, e estes a outros, e mais outros, infinitas vezes. ... Com isso, temos o alargamento de fronteiras, e conceitos como limites e perímetro se tornam problemáticos. 70

A entrada do labirinto é imediatamente um dos seus centros, ou melhor, não sabemos mais se existe um centro, o que é um centro. De todos os lados, as galerias obscuras partem, emaranham-se com outras que vêm não se sabe de onde, que vão talvez a parte alguma. (Castoríades, 1987: 7). 70

Cada ligação, cada elo hipermidiático, ao mesmo tempo que liga, transforma, transporta... 70

[no] caso das redes, o fato de o centro estar em todo lugar e em lugar nenhum faz com que o caráter acêntrico e o policêntrico se conjuguem simultaneamente. 71

Nosso cérebro é visto, então, como um dos centros de um sistema policêntrico maior, o qual, por sua vez, em sua complexidade, é muitas vezes acêntrico. Este sistema percorre nosso cérebro e o nosso corpo como um todo. 72

... todas as partes do cérebro importam na realização de tarefas diversas.[Gardner,1994: 40]. 73

... o corpo é uma instância cognitiva e não apenas o cérebro. [Varela]. 73

Os sistemas devem ser compreendidos como um todo que se articula e que só existe como tal. ... Na hipermídia não existe um centro único, mas sim um conjunto dinâmico composto pelos links, sites, páginas, máquinas, homens, instituições, etc. 73

... no hipertexto temos apenas centros evanescentes, centros que se dissipam quando partimos para um outro... 73

Muitos trabalhos ... nos oferecem ... "muitos caminhos a serem percorridos", porém, "uma só voz a ser ouvida". ... poderiam ser criados trabalhos com uma natureza multivocal ... "um hipertexto com personagens". [Mark Bernstein, 1995]. 75

... alguns pontos que devem ser levados em consideração no desenvolvimento de um hipertexto multivocal. São eles: a independência, a persistência e a intencionalidade das personagens. A independência significa que cada personagem deve ser distinta e ser uma "unidade abstrata reconhecível". ... O caráter de persistência indica que mesmo que a personagem não pertença ao foco mais "central" da trama, ela deve ter uma existência contínua. ... as personagens devem ter intencionalidade, ou seja, sua atuação deve servir a algum propósito ... que justifica a inserção de uma nova personagem. 75/6

desafio de desenvolver um sistema aberto a uma pluralidade de discursos. Um sistema que dê espaço a múltiplos centros e a múltiplas falas. 76

[labirinto grego de Creta com duas possibilidades: como o Palácio de Cnossos, e/ou a construção ao ar livre, representado em desenhos de moedas e descrito nos mitos.] 78

[Versão mais aceita da etimologia, versão cária ou lídia: lábrys, machado de corte duplo, podendo ter conotação religiosa, gravado em pedras e pilares; ou com caminhos que se dividem no labirinto.] 79

"... o labirinto é cosa mentale, um espaço que nenhuma construção obstrui (...) Pensando o labirinto com o Minotauro, os gregos privilegiaram a figura abstrata de um espaço aporético, deixando a outros o cuidado de explorar os valores do centro ou da caverna. Eles escolheram um espaço móvel onde a inteligência de quem conhece o reto e o curvo, o princípio o fim, põe-se a ler no vôo de um grou e na espiral de um parafuso sem fim. (Detienne, 1991: 22). 79

... "dédalo" ... significa caminho confuso, entrecortado por encruzilhadas ou, ainda, coisa complicada, obscura. O termo é usado também para se referir ao traçado de grandes cidades: "o dédalo das metrópoles". Etimologicamente, temos Dédalo: do grego Dáidalos, "obreiro astucioso"ou, ainda, criativo, engenhoso, hábil. Nota, 79

[História de Dédalo] 79/80

... obra máxima e colossal de Creta era composta por milhares de caminhos que se cruzavam em complexas encruzilhadas, ruas sem saída, trechos com abismos intransponíveis, rios, penhascos, portas trancadas sem chaves. 81/2

... intrinsecamente paradoxal: por um lado, é um cárcere; por outro, oferece o céu como limite. Como opostos que se anulam, a dupla prisão-altitude... 82

[Outras versões: 1)dois labirintos, o outro era um traçado no chão que servia como esquema de dança sagrada: a dança de teseu; 2) Palácio bastante grande] 82

[Labirinto como imagem dos sistemas hipermidiáticos]: O leitor, ao navegar pelo sistema, vai construindo passagens tortuosas, alterando seu rumo inicial, descobrindo recantos desconhecidos. Porém, na medida em que o céu é o seu limite, não se pode dizer que o aventureiro esteja preso, confinado, sem ter como sair. 82

O labirinto é uma imagem universal de busca do conhecimento. 83

[vontade heróica de Teseu] 83

... possibilidade de recuperar o trajeto percorrido é fundamental para que o usuário não se perca na construção labiríntica que está sendo criada com suas interações. [back ou marcadores de páginas, escolhendo as páginas por onde quer retornar]. 83

A dança do labirinto: [na ilha de Delos, em comemoração da vitória de Teseu, com os jovens que havia libertado. Dança vai formando espirais em vários sentidos até unir início e fim, Teseu e Ariadne. Associada também aos grous, cegonhas, ave pernalta que percorre o mundo todo, procurando um clima favorável, jogando pedras pra reconhecer se está sobre terra ou água]. 84

"Os grous carregam seixos", recomendando às pessoas que elas também ... ousem as mais distantes travessias, porém sempre sabendo para onde estão indo, sabendo como se orientar. ... "A mesma prudência avisada permite ao pássaro pernalta ligar os dois extremos da Terra, e aos dançarinos do labirinto fazer coincidir o fim com o início. Em ambos os itinerários trata-se de percorrer o impercorrível, de atravessar um espaço sem indícios aparentes, sem direção fixa, onde cada saída que parece abrir-se revela-se uma aporia insolúvel e um nó inextricável. (Detienne, 1991: 19). 84

[A internet unindo os pólos da Terra]. 85

[labirintos de igrejas medievais: conhecidos como "Caminho para Jerusalém". Substituto à peregrinação para a Terra Santa] Peregrino sem sair do lugar, ao percorrer o labirinto, o fiel fazia seu ritual de iniciação. 89

... virtual designa força, virtude. [virtual e atual como pólos do real]. Quando estamos nos referindo ao virtual ... o elemento da novidade e da surpresa se apresenta de uma forma extremamente perturbadora. Quando falamos de virtual, estamos falando de problematizações. ... O virtual é aquilo que tem o potencial para se realizar, ou seja, o que pode se atualizar. 90

... desterritorização ... o leitor deixa, abandona um território conhecido e penetra um outro. 90

Existe uma regra que é considerada pelos labirintólogos como regra mínima para resolução de todos os labirintos. Também denominada regra de resolução de Tarry, ela diz: "Dada uma encruzilhada, só continuar no corredor que deu acesso a ela em último caso." [Rosenstiehl, 1988: 264].

... à medida que o arquiteto do sistema hipermidiático constrói essas encruzilhadas, ocorre um aumento do potencial interativo e permutacional do sistema. 90/1

... o leitor-explorador de Tarry corre muito mais risco de se perder ... portanto, o projeto em multimídia deve levar em conta esse tipo de usuário, criando e deixando claro, em qualquer momento do percurso, a possibilidade de retirada [do programa e retornando sobre seus próprios passos]. 91

[Dédalo sai voando, não usando suas próprias estratégias de marcar com pedras ou com o fio]. 91

A experiência iniciatória que os mitos nos contam exigem provas, para que o aspirante à iniciação se mostre digno de chegar à revelação. O mesmo acontece com os aplicativos de multimídia: você pode inicialmente fazer um guided tour, tomar contato com a superfície. Porém, só será possível conhecer o denso material após diversas investidas, por várias portas e vários caminhos. ... o olhar crítico sobre a hipermídia deve penetrar o aplicativo, aventurar-se entre os múltiplos links, para deixar emergir as complexas leituras que só despontam no entrelaçamento dos caminhos. 91/2

O labirinto inclui dois tipos de olhar. O olhar do arquiteto que tudo conhece, panorâmico e global; e o olhar do viajante, aquele que, sem mapa, avança passo a passo no labirinto. 93

... "num livre e infinito processo de leitura em diagonal" ... O objetivo da pesquisa é esquecido. Passamos então a uma "comunicação pelo prazer de si mesma", comunicação esta que perde seu sentido utilitário, assumindo um caráter unicamente lúdico e descomprometido (Eco, 1996). 98

O peregrino, ao entrar no labirinto, era induzido à falha, ao se perder. Não parece apropriado dizer que as excursões na Net também nos incitam ao perambular "à toa"? Explorar um labirinto é conhecê-lo, dominá-lo, é conseguir nos movimentar entre os seus nós. Em tempo algum poderíamos dizer que alguém que ficou à mercê de suas encruzilhadas, vagando sem destino, é alguém que conheceu o labirinto. 99

[Duas formas de ver o labirinto que o usuário forma ao navegar: resultado da expressão de seus desejos; interesses que afloram ou são instigados por uma curiosidade súbita.] Pode-se prudentemente seguir o Teorema de Ariadne Sábia e procurar voltar sempre aos próprios passos, mas também assumir o Teorema de Ariadne Louca e tentar conhecer o maior número possível de caminhos. [diferença entre abrir janelas numa pesquisa e seguir os links da pesquisa, correndo o risco de perder a página inicial com as indicações da pesquisa]. 99

O fio de Ariadne não é só um instrumento para não se perder e poder retornar. Ele é também o instrumento com o qual o viajante consegue avançar. Pois os corredores que ainda não forma explorados não têm o fio...

[labirintos ciclomáticos que fazem passar pelos próprios passos e arborecentes que ramificam]. 104/5

[mesmo cidades planejadas formam labirintos com seus diversos usos]. 105

... o traçado das cidades se constitui de uma série de ciclos. ... Um ciclo acontece quando sentimos a angústia de perceber estar no mesmo local, porém advindo de um local diferente. É como se estivéssemos dando voltas. Isto ocorre com freqüência quando se pesquisa na internet. 105

As portas, enquanto figuras do imaginário, relacionam-se intimamente ao labirinto. Toda porta carrega consigo uma natureza ambígua. A porta é a síntese da chegada e da saída, do aberto e do fechado. Algumas portas são totalmente independentes do viajante... Outras só existem a partir do próprio ato de percorrer a Web... Algumas são criadas num ponto intermediário, através das escolhas do usuário, bem como de configurações preexistentes... Neste último caso, os limites entre o desejo do usuário e as generalidades se mesclam e não se pode falar com clareza quanto a uma distinção. ... no caso das portas criadas no próprio ato de percorrer, ..., elas são pura virtualidade e o labirinto criado é tão individual e impermanente que, mesmo para o próprio viajante, é impossível refazê-lo. 106

[trabalho de arquitetura: construção de um espaço vivo e mutante.] 107

A arquitetura oriental é planejada tendo em vista transformações constantes de seus ambientes. Assim, os espaços são pensados como módulos articuláveis, vivos, que permitem e facilitam alterações. Paredes inteiras de papel deslizam e criam espaços amplos ou redutos de recolhimento. Nesse sentido a casa é um ente com uma vida própria, um ser vivo que se comunica, se expande e se retrai de acordo com os movimentos sociais, culturais e individuais daqueles que a habitam e a visitam. A arquitetura biológica oriental não é fechada. Isto significa que existe uma relação íntima entre a construção e o ambiente, a natureza que a circunda. Em qualquer lugar da casa, o mundo nunca está totalmente fora dela. ... não têm trancas. 107

... paralelos entre arquitetura orgânica e espaços hipermidiáticos...: ... necessidade de se construir um projeto bem organizado; ... espaço deve ser concebido como algo mutável e flexível. Ou seja, existe uma ordem, uma hierarquia a ser seguida e ela deve ser respeitada. No entanto, a construção deve permitir articulações, desdobramentos, redimensionamentos. 107/8

... precisamos substituir a idéia de projetos monumentais pelo conceito de semeadura. ... devemos observar os microsistemas vivos, a horticultura, as sementes se desenvolvendo. ... [arquitetura ocidental] se interessa demais pela aparência, por superfícies e estruturas fixas ... "arrogante edificialidade" ... quase não se preocupa com a necessidade humana de transformações. 108/9

... o advento das redes de hipermídia, nos levam a redefinir o próprio conceito de identidade e presença. Onde estamos quando navegamos na WWW? ... estamos vivendo a experiência de habitar dois mundos ao mesmo tempo. 109

Quando falamos em telepresença, criamos com isso um novo sentido de self, no qual cada um de nós é formado por muitos selfs que estão disseminados, espalhados por muitas partes da rede. Com isso, o conceito de indivíduo é substituído pelo conceito de interface. Telepresença é "a província do self distribuído, dos encontros remotos no ciberespaço, da vivência online". [Roy Scott]. 109

... "ciberpercepção" ... faculdade e perceber e habitar o ciberespaço ... passamos a ter uma posição dupla, presença paradoxal, pois estamos "aqui e potencialmente em qualquer outro lugar". ... o termo habitar ... implica interagir e deixar marcas da nossa presença no ciberespaço. 109

... nosso modelo deve estar nas formas naturais, nas sementes germinando, em constante movimento e mutação. 109

A mobilidade dos espaços se consegue com a utilização de elos entre as partes de um mesmo documento ou entre diferentes documentos. ... Porém, esse tipo de amarração tem gerado um outro problema: uma construção baseada em uma multiplicidade de lexias. A exploração do espaço computacional mediante fragmentos atomizados cria uma percepção também fragmentada. É como se tivéssemos um imenso espaço diante de nós, mas só pudéssemos acessá-lo por meio de pequenos recortes de cada vez. ... Não conseguimos perceber um espaço que cresce e se desdobra, não podemos perceber as passagens, as transformações. 111

[escritura multidimensional, diferentes partes conectadas]. 111
"... Escrever é trabalhar com tópicos ... Em lugar de hierarquias, nós temos uma escrita que não é apenas tópica: nós podemos chamá-la também de 'topográfica'. ... Não é a escrita de um lugar, mas ... uma escrita com lugares, com tópicos concebidos espacialemente." 0Bolter, 1990: 112). ... O maior desafio é propiciar ao leitor a possibilidade de articular esses tópicos, de constituir um corpo. ... é preciso amenizar a separação entre as diversas lexias. Isto é, procurar escrever lexias que se liguem naturalmente a outras, de tal forma que a interconexão surja de dentro para fora, constitutivamente, Os links deveriam ser o mais invisível possíveis e funcionariam como elementos naturais de encadeamento e não como "pontes"artificialmente colocadas. ... oferecer a malha, a trama... 112/3

Através de olhares e percepções diferentes, o labirinto do arquiteto e o labirinto do viajante dialogam e se diferenciam. ... [1] "O labirinto responde a um apetite de descoberta; a sua exploração é o arquétipo do espírito de investigação". ... [2] o peregrino percorre o labirinto sem mapa, "à vista desarmada". Ele não tem como se prevenir do que lhe espera pela frente. O único recurso com que o viajante pode contar é o de verificar as marcas, os vestígios que deixou em suas passagens anteriores. ...[3] "longe de se entregar ao acaso, o viajante faz cálculos em cada encruzilhada". ... o andarilho não caminha ingenuamente, ... sua trilha é impulsionada pelo desejo de penetrar o labirinto, de conhecer suas esquinas e recantos escondidos. Dessa forma, o caminheiro exercita sua inteligência, desenvolve sua métis [grego]... [citações de Rosenstiehl, 1988: 252] 113

[quem faz o labirinto é o viajante] o labirinto só passa a existir como tal, como construção da complexidade, na medida em que alguém o penetre e o percorra. ... 114

Para o seu construtor, que tem a visão global do projeto, que tem o mapa, o labirinto não se impõe como metáfora do obtuso, do complexo. ... o labirinto é finito. Para o viajante, ..., devido às similitudes das encruzilhadas, aos caminhos aos quais retorna mesmo sem querer, o labirinto se apresenta como infinito. 114

A experiência labiríntica é a experiência daquele que penetra... 114

... nenhum gráfico pode representar a complexidade existente em uma rede polidimensional... "o universo semântico é só localmente codificável" e "estados globais são dinâmicos, flutuantes" (Petitot, 1988a:14). 116

[Teseu] não dispunha de informações advindas de uma visão global, ele não pôde procurar uma solução hierárquica. Foi necessário utilizar procedimentos locais para realizar sua exploração. Como toda solução acentrada, os recursos locais exigem uma "sincronização gradual", pois o explorador não conhece sua posição "real" na rede como um todo (Petitot, 1988). 117

As narrativas míticas parecem absorver plenamente a ambigüidade dos dois olhares. Dédalo, por exemplo, passará por experiências distintas. No primeiro momento, será o construtor do labirinto, a mente engenhosa que o concebe e, portanto, conhecedor de sua totalidade. No segundo momento, é Dédalo quem ensina a Ariadne o estratagema do fio, o mesmo que libertará Teseu. Porém, em um outro ponto da narrativa, Dédalo será prisioneiro da própria obra e, sem conseguir achar a saída, terá que desenvolver asas... aspecto duplo e contraditório da personalidade de Dédalo... se expressa na conjunção de aspectos como malfeitor & benfeitor, construtor & viajante... Teseu consegue sair do labirinto, pois, com a ajuda do fio, conseguiu não ver o labirinto em sua totalidade. Dédalo, que conhecia toda a sua grandeza, não pode se beneficiar desse estratagema. Sua mente conhecia o labirinto como uma complexidade. Para Dédalo, foi impossível não ver, foi impossível pensar apenas nas inferências locais, foi impossível se separar do global, da totalidade... 117

... três tipos de estratégias diferentes de leituras ... [1] natureza linear ... [2] na qual atravessamos o texto em busca de alguma informação específica ... [3] sem um plano determinado, com movimentos rápidos dos olhos e das páginas, saltando por diferentes tópicos. 118

... três estilos de percorrer a WWW ... [1. curiosidade vertiginosa, maravilhamento e depois horro, misto de cansaço e vazio, não trouxe nada de frutífero da jornada. 2. foi direto ao assunto, não se deixando seduzir por links, desconectou-se satisfeita mas com a dúvida se poderia ter usado a enciclopédia. 3. Odisséia: tempo limitado, aventurou-se pelos links sem desviar do objetivo, atualizando-se e sem pretender dar conta de tudo ... problemas básicos: acessar, encontrar a informação desejada, selecionar as mais relevantes, organizar os dados de forma clara. 119

Em labirintologia matemática prefere-se o termo alvo (goal) em vez de saída. Existem vários tipos de labirintos nos quais o que se pretende alcançar não é a saída (podendo ser o centro, ou outro ponto qualquer). Existem até mesmo labirintos que são construídos apenas como locais agradáveis de serem visitados, sem propor qualquer enigma para seu viajante, [de Versalhes, não prisão da qual se quer fugir, mas espaço repleto de recantos a serem descobertos]. 119

[manter o foco central forte o bastante para não se perder, mas a intuição aguçada e viva o suficiente para ir tecendo uma trama mais complexa. 120

... existe um labirinto enorme, que seria a própria Web. Quando o viajante o percorre, seus passos e suas escolhas por entre encruzilhadas estão desenhando um segundo labirinto. No momento de rever as informações off-line, Ulisses irá construir o seu terceiro labirinto... fruto de seu trabalho, a colheita... 121

Na internet, o herói da Odisséia é aquele que sabe se aventurar por diversos links, sem perder tempo com sites que não interessam, sem tampouco pretender absorver tudo profundamente numa primeira jornada. [texto para a figura 45]. 122

... "navegar" nos remete a imagens como desbravamento, aventura, jornadas, etc. ... é como se quiséssemos nos aventurar e, ao mesmo tempo, nos fechar. Penetrar o imensamente vasto, envoltos pelo claramente limitado. 124

"Verne foi um maníaco da plenitude: não cessava de completar o mundo, de o mobiliar, de o transformar num receptáculo pleno como um ovo... [Barthes, 1989]. 124

Esse estabelecimento de um elo, essa atividade de unir dois pontos distintos é o actema, O episódio é o conjunto de actemas que criam uma certa coerência na mente do leitor. A sessão compreende a atividade do leitor em sua continuidade. [Rosenberg, 1996]. 125

... o episódio acaba se tornando o resultado de uma "combinação do histórico do trajeto através do hipertexto (history), das intenções do leitor e das impressões que o leitor vai imprimindo ao 'que combina com o quê'(hangs together)". ... o sentido de desorientação no ciberespaço advém, em grande parte, de se ter perdido o fio do episódio. ... a atividade hipertextual é, de uma forma geral, uma atitude de se perseguir um episódio. Muitas vezes, essa busca pode ser uma experiência estética. 126/7

... hipertexto... rede de textos, uma paisagem que não pode ser vista como um todo de uma só vez, mas que exige ser explorada por diferentes rotas. 128

O episódio pode ser formado a partir de diversas sessões... uma única sessão pode fazer despontar diferentes inícios de episódios. 129

... nos perdemos muito mais em um trabalho hipertextual do que com um livro em nossas mãos. ... "somente temos acesso direto a uma pequena superfície vinda de outro espaço, como que suspensa entre dois mundos, sobre a qual é difícil projetar-se"... (Lévy, 1993: 37). 129

"Só a ponta do lápis, cada vez mais próxima, chega ao fim: quando se tenta ver muito longe, perdemo-nos." (Rosenstiehl, 1988: 255) ... Apenas através de um caminhar míope, desfazendo-se da visão global, o andarilho não se confundirá. Desta forma, "saber não ver" e avançar lentamente apresenta-se como solução para a maioria dos labirintos. 130

"A mais louca espécie entre os homens é a dos que desprezam o que tem a o seu lado e miram apenas o longe à caça do inconsistente com vãs esperanças". (Calasso, 1990: 44)

[habilidades para percorrer o labirinto, raciocínio matemático de Gardner]: capacidade de manejar longas cadeias de raciocínio [seguir uma seqüência]; ... conseguir criar uma nova ordem. [avançar passo a passo de forma coerente].

"Teseu abandona Ariadne não por uma razão precisa ou por outra mulher, mas porque Ariadne sai de sua memória, num momento que é todos os momentos. Quando Teseu se distrai, alguém está perdido". [Calasso, 1990: 17]. 131

Podemos dizer, tudo bem, se esquecemos é porque aquilo não nos importa mais. Isto pode ser verdade... No entanto, algo foi perdido. 131

Ariadne será abandonada na ilha "que ninguém habita", "lugar de obsessão circular" do qual "não existe saída" (Calasso, 1990: 17). Totalmente desolada por ter sido traída, Ariadne penetra o labirinto de sua alma e afirma não querer amar, nem viver mais... O mito nos conta que Ariadne encontra um labirinto terrível, um labirinto sem saída, cíclico, sem fim. Porém, a narrativa prossegue e, num outro momento, nossa amante do labirinto se torna esposa de Dionísio. 131

... o labirinto vivido acaba sendo uma linha contínua. 131

O labirinto "real" é composto por projetos calculados por uma inteligência pensante, racional, deliberada. 132

O labirinto vivido se apresenta como uma paisagem em movimento, composta por elementos hoterogêneos. ... pode ser fruto de impulsos, interesses súbitos e suspresas. ... vai se formando como uma assemblage na qual o diverso quis se interconectar. ... mapa que muito se esquiva de ser decalcado. ... une e funde em si tanto o que era desejável como aquilo que o viajante nem sonhava encontrar... será sempre organizado e estruturado num terceiro momento, porém, ele será sempre mais do que esse terceiro. Em sua luta para não se reduzir a mais um labirinto "real", [...]permanece enquanto experiência única, luminosa e sombria, maravilhosa e assustadora. ... parece escapar a qualquer classificação ... se mantém como mistério. Sensações diversas afloram ... e essa multiplicidade é própria de sua textura. Toda vez que tentamos apreendê-las, elas se esvaem. Se quisermos reencontrá-las, temos que adentrar novamente na complexidade..., temos que retornar nossa tapeçaria e... não querer mais finalizá-la. ... finalizar a tapeçaria implica não mais tecê-la e perder com esse fim o prazer único de tramar seus fios. 132

"O mapa é aberto, conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente".Fazer um mapa é construção. Construção que evidencia as interconexões, construção em pleno movimento, em metamorfose constante. [Deleuze e Guatarri, 1995]. 133

[multidimensionalidade pouco explorada]. A mera existência de links não representa a conquista de uma outra dimensão. 133

... o grande desafio da jornada: descobrir, através de um trajeto tortuoso, incerto, um todo coerente. ... quando o viajante consegue reconhecer passagens, reencontrar pontos, ele sente uma familiaridade que irá definir o contorno de sua área, de seu território. ... Território é algo móvel, em constante gênese. ... se assemelha à relação que alguns povos tem com seus tapetes... [representando a terra sagrada para os muçulmanos ou a territorialização de uma terra estrangeira para nômades]. 133/4

A natureza do desafio é ambíguaembora exista um prazer no perder-se, existe outro muito grande ao reencontrar-se. Em um primeiro momento, a ordem é anulada; no segundo, ela é reconstruída. [negação e reconstrução da globalidade]. 134

... o labirinto vivido se dissipa muito facilmente. ... Ulisses perde, sem dúvida alguma, o aspecto vívido e em movimento que sua excursão na rede lhe proporcionara. Mas, por outro lado, na medida em que passa para o momento de organização dos dados em um documento pessoal, nosso herói pode repensar uma série de escolhas. [momento da escrita na pesquisa]... 135

Um pouco como que renunciando ao labirinto vivido, pura experiência imediata, o terceiro labirinto generaliza, filtra e sepulta o virtual.

Por Andréa Havt, julho de 2000

 

Fonte: http://www.patio.com.br/labirinto