Universidade Federal do Ceará
Programa de Pós-Graduação em Educação - Doutorado
Disciplina: Correntes Modernas da Filosofia da Ciência
Professor: André Haguette
05.maio.2000

Os onze mandamentos - princípios de uma ética universal?
Eduardo Loureiro Jr.

E eu que pensava estar sendo engraçado ao comentar as dezenas de dez mandamentos - desculpem o pleonasmo exponencial em base dez - que existem mundo afora... Descobri que um jovem de nome Paulo Rosenbaum tem como lembrança mais antiga estar no Monte Sinai justo no dia em que Moisés recebeu o decálogo.

E eu que pensava estar sendo revolucionário ao propor uma reformulação dos dez mandamentos... Descobri que o mesmo Paulo Rosenbaum ouviu da boca de Deus ou de um dos ramos inflamados da sarça ardente: "Paulinho, um dia você vai escrever a versão brasileira da Tora, chamá-la de 'Tropicasher, Tora com Gostinho Tropical' e enviá-la a todo o mundo via internet."

Crédulo e ingênuo eu...

Mas, teimoso também que sou, enquanto Paulinho Rosenbaum não cumpre a profecia de Iahveh e sua missão grandiosa, vou fazendo o meu trabalhinho de formiga que é propor novas indicações éticas que fujam seja à normatização dos dez mandamentos do antigo testamento seja à falta de referências sociais mais claras dos dois mandamentos do novo testamento.

Alguém poderia argumentar que já existe a Declaração Universal dos Direitos Humanos, definindo a humanidade em termos laicos e mais abrangentes. Mas acredito que a esfera do direito e, em contrapartida, a esfera do dever acabam indo de encontro a uma ética autônoma, gerando uma série de leis e de regulamentações com disputas em juízo e coisas que tais. Minha proposta é de princípios referenciais que não são compulsórios, mas reflexivos, que iluminam a ação mais do que a obrigam.

A grande dificuldade de uma proposta assim é juntar, em uma só ética, todas as manifestações culturais do planeta. Ou, dizendo de outra forma, conceber princípios que não violentem nem justifiquem a violência a comportamentos de qualquer cultura. Uma ética que dê espaço para o vegetarianismo e para a antropofagia, por exemplo.

"A sacralidade que atribuímos aos mandamentos explicitados no Decálogo tem toldado nossa capacidade de perceber os fatos reais. Mal parecemos ousar observar que a maior parte da humanidade desobedece ao Quinto Mandamento". Não só ao quinto, eu diria a Freud. A desobediência se estende a todos os mandamentos e não é privilégio apenas da maior parte da humanidade. Possivelmente cada um de nós está implicado nessa transgressão, feito aqueles quebra-cabeças de quinze peças e dezesseis espaços em que, para se corrigir a posição de uma peça é preciso que se mexa em várias outras, senão em todas. E olhe que o quebra-cabeças da humanidade já passou de 6 bilhões de peças...

Mas por que a insistência nos dez mandamentos? Por que não criar uma nova ética do nada?

Porque os onze mandamentos, os dez originais mais o que foi acrescentado por Jesus Cristo, já fizeram um mapeamento satisfatório da experiência humana. Poderíamos criar onze novos mandamentos: um econômico, outro político, outro social, outro ecológico e assim por diante, segundo uma lógica disciplinar. Mas os onze mandamentos já definem, apesar das sucessivas camadas normativas que se lhes sobrepuseram, as áreas de vida que realmente movem as pessoas em seu cotidiano e que poderiam despertar nelas a disposição de encarar princípios referenciais de sociabilidade dentro de uma visão autônoma e não mais heteronômica.

Juro que não sabia que era tão prolixo assim, mas, como já disse alguém, não estou com muito tempo de preparar um texto sintético. Dessa maneira, tirarei folga de algumas semanas deste assunto e prometo só voltar a ele quando já tiver elaborado os onze novos mandamentos, que não mais se chamarão mandamentos, já que pretendem a abolição da norma e, por conseguinte, do mando. Até lá.

 

Fonte: http://www.patio.com.br/labirinto